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A Presença de Cristo na Eucaristia - Alef
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 25 de May de 2007 00:48

A) Nota prévia. Já por muitas vezes apareceu por cá o tema da presença de Cristo na Eucaristia, normalmente em tópicos que tratam de outros assuntos. Parece, então, oportuno abrir este tópico, para que permita concentrar as atenções de tema tão importante.

Na impossibilidade de abrir este tópico com um texto muito elaborado, farei apenas uma brevíssima introdução e colocarei depois algumas citações de «posts» onde este tema foi tratado a propósito de outras questões. Fica algo em bruto, mas pode ser material útil. É com esta intenção que publico estes materiais todos juntos. Alguns textos estão estreitamente ligados ao contexto em que surgiram e poderiam ser revistos ou aprofundados, mas às vezes o óptimo é inimigo do bom. Há «links» para as mensagens originais. Editei uma ou outra gralha, mas o texto é sempre o original. Duas ou três frases foram acrescentadas, entre parênteses rectos. Evidentemente, esta «recolha» não é exaustiva e a maioria das mensagens foram escritas por mim. Pelos «links» é possível ver muitos outros materiais bem importantes. Para facilitar um pouco este longuíssimo «post», dividi-o por títulos. Não é uma divisão inteiramente sistemática e seria errado pensar que cada título está exaustivamente tratado no texto que se lhe segue. Há também algumas repetições e é possível que me tenha esquecido de algo importante.


B) Brevíssima introdução. Como sabemos, o Concílio de Trento definiu como dogma de fé a presença real de Cristo na Eucaristia, afirmando a transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor. Vejamos os dois cânones mais importantes sobre a Eucaristia:

Citação:
Cân. 1: Se alguém negar que no Santíssimo Sacramento da Eucaristia está contido verdadeira, real e substancialmente o corpo e sangue juntamente com a alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, e por conseguinte o Cristo todo, e disser que somente está nele como sinal, figura ou virtude -- seja anátema.
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Cân. 2: Se alguém disser que no sacrossanto sacramento da Eucaristia fica a substância do pão e do vinho juntamente com o corpo e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; e negar aquela admirável e singular conversão de toda a substância de pão no corpo, e de toda a substância do vinho no sangue, ficando apenas as espécies de pão e de vinho, que a Igreja com suma propriedade (aptissime) chama de transubstanciação -- seja anátema.


C) Alguns problemas já antes tratados neste fórum


1. QUE SIGNIFICA «CORPO» E «SANGUE»?


Respondendo à Andreia (protestante) escrevi:

Citação:
- A propósito do "Corpo/Carne" de Cristo. […] gostaria de chamar a atenção da Andréia de duas coisas: a primeira é que quando os católicos (e não só) dizem que no pão consagrado está o Corpo de Cristo, não se referem a fibras e tecidos (parece que é isso que significas com a expressão "carne literal"). Muitos protestantes atiram-se contra a doutrina da transubstanciação, sem perceber o essencial (que muitos católicos também parecem desconhecer): o Corpo significa a PRESENÇA real de Cristo, o Corpo ressuscitado! E isto daria muito pano para mangas, como já me deu noutro lado. A segunda coisa a notar é que as palavras de Jesus sobre o comer o seu corpo não são palavras menores. Vale a pena relembrar o escândalo que Jesus causou com o discurso do Pão da Vida (veja-se o evangelho de João), ao ponto de muitos abandonarem Jesus. "Como são duras essas palavras". E Jesus não volta atrás, porque está diante de algo inegociável. Pede atitude e decisão: "Também vós quereis ir?" O que a Andréia disse sobre a comunhão como elemento vital da comunidade é verdade, mas não se reduz a isso. É curioso que alguns protestantes se reconciliam com a Igreja Católica precisamente começando por aqui: "Isto é o Meu Corpo", "Isto é o Meu sangue"... Mas, ontem como hoje, para muitos "duras são estas palavras"... Como custa a perceber que restrições mentais levem milhões de cristãos a ficar privados de algo tão importante para a sua vida de fé!...


2. «COMER A MINHA CARNE» -- MERA METÁFORA DE JESUS?


A mesma Andreia recusava a ideia de que tivesse sentido a linguagem que usam os católicos de comer a carne e beber o sangue de Cristo, já que em Lev 3:17 se diz: «Estatuto perpétuo, pelas vossas gerações, em todas as vossas habitações, será isto: nenhuma gordura NEM SANGUE algum comereis». Ou seja, segundo ela,

Citação:
Os católicos não crêem que é só a presença de Cristo, mas crêem que é a própria carne e sangue de Cristo. Isso é uma heresia, pois Deus nunca iria mandar fazer algo que antes, disse que não fizéssemos. Mas como Ele mesmo disse: "fazei isso em memória de mim". Isso sim é a presença, lembrança, ritual de vida.

Respondi, alertando para o carácter «escandaloso» do discurso do «Pão da Vida» que aparece em S. João:

Citação:
... e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo.» Então, os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. [...] Depois de o ouvirem, muitos dos seus discípulos disseram: «Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?» 61Mas Jesus, sabendo no seu íntimo que os seus discípulos murmuravam a respeito disto, disse-lhes:
«Isto escandaliza-vos? [...] A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. Então, Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?» Respondeu-lhe Simão Pedro: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6:54-ss)

Ora, a Andréia, defensora da leitura literalista da Bíblia, tropeçava aqui, neste texto, defendendo que se tratava de uma linguagem metafórica, como quando Jesus dizia que era a Porta ou o Bom Pastor…

Respondi então:

Citação:
Pois bem, vejamos, então. Será que Jesus estava aqui a usar uma mera metáfora, como quando disse "Eu sou o Bom Pastor" ou "Eu sou a Porta"? Mas se assim fosse, como se explicaria que muitos dos discípulos O abandonassem por serem duras aquelas palavras? E como poderia falar Jesus de "beber sangue" se estava proibido pelo Antigo Testamento? Ah, é verdade, Jesus também violou o sábado, segundo os fariseus...
.
Já agora, outra coisa: "fazer memória" na bíblia não é um mero recordar, mas um acto de actualização. O "fazei isto em memória de mim" não é apenas um teatrinho anual, mas é algo que tem a ver com a função da palavra (este É o meu corpo), em hebraico "dabar", que é sempre actuante, efectiva, que faz o que pronuncia.
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Nota bem a solenidade com que João coloca (e prepara) o discurso do Pão da Vida. Com um "sinal", o único milagre que é referido por todos os evangelistas! Seria apenas para mais um truque de magia?


3. A TRANSUBSTANCIAÇÃO: PRESENÇA VERDADEIRA, REAL E SUBSTANCIAL DE CRISTO


Comentei da forma que se segue a frase do Pedro B que dizia: «A hóstia e o vinho depois de consagrados são aparentemente pão e vinho mas realmente corpo e sangue de Cristo (sob a aparência de pão e vinho).»

Citação:
Sim. A noção de “transubstanciação” pretende recorrer a uma categoria filosófica para exprimir precisamente que depois da consagração os dados empíricos (ou físico-químicos) mantêm-se, mas a “substância” (isto é, aquilo que “sub-está” ao que se vê) foi “trans-formada”. É no “trans” que está toda a diferença e não tanto em “transformar” no sentido corrente. É um “trans” de “trans-cendente”. Na linguagem da filosofia escolástica, a consagração fazia com que os acidentes se mantivessem, mas a substância passasse a ser outra. Por isso, em “essência” (termo meta-físico e não físico-empírico!) temos o Corpo e o Sangue de Cristo.


4. O MOMENTO DA TRANSUBSTANCIAÇÃO; QUEM ACTUA?


No que diz respeito ao momento em que se opera a transubstanciação e aos «poderes» dos sacerdotes, eis outra proposição do Pedro B e o meu comentário:

Citação:
«Sempre aprendi que o que transformava o pão e vinho em corpo e sangue são as palavras do sacerdote, pelo que estaríamos perante "poderes" conferidos apenas aos sacerdotes desde o momento da sua ordenação.» .
Sim, basicamente é isso que diz a Igreja Católica, pelo menos numa formulação mais “tradicional”, mas em alguma “des-sintonia” com a Igreja Ortodoxa, que acentua muito mais as palavras da “epiclese” (invocação do Espírito Santo sobre os dons, depois do Prefácio). Parece-me (não tenho a certeza absoluta) que desde que o «Novus Ordo» retomou a epiclese (como noutros tempos), a tendência é a de manter a importância das palavras da consagração como o momento mais solene da “transubstanciação” mas olhando para toda a Oração Eucarística como um todo, onde o papel do Espírito Santo é fundamental, já que é Ele o “obreiro” e não se trata de um mero rito mágico de umas quantas palavras que um padre-feiticeiro pronuncia... É importante reconhecer a diferença entre sacramentos e magia.
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É verdade o que dizes quanto ao "poder" dos padres neste campo. Eles são os ministros ordenados a quem é conferida missão de presidir à Eucaristia e só eles podem consagrar o pão e o vinho.


5. «TRANSUBSTANCIALIZAÇÃO AO CONTRÁRIO»?


O Pedro B colocava ainda uma outra questão:

Citação:
Se são as palavras do sacerdote que, devido a poderes sobre naturais transforma o pão e o vinho em corpo e sangue de Cristo, como é que afirmas que essa Corpo e Sangue deixa de o ser a partir do momento em que a Sagrada Hóstia passa a ter humidade e ganha bolor?
Então temos uma transubstanciação ao contrário?

Respondi:

Citação:
Não se trata de “transubstanciação ao contrário” e a verdade é que não tenho qualquer intenção de entrar nesse assunto, pois entraríamos no campo da casuística, que é muito fértil. Seria entrar pela lógica do fisicalismo. Apenas quis ressaltar a ideia de que a presença de Jesus na Eucaristia não é um acto mágico, nem uma questão de moléculas. A presença de Cristo é sacramental, o que significa que “depende” da existência de um sinal visível. Se o vinho consagrado passou a vinagre e o pão consagrado, pela sua corrupção, já não pode ser considerado pão, já não temos a presença de Cristo. Os exemplos que dei foram, contudo, para realçar um aspecto importante, o de que não tem sentido um certo tipo de argumentação dos que se opõem à comunhão na mão (porque supostamente se perdem partículas, por minúsculas que sejam, das hóstias consagradas, havendo então sacrilégio). Creio ter mostrado que tal argumentação é de tipo fisicalista, normalmente escrupulosa (e os escrúpulos são uma artimanha do mal na vida cristã) e injustificada.


6. PRESENÇA REAL – PRESENÇA «FÍSICA»?


Em tempos idos, mantive um animado diálogo com o João Oliveira sobre a presença de Cristo na Eucaristia. A certa altura perguntei se a presença de Cristo era física (no sentido corrente desta palavra).

O João Oliveira respondeu (destaques no original):

Citação:
A resposta mais curta é: a Eucaristia é em si todas as propriedades completas de Cristo. Tudo quanto faz Cristo está presente na Eucaristia. Todas as propriedades físicas da natureza humana de Cristo estão presentes na Eucaristia. Está presente a 2.ª Pessoa da Santíssima Trindade na sua humanidade: Corpo, Sangue, Alma e Divindade. A substância da Eucaristia é o próprio Cristo e as propriedades são as suas. A questão que se coloca é: como é que estas propriedades físicas estão presentes? Primeiro, um ponto importante. Na consagração, a mudança da substância do pão e do vinho passam a ser respectivamente o Corpo e o Sangue de Cristo, mas sendo a mesma e única Eucaristia. De facto, o pão e o vinho são transformados em Cristo completamente. Por isso é que se torna admissível que normalmente comunguemos apenas na espécie do pão, porque Cristo está totalmente presente em ambas e não há separação entre seu Corpo e Sangue. O Senhor está presente embora sobrem as propriedades sensíveis e mutáveis, as espécies ou "aparência", do pão e do vinho. Desde o ano 1215 que se deu e cunhou o nome latino "transubstanciação" a esta realidade da Fé, aprofundando e clarificando a descrição e sentido do Mistério que o Senhor instituiu na Última Ceia e que ordenou aos Apóstolos, tendo-lhes enviado o Espírito Santo; este acontecimento em que é transformada a substância de algo que já tinha sido criado: a substância do pão e do vinho são transformadas na substância de Cristo, mas sobram as propriedades sensíveis do pão e do vinho. A substância é o que torna algo aquilo que é, o que subsiste a (ou que "sub-está", permanece em) tudo aquilo que em si se pode alterar.
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Por exemplo, no ser humano, a substância da sua humanidade permanece sempre desde o momento da concepção, ainda que as suas propriedades ou qualidades mutáveis sejam muito variadas ao longo da sua existência, tanto no seu corpo como na sua mente e alma; mas a sua substância nunca muda -- o que faz de mim quem eu sou é a minha substância: sou uma pessoa humana única, mesmo na diversidade de todas as alterações físicas e espirituais que em mim acontecem. Em relação às outras coisas criadas passa-se o mesmo; podemos mesmo mudar a substância e propriedades das coisas, como fazer o trigo em pão, deixando de ser trigo e passando a ser pão. Ora, em relação a Deus nunca se fala na sua substância, porque identificar n'Ele essa categoria de ser implicaria também que Lhe pertencessem propriedades mutáveis, mas Deus não "se altera" (há uma questão mais aprofundada sobre a "passibilidade" de Deus, nomeadamente o seu sofrimento e alegria, que aqui fica para já sem abordagem), porque não é uma criatura, mas o único ser não criado, puro espírito e soberano de toda a Criação, que pela sua Graça pode criar do nada e mesmo recriar o que já existe (já sabemos que isto acontece com a criação e regeneração espiritual do homem). Na Eucaristia, as propriedades reais do ser do pão e do vinho são-nos sensíveis, mas a sua substância é já outra, sem que, aparentemente, Deus transforme também essas propriedades ao transformar o próprio ser do pão e do vinho. Assim, aquilo que tinha sido pão e tinha sido vinho deixa de existir e torna-se não só no indivisível Corpo e Sangue de Cristo, mas no Cristo completo e total: Totus Christus, Christus totus.

Considero que, como então escrevi, a resposta ainda não é satisfatória:

Citação:
1. Parece-me que a tua resposta, João, é algo «sibilina», mas não (me) satisfaz. Dizes: «a Eucaristia é em si todas as propriedades completas de Cristo». Que significa «todas as propriedades»? Significa isto uma presença física ou não?
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Mais adiante pareces clarificar que «propriedades» são essas quando dizes que na Eucaristia «está presente a 2.ª Pessoa da Santíssima Trindade na sua humanidade: Corpo, Sangue, Alma e Divindade». Pergunto de novo: significa isto uma presença física ou não?
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Depois dizes que «a questão que se coloca é: como é que estas propriedades físicas estão presentes?». Ora, nota que esta tua pergunta inclui uma afirmação deveras «interessante»: «Corpo, Sangue, Alma e Divindade» são «estas propriedades físicas».
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Ora bem, isto traz um montão de problemas. Vou colocar alguns.
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a) Presença física não determinável? Se «Corpo, Sangue, Alma e Divindade» são propriedades físicas terão que ter elementos mensuráveis fisicamente, porque é próprio do que é físico ser mensurável. Haverá certamente elementos “mínimos”, como extensão, massa, peso... Será que isto se aplica à presença de Jesus na Eucaristia? O que é que é realmente físico na presença eucarística?
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b) E se um rato... E lembrei-me então de uma pequena discussão casuística da Idade Média para colocar uma questão que me parece importante: se a presença de Jesus Cristo na Eucaristia é física, se um rato entrar no sacrário e comer as hóstias consagradas, come o Corpo de Cristo! Será?
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c) E se um não baptizado... Já agora, coloco mais uma “pequenina” questão: se um não baptizado receber uma hóstia consagrada (como acontece com alguns turistas que aparecem por cá e entram nas igrejas onde decorrem Eucaristias e fazem “tudo” o que vêem outros fazer), recebe o Corpo de Cristo? Recebe um sacramento?

Essa mesma mensagem terminava com um «post scriptum» importante:

Citação:
Espero que ninguém confunda aqui «físico» com «real»!

Mais tarde, fiz a mesma pergunta ao então recém-chegado s7v7n: «Quando tocas a hóstia consagrada com a mão ou com a língua, tocas fisicamente o Corpo do Senhor? Mesmo sabendo que se trata da presença do Corpo Ressuscitado de Jesus Cristo?»

A resposta do s7v7n foi mais rápida que a do João Oliveira:

Citação:
Sim toco. Tu achas que não? Achas que não está ali o verdadeiro corpo de Cristo?

Repliquei:

Citação:
[…] Se tocas fisicamente (no sentido corrente da palavra), então o corpo do Senhor está fisicamente, porque uma realidade física (a nossa) só pode tocar outra realidade física. Ora, nesse caso, pergunto-me onde está o «trans» de «transcendente» ou o «trans» de «transubstanciação». Seria necessário falar de «transformação» e não de transubstanciação.
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E então remetes uma pergunta: «Achas que não está ali o verdadeiro corpo de Cristo?» Respondo: claro que está, mas a presença não tem que ser propriamente física, no sentido corrente da palavra. Nota que habitualmente atribuímos a palavra «físico» àquilo que é determinável fisicamente. Será o Corpo Ressuscitado de Cristo determinável fisicamente? Basta recorrer às velhas fórmulas de catequese, sobre «os dotes do Corpo Glorioso» para depressa perceber que algo aqui não «encaixa». A uma presença real não física poderemos chamar «transfísica», «transcendente», «metafísica», o que quisermos, mas não chamamos «física». Por isso me interrogo se não há por aqui alguma escrupuleira a mais e muita teologia a menos.


7. O «FISICALISMO»/«FISICISMO»


Aquilo a que chamei «fisicalismo» ou «fisicismo» pode ser descrito como uma visão de tal maneira literalista da presença «física» de Cristo que leve a complicados problemas de tipo escrupuloso, como escrevi noutro lugar, que em seguida citarei.

Referi-me ao tema em resposta ao Pedro B, a propósito deste termo e da comunhão na mão:

Citação:
Um dos problemas apontados por alguns que se opõem à comunhão na mão é a de que sempre se desprendem algumas pequeninas “migalhas” que ficarão nas mãos ou caem ao chão e isso seria um sacrilégio, porque se “desprezaria” o Corpo de Cristo. Acontece que, entre outras coisas, subjaz a esta forma de pensar uma visão de tipo mágico que pouco tem que ver com a teologia da Eucaristia. A presença do Corpo e Sangue de Cristo não é a mesma presença da carne do talho – perdoem-me a crueza da expressão, para mostrar o “onde” quero chegar –. É outro tipo de presença, mas que é real...
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[…] É verdade que Jesus está presente sacramentalmente em cada hóstia e deve haver cuidado em evitar que caiam partes onde quer que seja, mas é pura escrupuleira a “aflição” de alguns padres que raspam a toalha do altar com a patena, para se assegurarem que nenhuma ínfima partícula (falo de medidas na ordem dos “micrómetro”) ficou por consumir. A presença de Cristo na hóstia consagrada não é de tipo mágico. A presença de Cristo mantém-se quando há o sinal, neste caso, pão. Mas se o sinal deixa de o ser, não temos presença. […] Dou um exemplo muito claro: se um conjunto de hóstias consagradas se estragar (por exemplo, apanharam humidade e ficaram feitas em bolor), não temos que as consumir por estar ali o Corpo de Cristo. Não havendo sinal, não há sacramento.
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Algumas visões muito estreitas e “fisicalistas” levaram a histórias famosas de escrúpulos, como a do padre que, tendo visto que uma mosca que tocou o vinho consagrado (Sangue de Cristo) se escapou, fechou a igreja e começou a matar e a comer todas as moscas da igreja. Ou então a história bem mais “airosa” de um outro padre a quem perguntaram: “Sr. Prior, que faria se os ratos entrassem no sacrário e comessem as hóstias?” Ao que o douto padre respondeu, “Chamava o gato e punha-lhe uma estola!”


8. PROBLEMAS DE LINGUAGEM: «SÍMBOLO»


Ao Pedro B respondi:

Citação:
O outro exemplo é a alergia dos mais tradicionalistas em relação à palavra “símbolo”, que o tomam num sentido pobre e alheio à própria etimologia, como se o símbolo em teologia significasse uma mera convenção ou evocação, para depois acusarem a seu bel-prazer os interlocutores de modernistas. […]

É verdade que existe o risco de se tomar a palavra «símbolo» ou «presença simbólica» em «sentido pobre», como se se tratasse de uma mera «presença moral», «referencial», «intencional» ou «convencional». Em «sentido pobre» a palavra «símbolo» parece opor-se a «real», oposição a que se refere S. Tomás na «Suma».

Contudo, existe também um «sentido forte» ou «rico» desta palavra, teologicamente pertinente. Assim me referi a ele, em mensagem ao Miguel:

Citação:
Presença simbólica real. Ora, há que dizer que se dissermos que a presença de Jesus Cristo é «espiritual» (agora falo em geral, sem me cingir à presença eucarística), não é menos real!!! A presença de Jesus na Eucaristia é REAL. Ponto. O resto são tentativas de dizer algo dessa realidade. Falas em metáfora e usas o termo «símbolo» em sentido «pobre». Eu não hesito em falar em presença SIMBÓLICA (syn+bolon), no seu sentido forte, etimológico, aquele que lhe dá Karl Rahner, que é também o mesmo que dizer SACRAMENTAL (em Rahner pode-se falar de «simbolismo realista»). «Simbólica» nada tem a ver com «vagamente evocativa» ou «arbitrária», mas real, realidade de realidades.

Sobre a imutabilidade dos termos, escrevi uma mensagem ao Sandro, onde contesto a ideia de que os termos são absolutamente imutáveis. O debate prosseguiu, com vários intervenientes.


9. PROBLEMAS DE LINGUAGEM: «ESPIRITUAL»


Outra palavra que às vezes se prestam a equívocos interpretativos. Na resposta ao Pedro B escrevi:

Citação:
[…] há algum tempo a […]/taliban escreveu, supostamente citando o Papa (mas distorcendo) que “a paternidade de Deus é meramente espiritual”. Acontece que “meramente” foi uma interpolação da “autora” e que fazia denotar que ser espiritual leva o advérbio de modo “meramente”, como se “espiritual” fosse menos real que “natural” (tanto mais, tratando-se de Deus!).

Dizer que a presença de Cristo é espiritual será o mesmo que dizer que é menos real? Se não for «apenas» espiritual, será material?

Re: A Presença de Cristo na Eucaristia - Alef
Escrito por: camilo (IP registado)
Data: 25 de May de 2007 00:51

10. PROBLEMAS DE LINGUAGEM: A «SUBSTÂNCIA»


Numa das minhas mensagens dirigidas ao João Oliveira escrevi:

Citação:
Gostava de chamar a atenção para algumas coisas importantes a ter em conta na discussão destes temas:
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a) «substância» é um termo metafísico, não «físico»; atenção, pois, quando se usa esta palavra para explicar o dogma da transubstanciação!
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b) é importante chamar a atenção para o facto de que «substância» é hoje uma categoria que praticamente saiu da actualidade da discussão filosófica; por isso, insistir na «substância» pouco mais provoca que «datar» o tema como algo ultrapassado, o que é pena;
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c) depois das enormes discussões filosóficas do século XX – basta lembrar os existencialismos --, parece-me mais do que discutível a tua descrição de «substância» aplicada ao homem. Ou pelo menos que ela tenha pertinência na actualidade. Dizes: «no ser humano, a substância da sua humanidade permanece sempre desde o momento da concepção, ainda que as suas propriedades ou qualidades mutáveis sejam muito variadas ao longo da sua existência, tanto no seu corpo como na sua mente e alma; mas a sua substância nunca muda -- o que faz de mim quem eu sou é a minha substância: sou uma pessoa humana única, mesmo na diversidade de todas as alterações físicas e espirituais que em mim acontecem». Tal descrição do homem comete o “pequeno” erro de retirar ao homem algo fundamental e de esquecer algo fundamental no centro do próprio Cristianismo: a história! Não poderemos dizer com grande força de razão que somos substancialmente históricos? Já agora, a ideia ou «esboço» que mencionas de um Deus impassível fica bem em Aristóteles e responde às questões da Idade Média (sem qualquer sentido pejorativo), mas é insuficiente para nós hoje; nem corresponde propriamente ao Deus revelado em Jesus Cristo. A Encarnação do Verbo de Deus é também o estilhaçar de muitas ideias pré-concebidas de um deus de tipo pagão, que muitos pretendem fazer perdurar, mesmo na teologia católica;
.
d) parece-me que no dogma (qualquer dogma e no da transubstanciação de uma forma especial) o mais importante não é o termo em si, mas sim o conteúdo do mesmo. Isto é algo fundamental, creio que esquecido por muita e boa gente. Muita gente fala e aceita a hermenêutica e a exegese aplicada à Bíblia, mas esquece que também aos dogmas se têm de aplicar os mesmos princípios! E De facto, o termo «transubstanciação» não significa hoje praticamente nada, mas o conteúdo do dogma continua e continuará válido;
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e) a teologia tem que recorrer sempre a ferramentas filosóficas para se exprimir; mas não me parece que seja dogma de fé que a única teologia válida é a Escolástica; é uma pena que muita gente na Igreja queira reduzir a enorme riqueza e variedade filosófica do primeiro milénio da nossa era num monobloquismo que se fecha ao diálogo com a diferença. Há que buscar novos meios de falar da Eucaristia em vez de se cair em linguagens herméticas ou de dar espaço para o surgimento fisicismo (ou fisicalismo) ingénuo.

Noutra mensagem, escrevi:

Citação:
«Tocar» o metafísico. E esquecem-se muitos -- sobretudo alguns «apologetas» de hoje […] -- que o próprio conceito de «substância» é um conceito metafísico (!) e não físico. Nunca ninguém «viu» uma substância! [O que vemos são «acidentes».]


11. PROBLEMAS DE LINGUAGEM: FILOSOFIA ARISTOTÉLICO-TOMISTA E A VERDADE NUCLEAR DA PRESENÇA EUCARÍSTICA


Vale também a pena ver o que escreveu o Miguel a este propósito:

Citação:
Miguel
Não me parece fácil falar da Eucaristia continuando a utilizar a linguagem e os conceitos filosóficos aristotélicos/tomistas. Porque hoje já não raciocinamos como eles raciocinavam, nem partimos dos mesmos quadros teóricos. Falar sobre a Eucaristia com os mesmos conceitos que se utilizavam na teologia/filosofia no século XIII é o melhor sinal da dificuldade da Igreja em adaptar a sua linguagem aos novos tempos… digo linguagem porque é apenas nela que o pensamento, a revelação e o dogma se tornam na medida do possível ‘compreensíveis’; não digo de todo mudança de opinião (do estilo passar de um entendimento da ‘realidade’ da presença do Corpo e do Sangue de Cristo na Eucaristia para um entendimento simbólico). Na Mysterium fidei o papa manteve em grande parte a definição que vinha desde o século XIII que referia
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1) o facto de a realidade ontológica e objectiva do pão e do vinho SE TORNAR no corpo e sangue de Cristo, mantendo-se a forma aparente de ‘pão’ e de ‘vinho’.
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2) a presença do corpo e do sangue de Cristo NÃO SER SIMBÓLICA, nem implicar a manutenção da realidade ‘físico-química’ do pão e do vinho, mudando eventualmente apenas o sentido ou o significado religioso. Estas teologias da transfinalização e transignificação foram rejeitadas pelo mesmo Paulo VI.
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O que eu julgo é que estamos hoje perante uma discussão um pouco estéril (ou talvez eu não a atinja) sobre a pertinência ou não da definição tomista/aristotélica […]. O que julgo que deve ser explicado é que para os Católicos o pão e o vinho consagrados não são realmente pão e vinho senão na sua aparência física (forma, sabor, cor, peso, etc). Talvez hoje ‘substância’ não seja a melhor palavra para explicar o conceito: com a Eucaristia, acreditamos que o pão/vinho deixam de ser realmente o que eram: de algum modo, foi o seu ‘ser’ mais profundo que mudou. Eles tornam-se para nós realmente o corpo e o sangue de Cristo ‘ressuscitado’… mesmo se ‘fisicamente’ permanecerem pão e vinho, REALMENTE não o são mais… , o que apenas pode ser entendido pela fé e não pelos sentidos, nem por estéreis análises químicas… o que é bonito: é no vaso pobre e volúvel da nossa pouca fé que Deus entrega sacramentalmente o que tem de mais precioso: completamente a si próprio, todo, no seu Corpo e no seu Sangue, como há 2000 anos na Cruz, como há 2000 anos na Ressurreição que é toda ela dádiva.

E seria uma pena não ler o resto da mensagem do Miguel:

Citação:
Sendo assim… a polémica acerca da carne/corpo de Jesus parece-me também mais ou menos incompreensível […]: é evidente que não estamos a falar da carne humana de Cristo, com os tendões e os nervos… foi isso (entre outras coisas) que os hebreus entenderam e por isso se afastaram no discurso de Jo. 6… Não compreenderam o discurso de Cristo em que Ele falava de facto e claramente em COMER a sua carne… mas também fala no mesmo discurso não menos claramente que Ele próprio é 'o pão que desce do Céu’ e, uma vez que Cristo não era feito de Pão… (lol) aqui a referência é metafórica evidentemente. Mas o que aqui me parece estranho é achar-se que quando se fala em metáfora não se fala em realidade: uma metáfora, por sê-lo, não deixa de ser uma realidade, mas apenas uma forma, talvez menos ‘científica’ e ‘objectiva’, de definir a realidade através da linguagem (por exemplo: a narrativa da Criação do Génesis, apesar de metáfora, é essencialmente verdadeira). De facto, este discurso de Jesus em João dava pano para mangas: 1) Jesus assume-se como novo maná (Ex. 16, 14), autêntico alimento vindo directamente dos Céus, gratuito e completo em si; 2); 2) novo pão, como o que o anjo dá a Elias no deserto e que lhe dará a força para caminhar durante 40 dias até ao Horeb (1 Reis 19). A diferença é no entanto evidente: o pão que é Jesus é a) um pão de eternidade que aponta para um b) alimento espiritual e não corporal (como a Água na conversa com a Samaritana, por exemplo). São estas duas realidades que não são compreendidas pelos hebreus, porque entendem as palavras de Jesus do ponto de vista literal… não é no entanto esta a interpretação esperada: Jesus é MESMO o pão vivo que desce do céu… mas não literalmente… Ele é pão diferente daquele do qual nem só o homem vive; ele é o pão que faz subsistir todos os que acreditam nele, a partir do qual ninguém mais terá fome; e aqui, evidentemente, não estamos a falar de uma fome física nem de um pão físico. Mas isso não é fácil de compreender…
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O mesmo acontece com a carne e o sangue: a participação na Eucaristia é participação no corpo de CRISTO RESSUSCITADO, onde a carne e o sangue, do ponto de vista puramente humano não fazem muito sentido: estamos a falar de um corpo e de um sangue de eternidade; autêntico alimento espiritual; não de um qualquer símbolo mas de um corpo verdadeiro, mas não físico no sentido estrito e ‘moderno’ do termo; se quiserem, um ‘corpo glorioso’. O corpo de Cristo ressuscitado não será o corpo humano, físico, como o de qualquer um de nós, tout court; no entanto, esta Carne e este Sangue são o que melhor designa tudo o que Jesus É, no seu CORPO e na sua VIDA… Comer, mastigar este corpo significa, como lembrou o Alef, muito mais do que simplesmente um comer ou um mastigar físico; mas não deixa de ser menos real por isso!!!! É porventura ainda mais real: é eu tornar-me um com aquele/aquilo que como, que entra em mim e passa a fazer parte de mim... que é totalmente assimilado por mim… E esta parte do ‘processo eucarístico’ não é menor, como o Aristarco procura mostrar: na Eucaristia não é apenas a oferta/o pão descido do céu que é relevante: o comer é algo necessário. É que nós próprios, ao comermos realmente o corpo de Cristo Ressuscitado, ao assimilarmos em nós a sua carne estamos a ser chamados a nos tornarmos Eucaristia com Cristo e só nesse momento é que a Eucaristia será de algum modo completada, o que mostra que também aí a Eucaristia depende do homem (antes de mais de um sacerdote), e por isso também de cada um de nós para podermos completar plenamente todo o seu significado…
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De facto, por um lado não é a nossa fé que faz a Eucaristia (nem sei se me consigo explicar) – a presença real de Cristo na Eucaristia existe/acontece independentemente da fé de quem a ‘vê’, por exemplo numa custódia ou numa missa (por exemplo, se a missa fosse celebrada perante um conjunto de ateus, não deixaria de ‘acontecer’ realmente Corpo e Sangue de Jesus); mas é pela nossa fé que ela se torna plenamente o que ela é – comunhão, presença junto do homem e de Deus e para o homem e para Deus… de outro modo seria praticamente vã a sua realidade, que se alicerça no Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo. Se a Eucaristia existe independentemente da fé de quem a ‘vê’, só se completa na fé de quem nela coloca a sua esperança e que a transporta para a sua vida, para a comunhão que na sua vida se constrói com Deus e com o Outro… Nesse sentido, a Eucaristia torna-se ela mesma REALIDADE da comunhão que Deus – que se entrega todo (i.e. a sua Carne e o seu Sangue) – procura (sem impor) com o Homem e ao mesmo tempo constitui uma espécie de convite permanente à oferta que o Homem é chamado a fazer de si mesmo como oferenda aos outros e à vida com Deus: e nesse sentido somos também chamados a entregarmos realmente o nosso corpo e o nosso sangue aos outros, como Cristo…


12. PROBLEMAS DE LINGUAGEM: «TRANSUBSTANCIAÇÃO» E A POSSIBILIDADE DE TERMOS ALTERNATIVOS


Dizia ao Pedro B:

Citação:
Há questões complexas, como o problema da terminologia “transubstanciação”, que está “datada” (filosofia-teologia aristotélico-tomista, onde o termo “substância” era fundamental, ao contrário de hoje, onde “substância” nada significa na filosofia contemporânea) e de possíveis alternativas ([trans-finalização,] trans-significação, trans-presença, etc., etc...).

Note-se, porém, como lembrava o Miguel (e o Epafras também discutiu a questão comigo noutro lugar), Paulo VI rejeitou estes conceitos alternativos. Contudo, note-se que o núcleo do «dogma» não é a palavra em si mesma, mas o que ela significa. Reveja-se o texto do Concílio de Trento. O centro do dogma está na presença real, de que a palavra «transubstanciação» se considera (no Concílio) um termo muito apropriado.


13. OUTRAS QUESTÕES: QUE CORPO COMUNGARAM OS APÓSTOLOS, QUE CORPO COMUNGAMOS NÓS?


A Andreia colocava outra objecção:

Citação:
Não falou nada sobre Jesus estar dando um pedaço de seu corpo para os seus discípulos estando ainda em vida, antes de seu sacrifício de sua morte... ou seja, se duplicando naquele momento... o que tem a dizer?

Respondi então:

Citação:
[…] Quando Jesus diz "comei", não implica que Ele coma desse pão. Só poderias afirmar o que afirmas se estivesse escrito "Comamos e bebamos todos..." O pior é que insistes na objecção de uma forma muito incorrecta (a todos os níveis):
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[…] Jesus não deu bocados do seu corpo, deu o Seu Corpo, isto é, deu-Se totalmente, naquilo que Ele é, na Sua realidade de Verbo incarnado! Isso é difícil de entender? E entendemos como é que o Verbo de Deus "habitava" o Corpo físico de Jesus? Mas podemos dividir Jesus Cristo? Mas, já notaste que esta objecção não tem qualquer sentido? Bom, e a questão da duplicação nem merece comentário...
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Em segundo lugar, quando Jesus diz "ISTO É o Meu CORPO" (nota em TODAS as palavras), não diz isto como quem diz "vejam como está lindo o dia"). São palavras muito especiais, que de alguma forma fazem convergir, em termos de solenidade, todo o evangelho. De tal forma que este é o texto mais antigo que se conhece do Novo Testamento, não dos evangelhos (que foram escritos mais tarde), mas de Paulo, em 1Cor 15.
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Em terceiro lugar, colocas uma questão interessante: "que corpo" estavam os discípulos a receber? A questão está bem colocada, mas mal formulada, porque supõe uma dualidade entre o corpo físico de Cristo e o corpo glorificado, esquecendo que é o mesmo corpo, já que Jesus é o mesmo. Ou terá mudado de corpo, como quem muda de fato-macaco? Não é por acaso que depois da ressurreição Jesus mostra aos discípulos as marcas dos cravos e o lado aberto. É o mesmo! Mas continua a pergunta básica: como podia Jesus realizar um gesto que não estava cumprido? Isto é, como podia Jesus "dar-Se" se ainda não "se tinha dado" na cruz? Para responder a esta questão, nada melhor que indicar o teólogo protestante que melhor conheço, ainda vivo, Wolfhart Pannenberg, que explica isto com a noção de "prolepse". O gesto de Jesus é proléptico, antecipatório, isto é, realiza SACRAMENTALMENTE aquilo que se passa na realidade, não exactamente num futuro, mas numa realidade que está em cumprimento, até à cruz. Porque o gesto da cruz é "apenas" o culminar da vida de Jesus que foi sempre uma dádiva pelos homens. Todos os gestos de Jesus foram um dar a vida (de que o sangue é a expressão e símbolo máximo, desde o Antigo Testamento).
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De resto, e na impossibilidade de escrever algo com mais tempo, importa sublinhar que o problema na discussão que aqui temos não é meramente bíblico, mas anterior, isto é, tem a ver com o modo como se usa a Bíblia. Tu tens na Bíblia o referente único, enquanto eu enquadro a Bíblia num quadro de referentes convergentes e complementares. Um desses referentes é a realidade histórica de que desde sempre os cristãos celebraram a Eucaristia e fizeram dela o centro da sua vida cristã, muito antes de terem uma Bíblia completa para usar. Outro desses referentes é que é à luz dessa prática que se podem compreender os textos que nos falam da Eucaristia. Se a Eucaristia não tivesse o papel que tinha não se compreenderia a razão pela qual João, por um lado, dê tanto espaço ao discurso do Pão da Vida e, por outro, que depois omita o relato da instituição da Eucaristia.

Noutro «post» dizia eu ao Pedro B:

Citação:
A presença de Cristo no pão e no vinho consagrados é a presença do Corpo glorioso, ressuscitado de Cristo. Creio que este “argumento” tão simples ajuda alguns a vencer resistências de tipo “positivismo ingénuo” ou anticatolicismo militante. Cristo ressuscitado não está sujeito às condições do espaço e do tempo, pelo que entra no Cenáculo com as portas fechadas e faz-se presente no gesto que ele mesmo instituiu e mandou que fosse repetido. Por isso, todas essas acusações gratuitas de que os cristãos se crêem canibais, etc., são meras caricaturas...

E, no mesmo sentido, escrevi ao João Oliveira:

Citação:
[…] é bom que nos apartemos de ideias fisicistas quanto ao tipo de presença de Cristo na Eucaristia, que muitas vezes levam à necessidade de grandes piruetas. Talvez ajude presente que a presença de que tratamos é a de Cristo ressuscitado. O modo como às vezes se realçou a Eucaristia como sacrifício (que o é, mas não só!) e os muitos exemplos de “milagres eucarísticos” parece ter esquecido este «pequeno» pormenor...
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Oops, mas agora surge-me uma questão: se a presença de Cristo na Eucaristia é a presença do Ressuscitado, podemos falar de uma presença física?


14. OUTROS LUGARES DE DISCUSSÃO


Creio ter também bastante interesse a discussão com o Epafras, firefox e outros sobre estes temas, no tópico «O que fazer para seguir Jesus?»


15. MILAGRES EUCARÍSTICOS


É um tema nada fácil. A Cassima colocou a questão, tema a que me referi noutros lugares, por exemplo, quando escrevi:

Citação:
A «prova dos «milagres eucarísticos». E a insistência nos «milagres eucarísticos», que muitos querem ver como «prova» da Ressurreição (!) e da presença eucarística, a meu ver, provoca mais problemas que ajuda, mas não vou entrar muito por aqui. Mas não resisto a perguntar (ai, que é desta que me excomungam...):
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a) Pode uma parte do corpo físico ser prova de uma realidade transfísica ou metafísica?
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b) Se em Lanciano temos o Corpo e Sangue de Cristo, das duas, uma:
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ba) ou aquilo é real e então essa parte do Corpo de Cristo não tem as características (ou «dotes») que o Catecismo de S. Pio X indica do Corpo Glorioso (neste caso teríamos algo do Corpo de Cristo não ressuscitado);
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bb) Ou aquilo não é o Corpo de Cristo e então será outra coisa...
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[Atenção: com isto não estou necessariamente a negar o «milagre de Lanciano», mas indicar que a argumentação de tipo apologético que se faz, como no artigo que por aqui foi indicado traz mais dificuldades teológicas que ajudas... Há que ler esta realidade necessariamente de outro modo. Nenhuma teologia séria usa o milagre de Lanciano ou outro para «provar» a presença de Jesus Cristo nas espécies consagradas!]


16. «Mais», do «Corpo de Cristo»


E não resisto a repetir o final de uma mensagem minha:

Citação:
«Mais», do «Corpo de Cristo». Para terminar, deixo aqui um belíssimo texto de S. João Crisóstomo que sublinha de um modo magnífico esta ligação horizontal e vertical, tão evangélica. Leiam, copiem, meditem, imprimam, coloquem em sítios onde o possam reler:
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Citação:
«Quereis verdadeiramente prestar homenagem ao Corpo de Cristo? Então não O descuideis quando está nu. Ao mesmo tempo que O honrais aqui nesta Igreja com tapeçarias feitas de seda, não O ignoreis fora quando está a morrer de frio e nudez. Porque Aquele que disse 'Isto é o meu Corpo...' disse também 'Quando tive fome não Me destes de beber...' Que sentido tem que a vossa mesa esteja cheia de cálices de ouro, enquanto Ele mesmo está a morrer de fome?... A conclusão é esta: Não negligencieis o vosso irmão enquanto decorais a sua casa. O vosso irmão é mais o templo de Cristo que qualquer igreja».
(In Mt. hom. 50,4)



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