«Eppure si muove...»
Alef
Missa com Concertinas Conquistou Centenas de Fiéis
A igreja de Vila Nova de Anha, em Viana do Castelo, foi pequena para acolher os fiéis que, anteontem, quiseram assistir a uma missa diferente, animada por concertinas e cantares ao desafio. Durante mais de uma hora, sonoridades típicas dos arraiais ecoaram no templo apinhado de gente, dando o mote aos cantadores ao desafio, que trocaram as letras brejeiras por orações e por ensinamentos de catequese. Foi a sexta vez que a freguesia viveu tal acontecimento com o beneplácito do pároco Alípio Lima, que defende que, na sua igreja, "não interessa o instrumento que é tocado, seja órgão ou concertina, violas ou violinos, o que interessa é louvar a Deus".
A missa celebrada nestes moldes transcende as orientações ditadas pelo bispo da diocese de Viana, D. José Augusto Pedreira, que outras vezes terá vedado aos tocadores a hipótese de animar eucaristias na cidade de Viana, por entender que a concertina "se trata de um instrumento profano". Centenas de pessoas, entre as quais Quim Barreiros, um dos mais conhecidos tocadores de concertina e de acordeão do panorama musical português, e o presidente da Região de Turismo do Alto Minho (RTAM), Francisco Sampaio, acotovelaram-se nos bancos da igreja de Vila Nova de Anha no passado sábado, para assistir à missa das 18h00. Inserida no programa do VII Encontro de Tocadores de Concertina e Cantares ao Desafio da freguesia, a celebração prima pela inovação, não só devido à presença das concertinas, mas também porque, no altar, junto ao pároco, está instalada uma tela onde vão sendo projectados os dizeres sagrados. Cerca de uma dezena de tocadores e cantadores, homens e mulheres, desfiaram cânticos litúrgicos, ajudados por um violão e o tradicional órgão. É "um momento intenso e de notável liberdade", descreve o pároco.
Na sua habitual alocução, Alípio Lima, padre da freguesia e docente de Psicologia na Universidade Católica, provocou um discreto sorriso nos paroquianos ao referir que "há pessoas que hoje não vieram porque só gostam do órgão, mas há tantos outros que, humildemente, não costumam vir e hoje vieram porque gostam da missa das concertinas". "É nesta diversidade de opiniões e nesta liberdade, que tanto custou a conquistar, que devemos viver. Portanto, deixemos que os que não gostam não gostem, e os que gostam saboreiem", refere, acrescentando ainda, a propósito da utilização de concertinas na missa de Vila Nova de Anha, que "para louvar a Deus nunca foi preciso pedir licença a ninguém". E, mais tarde, na altura de dar a missa por encerrada, concluiu: "Se as concertinas arrastam pessoas para a igreja, então vinde cá todas as semanas tocar".
Pai Nosso em tom de desagarrada
Augusto Canário, tocador da freguesia, coordena a animação da missa. Ele próprio entoa o Pai Nosso em tom de "desgarrada". Ao PÚBLICO, explica depois que, numa missa deste tipo, o toque das concertinas enquadra não só os cânticos litúrgicos habitualmente cantados pelo coro da igreja - "o Salmo, o Canto, o Aleluia, etc..." -, mas também "outros textos, que foram escritos previamente de acordo com o tempo litúrgico". "São temas que fazem parte da catequese e que eram cantados antigamente por cantadores, que utilizavam esta forma de expressão (cantares ao desafio) para os debater. Nós queremos, no fundo, repor isso", refere.
Quim Barreiros, que assistiu à inédita celebração, sentado num dos bancos da frente da igreja de Vila Nova de Anha, confessa que não tem por costume ir à missa, mas que àquela "não podia faltar". O conhecido artista popular entende que este tipo de iniciativa pode funcionar como chamariz de fiéis e aconselha mesmo "os senhores abades das nossas terras" a "fomentar estas missas com acompanhamento de instrumentos típicos portugueses". É que o cantor - a quem o padre Alípio Lima confessou, rindo, que não é apreciador das letras das suas músicas - é de opinião de que, "se houvesse mais missas deste género, tenho a certeza que o povo ia mais vezes à missa". "É muito bonito. Nós é que não temos esse hábito", afirmou, lembrando que, "já para aí há 30 anos, os espectáculos que fazia na América e no Canadá para a emigração eram dados no salão da igreja. Acabava a missa e, era só correr um pano, e começava eu a cantar e os portugueses a dançar."
Por ANA PEIXOTO FERNANDES
Fonte: «
Público», Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2005
Ausentes Têm Falha "Cultural Grave"
Visivelmente satisfeito com a enchente na sua igreja, o padre Aníbal Lima comentou no final da missa que considera que "tem uma debilidade cultural grave a pessoa que ainda não participou numa missa de concertinas". Sobre eventuais orientações pastorais no sentido de serem proibidas tais manifestações, respondeu: "Nunca fui chamado a atenção e se for é tempo perdido". "Acho que quem não veio participar numa celebração destas não pode emitir opinião, porque primeiro vê-se e depois é que se fala", comentou.
Fonte: «
Público», Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2005