Outro artigo, na sequência do "A Bília come-se" (na página seguinte) no
Público.
As provocações de Jesus à mesa
17.11.2007
Investigadores defendem que a forma como Jesus se comportava nas refeições foi uma das razões que o levou à morte
Um provocador à mesa, este Jesus. Terá a mesa, por isso, algo a ver com a sua morte? Ultimamente, alguma investigação histórica e teológica à volta de Cristo aponta para essa relação. O teólogo e padre franciscano Robert Karris, citado por José Tolentino Mendonça no prefácio de A Bíblia Contada pelos Sabores, é um dos que segue essa via. Jesus foi crucificado pela forma como comia, sugere Karris a partir do Evangelho de Lucas. Não está em questão aquilo que Jesus comia, mas a forma como ele vivia os momentos de refeição aí contados. "Os banquetes com os fariseus representam, no caminho de Jesus, não uma experiência de encontro, mas de confronto", escreve Tolentino Mendonça. Na obra Luke: Artist and Theologian, Karris cita 40 passagens do Evangelho de Lucas em que a refeição ou a comida são o tema principal. Não pela comida em si, mas porque ela revela directamente o que está em causa em relação à justiça e à salvação. É isso que leva o teólogo americano a escrever: "Jesus foi crucificado pela forma como comia. Os líderes religiosos não podiam tolerar este profeta das boas notícias para os pobres que não apenas pela palavra, mas especialmente nas refeições, criticava o modo de vida" desses líderes. Essas refeições são uma "parábola em acto da justiça de Deus", acrescenta.
Tolentino Mendonça resume algumas das questões que surgem dessas refeições de Jesus: ele é um "hóspede inconveniente"; defende que, "quando se dá uma festa, em vez de convidar os amigos, os irmãos, os vizinhos ricos, se deva chamar os "pobres, estropiados, coxos e cegos""; o problema não estava no que Jesus comia ou bebia, mas no facto de ele comer "de qualquer maneira e com toda a espécie de pessoas, fazendo da cozinha e da mesa um encontro para lá das fronteiras que a Lei estabelecia".
Outro biblista, E. P. Sanders (autor de A Verdadeira História de Jesus, ed. Notícias) diz, a propósito, ser um erro pensar que Jesus "teve a oposição das autoridades judaicas devido à sua relação com a gente comum ou com camadas mais desfavorecidas do seu povo". As críticas a Jesus não são porque ele cura, mas porque cura ao sábado, dia santificado.
A experiência da misericórdia de Deus é prefigurada na comensalidade de Jesus, diz Tolentino Mendonça. E a insistência num "dom de misericórdia divina sem condicionalismos prévios, é tão inédita que soa a escandalosa". Joachim Jeremias, importante biblista contemporâneo, acrescenta que as refeições de Jesus narradas nos Evangelhos servem de pretexto para os adversários o censurarem por se sentar com pecadores ou cobradores de impostos. Por isso, conclui, as refeições descritas são "a mais significativa expressão do amor redentor de Deus".
António Marujo
Editado 1 vezes. Última edição em 21/11/2007 10:15 por Cassima.