Terceiro,vi a pouco um texto do Cardeal-Patriarca de Lisboa, colado num post da Maria José Ribeiro. Era como se podia imaginar, eivado da santa ambiguidade por um lado, mas apontando para alguns valores por outro e defendendo sua posição pessoal. Depois li a resposta da catolicapraticante. Vou comentar os dois.
Citação:D. José Policarpo
Embora a Igreja, porque é contra o aborto em todas as circunstâncias, não concorde com a Lei actualmente em vigor, ela apresenta razões para justificar o pedido da mulher: violação, mal-formação do feto, graves distúrbios psíquicos para a mãe.
Como alguém que é "contra o aborto em todas as circunstâncias" pode apresentar "razões para justificar o pedido da mulher". Alguma piada? Deve ter algum erro na transcrição do texto do cardeal, pq a igreja católica tb não aceitaria o aborto nem em casos de "violação, mal-formação do feto, graves distúrbios psíquicos para a mãe", e por isso nunca aceitaria nenhum pedido de mulher; mas como pega mal e beira a intolerância, entra no jogo fazendo vista grossa. Eu preferia um pouco mais de coerência.
Citação:D. José Policarpo
O Estado democrático, através das leis que aprova, procura o bem da comunidade nacional. A arte de legislar tem uma forte componente cultural: as leis aplicam à vida concreta da sociedade, em ordem a harmonizá-la, os valores fundamentais da cultura de um Povo.
(...) Os motivos que parecem justificar esta proposta legislativa, vamo-nos apercebendo deles nas diversas declarações de governantes, de partidários da lei, de movimentos a favor do “sim”. Parece ser a busca de uma solução para o drama do aborto clandestino. Que ele existe e é um drama, é uma realidade. Mas qual a sua dimensão? O várias vezes anunciado estudo sobre esta realidade nunca foi realizado.
Aqui só me resta repetir o que já foi muito bem dito:
"esta frase tem uma ambiguidade subjacente - é pelo facto de não sabermos as dimensões de um problema social ético e humano gravíssimo que nada devemos fazer para o solucionar?". Um dos meios para não "sujar as mãos" resolvendo problemas é fazer pouco deles.
Citação:D. José Policarpo
Esta nova realidade traz a decisão de abortar para o campo da liberdade pessoal e da consciência e não é razão para esta alteração na Lei. Não quero, com o que acabo de dizer, negar a realidade do “aborto clandestino”.
É de doer alguém ter que ler isso. Se a decisão é no campo da
liberdade pessoal e da
consciência então ninguém pode legislar sobre isso. Para ser coerente com a sua doutrina a Igreja deveria estar propondo o fim de qualquer Lei sobre esse tema, pq ela defende que a consciência é o lugar sagrado de encontro com Deus, e ninguém pode legislar sobre sobre o risco de se meter a lutar contra Deus. O papel da Igreja seria ajudar a formar as consciências, educar, mas
nunca legislar sobre!!!.
"A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa a sua voz." (Vaticano II, Gaudium et spes, 16)
Citação:D. José Policarpo
Penso só que era preciso tipificar melhor a realidade, nas suas dimensões evolutivas, antes de propor à decisão dos portugueses uma tão grave alteração legal.
E será uma solução?
Não! Não será uma solução! Esse grave problema social do aborto exige uma participação maior e um acompanhamento constante, exige educação, exige diálogo, exige respeito ao outro, exige muita coisa, mas exige tb que se faça algo!. Não se consegue mudar tudo por decreto da noite para o dia. Mas quem se esconde atrás desse argumento tb não está "limpo" como imagina, pode-se pecar por omissão. O não fazer nada, o votar NAO para resolver as coisas pelo medo e pelo castigo tb não resolve o problema, ainda o agrava e ainda alimenta outro: o aborto clandestino. Por acaso esse tb pode matar, mas os "defensores da vida" não se preocupam muito com esse.
Citação:D. José Policarpo
Pretende-se, depois, despenalizar a mulher que aborta. “Nem mais uma mulher para a cadeia” tornou-se “slogan”. Declarações que recentemente vi nos meios de comunicação social, dizem que, nos últimos trinta anos, nenhuma mulher foi presa por esse motivo. A afirmação surpreendeu-me. Houve, é certo, alguns julgamentos, e esses podemos contá-los, porque foram invariavelmente sublinhados com ruidosas manifestações dos movimentos “pró-aborto”. Mas também me consta terem sido dadas instruções à Polícia Judiciária para não ter entre as suas prioridades as investigações sobre o “crime” de aborto.
Ora, se não é para cumprir a lei então que se acabe com ela e com a hipocrisia. Só me resta recolocar a frase abaixo, mais capaz do que eu para expressar o problema:
Esta afirmação é gravíssima. Pela afirmação em si e pela reacção do mesmo face á informação. Nenhuma indignação, nenhuma exigência de investigação criminal, nada.
Só posso interpretar esta atitude de uma forma - O cardel patriarca está profunda e intimamente convencido que o aborto em fases iniciais não é o homicídio de uma criança. Só isso pode justificar tão inusitada indiferença face ao incumprimento da lei e a não condenação a pena efectiva de prisão para as milhares e milhares de autoras do crime de aborto.
Citação:D. José Policarpo
Vi também apresentar como motivo, fazer alinhar Portugal entre os países mais progressistas da Europa, como se defender a vida fosse sinal de atraso cultural. Cautela Europa!
Enfim um argumento, já era tempo! Se sou contrário às chantagens emocionais dos partidários do NAO, há que se criticar esse outro tipo de chantagem dos partidários do SIM. Felizmente não vi muito isso por aqui.
Citação:D. José Policarpo
Dizem outros que é um reconhecimento de um direito da mulher. “A mulher tem direito ao seu corpo”. Só que o feto é um corpo de outro ser humano, que a mulher mãe recebe no seu corpo, para o fazer crescer.
Esse assunto vai merecer depois um post específico.
Citação:D. José Policarpo
A última razão que ouvi, e essa entristeceu-me particularmente, pois vinha de alguns católicos, que se querem distanciar da doutrina da Igreja: no aborto estão em questão duas vidas, a do feto e a da mãe. Estão a falar de aborto só quando a vida da mãe está em risco? E mesmo nessas circunstâncias é o caso em que a maternidade convida a correr riscos e apela ao heroísmo. Ou fazem equivaler a destruição da vida do feto ao incómodo de uma maternidade indesejada?
Como alguém que se preocupa com a vida da mãe pode entristecer o cardeal por isso? Que absurdo! E como isso seria se distanciar da Igreja? Agora a Igreja defensora da vida vai escolher quais vidas se deve defender e quais não?
Para que o cardeal faz a pergunta como se ela fosse importante, se ela nao importa nada e não altera a posição dele? "Estão se preocupando com a vida da mãe em risco? ou Estão querendo afastar um incômodo?". Ótimo! Está preocupado com isso então faça um sermão, ensine, eduque, mas não se queira se meter a legislar sobre! Ninguém conhece o íntimo do outro e já foi dito antes que isso é da esfera da consciência.
Citação:D. José Policarpo
É notória a fragilidade de todos estes objectivos. O único que se afirma com a crueza da realidade é o drama do aborto clandestino do qual, como ficou dito, não se conhecem as fronteiras da realidade. Esta lei será uma solução?
Pelo visto a preocupação não é se será solução ou não, já que no quote acima se respondeu não tb para o risco de vida da mãe. Se arriscar a vida é permitido, arriscar politicamente muito mais, então parece que o que vale mais é fazer valer uma regra imposta. Apela-se para o heroísmo, para a sorte, para N.S. de Fátima, para tudo, menos para a razão.
Citação:D. José Policarpo
E, sobretudo, será uma solução legítima? Não o é, pois uma tal lei fere princípios éticos universais, é uma questão de civilização. Cultural e moralmente, o “Não” é a única resposta legítima.
Ficou faltando só os argumentos para mostrar isso, mas a posição pessoal do cardeal já ficamos sabendo.
Um ambiente só é puro se foi esterilizado, e se é estéril está sem vida. Para construir o reino temos que sujar as mãos e abraçar o próximo, mesmo que ele não esteja tão limpo. Se se por na frente de um espelho vai descobrir que vc tb não está.