Li com tristeza algumas colocações aqui sobre a Teologia da Libertação e, mais especificamente, sobre a pessoa do Leonardo Boff. Quanto à teologia da libertação, acharia até desnecessário comentar, pois ela não precisa de advogado, somente um cristão que não sabe do que se trata o assunto poderia condená-la, e mais a frente explico o porquê. Não seria exagero dizer que a Doutrina Social da Igreja é profundamente devedora da teologia da libertação. Já a pessoa do Leonardo Boff é algo bem mais complexo analisar, mas não é tão difícil entender o drama desse missionário e cristão. Farei um resumo, quem se interessar pelo assunto encontrará diversos links, mas um ótimo site de referência para conhecer a teologia da libertacao é o www.servicioskoinonia.org que já indiquei aqui mais de uma vez.
A teologia da libertação: o que é?
Para entender o nascimento da teologia da libertação (TL) é preciso conhecer um pouco do contexto social e histórico da América Latina. Havia, e ainda há, uma péssima distribuição de renda, uma das piores do mundo, o que gera uma leva de miseráveis convivendo ao lado de uma minoria rica. Estudos indicam que a distribuição de renda é tão ruim que 98% das riquezas desses países se encontram nas mãos de cerca de 5% da população. Some a esse quadro a posição da igreja, associada às classes mais ricas. Parece já bastante ruim, mas o quadro ainda é pior: o trabalho é mal remunerado, os salários são baixos, e não existe nenhuma perspectiva de melhora. Sindicatos são controlados por "coronéis", como são conhecidos os grandes latifundiários. Não é errado dizer, e é isso que acontece muitas vezes, que existe o trabalho escravo, porque o salário mal dá para pagar a casa e a comida, que são fornecidas pelos "patrões". Um trabalhador assalariado, depois de um mês de trabalho, ao receber seu soldo e pagar as dívidas descobre que ficou devendo ao patrão. Estamos na década de '60. Essa foi a realidade que os muitos missionários católicos que trabalhavam com as classes mais pobres encontraram, o Leonardo Boff entre eles.
Ao contrário do que foi apresentado antes aqui por alguns críticos de primeira hora, a TL não nasceu do marxismo. A TL surgiu de uma leitura da Biblia, mais especificamente do livro do Exodo, onde esses missionários se apoiaram para começar a pregar um Deus Libertador dos pobres, aquele que rompe as cadeias da escravidão e traz a vida, aquele que liberta da escravidão do Egito e conduz para a terra prometida. Segundo os teólogos da TL, na América Latina não é Moisés que vem libertar, hoje o Libertador, o Messias esperado, é o Cristo. Foi dessa leitura que eles começaram entao a pregar uma igreja libertadora, a "terra prometida".
Nesse contexto, tomando elementos do marxismo, começam a organizar os trabalhadores para lutar por seus direitos. Nesse momento ainda não se fala ainda de "luta de classes", o tom da pregação era
"Não existe eucaristia onde não existe justiça", "Javé é o Deus dos pobres", Cristo está onde está alguém que sofre, que passa necessidade.
Que cristão poderia negar isso? Pois esse é o berço da TL! Por que então essa teologia assustou o Vaticano?
Nuvens no horizonte:
a) Por fidelidade a essa pregação, os teólogos da TL passaram a questionar então a posição da igreja católica, associada às classes dominantes. Não se tratava somente da riqueza da igreja, tratava-se tb do seu modo de agir. O discurso da igreja servia bem aos interesses das classes abastadas, qdo um pobre se queixava de sua miséria era comum ouvir o discurso de que aquela era a cruz que cabia a ele carregar, que Deus sabe o que faz, que o pobre será recompensado no céu etc. Esse tipo de discurso passou a causar calafrio nos teólogos da TL pq conheciam de perto a realidade daqueles pobres. Nesse momento, buscando um modo de agir condizente com a msg, passaram a tomar elementos do marxismo. Passaram a organizar os trabalhadores, a pregar o Deus que liberta hoje, o Deus Libertador que está aqui agora, ontem, hoje e sempre, e que mostra os caminhos de libertação para que nenhum filho seu passe fome ou necessidade. "Eucaristia exige justiça". Aqui não se fala de violência, o discurso é pela união, organização, reinvidicação, resistência pacífica, greves, etc.
b) Para a igreja ser a terra da liberdade, tem que haver liberdade na sociedade mas tem que haver liberdade tb dentro da própria igreja, ou será um discurso hipócrita.
Essa foi nota que assustou ao Vaticano! Estamos aqui nas décadas de '60 e '70.
c) Diante das resistências da igreja, e principalmente pelas perseguições dos "coronéis" (a igreja da america latina teve vários mártires nesse período), o discurso começou a se radicalizar. A partir desse momento se pode falar de diversos ramos da TL, uns mais e outros menos radicais, uns mais ligados à raiz bíblica do movimento, outros mais influenciados pelos elementos tomados do marxismo.
d) Leonardo Boff, um dos grandes teólogos representantes da TL escreve o livro "Igreja: carisma e poder". Um livro "bomba" que critíca o comodismo da igreja católica e seu descompromisso com a causa da libertação dos pobres, propondo uma nova forma de eclesiologia participativa. Esse foi o livro pelo qual foi condenado. Uma das críticas que se ouviu posteriormente foi: "Tudo era permitido, menos tocar na estrutura de poder da igreja".
Como reagiu o Vaticano?
Para entender isso, nada melhor que ler uma entrevista com o proprio Leonardo Boff:
“O Papa confundiu o mundo com Roma e Roma com a Polônia”
E a igreja católica na américa latina de hoje?
Hoje a TL ainda é uma corrente muito forte na américa latina, mas não tanto qto anos atrás; hoje a TL tb divide espaço com diversos outros movimentos católicos nascidos do Vaticano II, muitas vezes inspirados em outras correntes teológicas. A herança da TL, contudo, permanece bem forte, de modo que é difícil encontrar algum movimento católico hj que não esteja preocupado com a reforma social e a "escolha preferencial pelos pobres". Sem dúvida esse é o grande legado da TL.
Espero ter colaborado para dar uma visão do que foi e do que é hoje a TL.
Paz e Bem.