O que é o Advento
Emmir Nogueira (Comunidade Shalom)
Finalidade e espírito deste tempo - Enquanto que o Tempo pascal e da
Quaresma, a celebração do Natal do Senhor e da Epifania são comuns a
todos os ritos, o Tempo do Advento é próprio do Ocidente. Foi
instituído para que os fiéis se preparassem para a celebração do
Natal, mas em pouco tempo adquiriu também um significado
escatológico: de fato, recorda a dupla vinda do Senhor, isto é, a
vinda entre os homens e a vinda no final dos tempos." (1)
O tempo do Advento tem a duração de quatro semanas e não é mais
considerado somente como tempo de penitência; ao contrário, é tempo
de alegre expectativa.
No tempo do Advento omite-se o "Glória" nas celebrações litúrgicas,
mas por razões diferentes da omissão do mesmo no tempo da Quaresma: é para que este hino angélico ressoe no Natal como um cântico novo.
Nas duas primeiras semanas do Advento, a liturgia expressa o aspecto
escatológico do Advento, colocando nos corações a alegre expectativa
pela segunda vinda de Cristo. Nas semanas seguintes, a Igreja nos
prepara diretamente para a celebração do Natal do Senhor.
"Aplainai as Suas Veredas" (Is 40, 3)
"Traçai o caminho do Senhor, aplanai as suas veredas", diz o
Evangelho segundo Marcos logo no seu início, remetendo-nos a Isaías
40, 3:
"Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai reta na estepe uma
pista para nosso Deus. Que todo vale seja aterrado, que toda montanha
e colina sejam abaixadas, que os cimos sejam aplanados, que as
escarpas sejam niveladas!"
Consultei um engenheiro sobre como se faria este trabalho hoje em dia
e, no que pude entender de sua linguagem técnica, o trabalho
funcionaria mais ou menos assim:
- Primeiramente, contrata-se um topógrafo que mede e traça as curvas
de nível do terreno a ser aplanado:
- Em seguida, determina-se qual o nível que se deseja fazer a
terraplanagem;
- Daí, contrata-se retro-escavadeiras para escavar as colinas,
tratores de estreira e pás-carregadeiras para pôr abaixo os cimos e
montanhas, e, se necessário, técnicos em demolições com dinamites
para implodir as escarpas de pedra;
- Quanto aos vales, é preciso contratar-se caminhões, mandaus e
tratores para preenchê-los com o tipo de terra adequado e nivelá-la
segundo o que foi preestabelecido.
Este é o nosso processo moderno de aplanar cimos, nivelar escarpar e
preencher vales. Como é que ele funcionaria em termos de
terraplanagem do coração para preparar o caminho ao Senhor que vem?
- Primeiramente, contratemos um bom topógrafo que coloque bem claro
para nós quais são os cimos de nosso orgulho e os vales de nosso
vazio de Deus. O Espírito Santo, que nos revela a verdade, que nos
esclarece acerca do pecado e da justiça, precisa ser nosso topógrafo.
Em nosso complacente olhar humano, tendemos a nivelar nossa alma como
algo vago que está "na medida". Porém, quando examinamos a nossa alma
à luz do Espírito, com toda coragem que a verdade requer, como são
profundos os nossos vales de fechamento em nós próprios e de apegos a
nós mesmos, a tanta coisas, opiniões e pessoas, e como é árido o
nosso deserto sedento de Deus!
- Depois, precisamos da coragem de contratar as regras ocasionadoras
da humilhação e determinar ao topógrafo que faça a terraplanagem no
nível mais baixo possível, pois assim, faz o Nosso Senhor que se
humilhou, tornando-se homem e morrendo a morte de cruz. Quanto às
dinamites, precisamos cuidar para que sejam colocadas as da verdade,
na profundidade que atinge a espada da Palavra e na potência do poder
da ressurreição, que confirma a graça da Salvação. Não há coração
altivo de pedra que este tipo de dinamite não imploda.
- Quanto aos vales do fechamento e do apego, estes necessitam das
provisões dos celeiros do Amado dos Cantares, cujo olhar prende os
olhos da alma, cujo estandarte é a caridade que nunca olha para si.
Seria loucura pretendermos preencher os vales com a terra tirada dos
cimos e as pedras das escarpas. O nível seria alto demais. Somente o
nível do amor esponsal conhece o altíssimo abaixamento do abraço à
cruz do Amado.
O Espírito, a humilhação a verdade, a Palavra, o poder da
Ressurreição, o Amor Esponsal, a Caridade: esta é a maquinária
necessária para aplanar o caminho para o Senhor que vem.
Em seu lugar, os tratores e caminhões a postos, os topógrafos
contratados. Tudo providenciado! No entanto, tudo imóvel! Faltam-nos
ainda a oração e a penitência que abrem espaço para o Espírito, que o
atraem, que nos fazem sedentos de abraçar a humilhação para adquirir
a humildade. Faltam-nos a oração e o jejum que treinam nossa alma
para acolher e reagir à verdade, que fazem a Palavra viva, que
adestram nossa alma para a caridade e nos identificam com o Amado, na
morte e na ressurreição.
Com todo o canteiro de obras montado, cabe a oração, jejum e
penitência, o papel de nos adestrar pela disciplina, pelo auto
conhecimento, pela renúncia. Ótimo! Feito isso, tudo está feito. Está
preparado o caminho para o Senhor!
Observe mais atentamente: as máquinas andam ainda empurradas,
rangendo, sem óleo e, a permanecerem assim, logo logo se desgastarão
e desistirão da obra antes que o Senhor venha. Falta-nos a graça. Não
há esforço humano que, por si só viva a caridade, a humildade, o amor
esponsal. Não há raciocínio humano que chegue à verdade e compreenda
a Palavra sem a graça. Não há voluntarismo ou sensação humana que
sustentem a oração verdadeira, sem o auxílio da graça.
Peçamos, então, a Deus, a graça e, finalmente, veremos que nosso
canteiro de obras vai muito bem! As máquinas oleadas pela graça,
mantidas pela oração e penitência vão fazendo seu trabalho de
escavação e terraplanagem. Teremos um bom Advento, e o Senhor virá ao
nosso coração devidamente plano pelo nossos sim e correspondência à
graça de Deus!
Parabéns! É um grande esforço! Porém, olhe para os pés que pisarão a
estrada. Ela deve adequar-se a eles. Foi perguntado a estes pés que
tipo de estrada melhor lhes convinha? Veja bem, é um caminho aplanado
para eles. Olhe-os atentamente: estão descalços, são pequeninos,
frágeis, recobertos da pelezinha fina e enrugada de um bebê. Caminhos
largos os deixarão perdidos. Caminhos suntuosos os deixarão pouco à
vontade. Caminhos longos cansarão este pezitos divinos, mas humanos.
Caminhos expostos à ventania lhe causarão frio...
Os pezinhos do Senhor que vem precisam do caminho cálido de uma alma
que tenha dito "sim" como Maria, da vereda acolhedora da alma que
cumpre a vontade de Deus sem hesitar; precisam da via estreita da
alma experimentada na cruz; da rota macia da alma desapegada de toda
honra da terra. Precisam do caminho breve da alma que confia na
Providência e vive a cada dia o seu cuidado; da estrada simples da
alma provada que encontrou a paz do abandono em Deus.
Estes pezitos são a única razão de nosso trabalho de terraplanagem. A
razão de tanto trabalho não é ter uma bela pista para oferecer ao
Senhor. Isto seria tanto orgulho que os pezinhos não reconheceriam
nosso "elevado" caminho. Nosso trabalho de construir veredas retas,
de derrubar os cimos, de escavar com tanta dor nossas montanhas de
seguranças humanas, tem somente uma razão: acolher estes pezitos,
adorá-los, beijá-los, em gratidão por terem-se dignado a trilhar os
caminhos do nosso coração de homem.
Feito isso, temos um caminho com escavações por toda parte, com
trechos da estrada adequados, mas interrompidos por pedregulhos e
desvios, com montes de terra das colinas e escarpas misturados com
outros tirados dos celeiros do Amado. Teremos o barulho das explosões
de dinamite e o baque surdo da altivez caindo no abismo; teremos o
silêncio estéril das escarpas e o canto fértil do louvor. Teremos
enfim, uma brutal confusão de luz e trevas, silêncio e ruído,
escavações e nivelamento... até que, conduzidos pelo bordão da
Fidelidade Casta e envolvidos no Manto da Humildade Casta e Fértil,
dois pezinhos pisem o primeiro pedacinho da estrada que construímos.
Aí então, os pezitos do Emanuel completarão a obra. Beijados por
nossos lábios gratos, que neles experimentaram a pele do bebê, a
poeira dos caminhos, o sangue da cruz e o brilho das cicatrizes dos
cravos, estes pezitos, cujo Advento preparamos, traçarão em nosso
coração e a cada passo, o seu amoroso caminho de paz. Então, como
continua Isaías, "a glória do Senhor manifestar-se-á e todas as
criaturas juntas apreciarão o seu esplendor."
(1) Cristo, Festa da Igreja, Augusto Bergamini, pp 176,177
Versão web das leituras: [
br.groups.yahoo.com]