"Portugal e o mundo mudaram profundamente,
as famílias democratizaram-se e são melhores, as novas tecnologias revolucionaram a relação das crianças com o conhecimento, mas
a escola tem permanecido mais ou menos igual há 200 anos.
(...) A escola é um património da humanidade. (...)
Os alunos, têm o direito a ficar protegidos dos maus educadores: sejam eles pais perfeitos, professores cujo humor varia entre o dorminhoco e o rezingão, ou políticos que nunca foram crianças (e que imaginam que a escola melhora sempre que se estica o tempo lectivo de todas as aulas e o período do dia em que as crianças ficam à guarda da escola). Tomando em consideração o período do dia em que estão de olhos abertos, os alunos não podem passar mais tempo na escola do que passam em casa
. E têm o direito a descobrir que a escola é o lugar onde a família se espreguiça. Ea de, re, se bem que fosse desejável que todos os professores gostassem das crianças e não as tomassem como uma fatalidconhecem que, muitos deles, valem mais que muitos tios, alguns primos e muitos colegas juntos.
Os alunos reivindicam, nos horários que os pais fazem, todos os anos, nestas alturas, que lá estejam, destacadas, e a vermelho, horas para brincar. Brincar ajuda a crescer.
E, depois da escola, os alunos reivindicam não ter de ir a correr, todos os dias, para os trabalhos de casa, ou do atelier de tempos livres para o inglês, para a natação, para os computadores, para a música, ou para o que quer seja.
Brincar, então depois da escola, faz com que os alunos não se zanguem com ela nem deixem de namorar com o crescimento.
Aliás, os alunos acham que a maioria dos tempos livres são uma grandessíssima batotice das pessoas crescidas.
Na verdade, mais parecem uma saga do género: Escola - parte II. De livres têm quase nada. E, bem feitas as contas, são uma forma de pôr as crianças ou entretidas ou distraídas que, valha a verdade, são (a par da televisão) vícios próprios de pessoas mais velhas.
Os alunos estão cansados de ser pequenos génios. Como se, ao contrário das pessoas crescidas (que erram que se fartam) não só nunca pudessem errar como se, sempre que se ficam por um rendimento suficiente, todos entrassem em pânico porque - supostamente - estivessem à beira de uma debilidade mais ou menos instruída. Os alunos acham que o importante não são os erros mas se se é capaz (ou não) de aprender com eles.
Os alunos percebem que as filas para o bar são o primeiro lugar onde se aprende que, ao contrário do que devia ser, são os mais fortes que mandam. E, embora não percebam porque é que não há professores nos recreios ou nas zonas de convívio das escolas, agradecem, reconhecidos, que elas dêem o bom exemplo de não os filmar à margem do seu conhecimento ou da sua vontade. E estão, até, disponíveis para alindar a escola, assim ela não os prive do material mínimo, do papel higiénico, dos aquecedores ou das ventoinhas que a tornem num lugar menos agreste.
Os alunos chamam a atenção para o espaço estreito que são os beirais da maioria das escolas. Porque, caso muitas escolas não entendam, se eles não podem estar nas salas (fora do horários das aulas), se não podem andar livremente pela escola, nem brincar (de forma ruidosa) entre as salas, restam os beirais das escolas. Ora, sempre que chove, os alunos reconhecem que os beirais os refrescam mas, correndo o risco de os acharem rebeldes, propõem uma quotização de ideias para que o Ministério da Educação entenda que brincar não é uma actividade nem estreita nem sazonal, e que as escolas amigas do conhecimento se vêem, também, no modo como respeitamos os recreios.
Os alunos vêem com preocupação a forma como direitos de décadas estão a ser postos em causa, sem serem escutados os seus representantes e sem negociação. Por isso, os alunos reclamam o direito aos feriados. E, se há pais que reivindicam que haja professores que substituam os colegas que faltam, não é porque os alunos se percam na brincadeira mas porque há alguns professores (não a maioria, reconhecem) que faltam demais. E pedem que lhes seja explicado, um pouco melhor, a utilidade do estudo acompanhado e de outras actividades que são do seu interesse mas que, em vez de ligarem conhecimentos e de os porem a tagarelar uns com os outros, parecem fazer de cada disciplina uma espécie de enclave nos curricula das escolas.
Os alunos acham, também, que há uma epidemia atípica de crianças hiperactivas e com défices de atenção nas escolas portuguesas. E propõem uma campanha de vacinação. Acreditam que a escola consegue distinguir, com sensatez, crianças atentas, crianças insolentes com maneiras e crianças doentes. E, portanto, pedem à escola que ajude tanto os pais a ser mais pais quanto eles a podem auxiliar a transformar-se numa escola melhor. E, se este sistema de bolas verdes, amarelas ou vermelhas, tão em voga, é um tão precioso auxiliar educativo, como alguns dizem, que se estenda, então, aos pais e aos professores e que, também eles, se deixem classificar pelos actos que têm, diariamente.
Os pais exigem que a escola compreenda que eles estão gratos por ela existir. E que os professores não são um adereço mas um bem de primeira necessidade na vida das crianças. E, portanto, apelam para que a escola os trate com bom gosto e com boa educação. E que não sejam tomados como agentes subversivos ou como débeis adestráveis (embora reconheçam que, muitos pais que se sentem em falta com os seus filhos exijam aos professores e à escola mais compromissos do que todas as suas falhas juntas possam somar).
Os pais estão obrigados a compreender que se o conhecimento (e a escola) são direitos das crianças, a play station (ou a X Box), a televisão, o computador (e o Messenger), e as sms's não deixam de o ser. E que lhes cabe a eles, no seu bom senso, discernir a conta, o peso e as medidas desses amigos do conhecimento.
Mas estão proibidos de fazer de pais aqueles que vêem televisão ou atendem o telefone durante as refeições, não cavaqueiam com as crianças e, ainda, os que desconhecem o nome do professor mais importante para os seus filhos ou que não imaginam quem serão os melhores amigos deles. (Imaginando que alguns desses pais sejam militantes imaculados pelos trabalhos de casa, propomos que, em relação a cada uma destas omissões, escrevam 50 vezes, numa caderneta do pais: "prometo não andar de cabeça no ar!").
Os pais agradecem, ainda, se a escola os incluir nas áreas de projecto ou nos clubes escolares. E gostam de ser recebidos pelo director de turma, sobretudo quando, para além das notas e da forma criteriosa como lhe indica as presumíveis asneiras do seu educando, lhes falam, também, das suas qualidades, e de muitos outros pormenores, das aulas ou do recreio, que lhes passariam despercebidos, sem essa preciosa ajuda. E gostam, ainda, dos conselhos de turma (sobretudo, quando não estão lá só a fazer de número, nem de ser impedidos de conversar - de forma amena - acerca das classificações, nem obrigados a ver o representante dos alunos a rebaixar-se diante dos professores como se, desde muito cedo, as crianças crescessem melhor quando deixam de dizer não). E percebem que os professores até registam com agrado as visitas dos encarregados da educação, embora não entendam porque é que o horário de atendimento dos pais não seja num período pós-laboral e tenha de ser, quase sempre, à segunda-feira entre as 10,30 e as 11,45 h, por exemplo, como se todos os pais não fizessem mais nada.
Os pais sentem-se, ainda, obrigados ao direito à indignação. Não por regra mas sempre que os cuidados dos seus filhos assim o exijam. Quer quando, alguns professores, maltratam, amesquinham ou humilham os seus filhos, ou quando imaginam que as crianças aprendem melhor se levarem, todos os dias, quantidades exorbitantes de trabalhos de casa (que vão muito para além da meia hora didáctica de trabalhos que as crianças devem ter).
Os professores percebem que há uma diferença entre os licenciados que dão aulas e os professores. Mas apesar de acreditarem que, depois dos familiares, os professores hão-se ser, tendencialmente, cada vez mais amigos das crianças. E sentem-se ultrajados quando são obrigados a fazer de assistentes sociais, psicólogos e professores (para além das aulas que dão, é claro). E até aceitam ser os primeiros encarregados da educação de muitas crianças, cujos pais foram estando em "serviços mínimos", embora não tolerem ser os magistrados ou os terapeutas de algumas crianças maltratadas ou muito doentes que, embora sendo uma imensa minoria, fazem com que quaisquer estratégias pedagógicas se tornem inconsequentes. Para cúmulo - vá-se saber como? - algumas destas crianças são associadas numa mesma turma e, embora os seus pais sejam negligentes ou elas exprimam, continuadamente, angústia e outros sofrimentos, há quem lhes exija que elas aprendam as matérias escolares antes de aprenderem as diferenças entre o bem e o mal.
Os professores reivindicam que, antes de se fazerem rankings de escolas, lhes dêem tempos sensatos e condições de trabalho (adequados à sua função). E não aceitam que algumas das pessoas que dão aulas achem que há crianças burras e crianças inteligentes, que acham que o insucesso é um problema exclusivamente dos alunos e, algumas vezes, dos pais… Insurgem-se contra aqueles que, para estimular um aluno, lhes dão uma classificação inferior ao que, efectivamente, merece, como se os alunos se motivassem de outra forma que não pelos bons resultados que conquistam, com justiça. Consideram que - independentemente do mau ambiente de casa, dos humores passageiros de um professor, de uma ou outra zanga com um amigo lá da escola, ou de um período "assim-assim" que esteja a atravessar -
um aluno que tira sempre boas notas merece uma atenção especial porque alguma coisa de menos bom se pode estar a passar com ele.
E reclamam, ainda, que os pais que pactuam com as batotices que possam existir numa escola, ou que aqueles que, semana após semana, infernizam a vida das crianças exigindo-lhes resultados perto do excelente, sejam tomados como maus amigos das crianças (estando elas em risco, se esses comportamentos forem mais ou menos compulsivos).
Os alunos adoram aprender, brincar e conviver, os pais gostam que os alunos gostem da escola, e os professores adoram ser um exemplo que as crianças têm em conta no seu crescimento. Propomos, por isso, que eles todos se entendam e, depois de o alterarem ao gosto de todos, se concertem e assinem o presente acordo de consertação.
Porque nós Sindicato das Crianças - acreditamos que unidos aprendemos."
Excelente texto em
Em. [
www.sindicatodascriancas.com]
Aplice-se a todos os graus de ensino, público ou privado e dele não constam a referência a cruzes ou terços . Tlavez porque isso nada tem a aver com a questão da quelidae do ensino.