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Viver com Deus
2001-10-13 23:37:46

Em Fátima, D. José Policarpo alerta:
"Se os muçulmanos radicais misturam demasiadamente Deus nas suas guerras, aceitando a violência para defender a religião e promover a justiça, a civilização Ocidental afastou Deus da história, como se o futuro do mundo dependesse apenas do homem e do seu poder."


1. Nesta peregrinação somos convidados a meditar sobre Deus: “Deus é Espírito e aqueles que O adoram devem adorá-Lo em espírito e verdade”. Os dramáticos acontecimentos que o mundo tem estado a viver nas últimas semanas, trouxeram às primeiras páginas da grande informação a invocação de Deus. Ouvimos multidões exaltadas de praticantes de uma das religiões monoteístas, falarem de um Deus guerreiro, justiceiro e vingador. Vimos, por outro lado, o Ocidente, tantas vezes, como sabemos, afastado da fé em Deus, numa cultura que construiu fechada sobre o homem, orgulhoso da sua civilização, confiante no seu poder, poder da riqueza, da ciência e da técnica, a ser identificado com a civilização cristã. Se os muçulmanos radicais misturam demasiadamente Deus nas suas guerras, aceitando a violência para defender a religião e promover a justiça, a civilização Ocidental afastou Deus da história, como se o futuro do mundo dependesse apenas do homem e do seu poder.
Mas neste momento dramático, os homens de coração recto não podem deixar de pôr-se a questão: onde está o Deus verdadeiro? Quem é, afinal, Deus? Como se torna Ele presente na nossa vida?

2. Deus é Espírito. A leitura dos Actos dos Apóstolos mostra-nos os Apóstolos de Jesus, com Maria no meio deles, em oração, à espera do Deus Espírito Santo, que manifesta toda a força do Deus amor. E se Ele é amor, ama e quer ser amado, manifesta o Seu poder nessa intimidade amorosa, revela-Se porque se desvela.
A revelação cristã não se limita a dizer-nos quem Deus é; põe Deus a acontecer nas nossas vidas, Ele torna-se a nossa salvação. O nosso Deus é omnipotente, mas Ele não exerce o Seu poder, como um demiurgo solitário que o usa a seu belo prazer. É no seio de uma relação connosco, que abandonando-nos confiadamente a Ele, permitimos que Ele, porque nos ama, seja poderoso. Deus acontece na vida dos crentes que, pondo em Deus a sua esperança, são amados por Ele. Deus acontece quando rezamos, quando O amamos e nos amamos, quando celebramos; quando nos perdoa, nos revigora, nos ilumina e nos renova.
O dom do Espírito Santo, esperado em adoração pelos Apóstolos, com Maria, não foi uma definição do Deus Espírito, foi Deus a acontecer, na vida dos homens, podendo, depois da Páscoa de Jesus, amar-nos como se ama a Si Mesmo, na comunhão trinitária e ensinar-nos a amá-Lo como Ele nos ama. Tal como na encarnação do Verbo, o Pentecostes foi Deus a acontecer nas nossas vidas e na nossa história.

3. Adorar a Deus em espírito e verdade é deixar Deus acontecer na intimidade de uma relação confiante e abandonada, na simplicidade da nossa fé, na coerência da nossa fidelidade. É reagir a Deus no contexto de uma aliança pessoal, que desencadeia em nós todos os sintomas do amor: o desejo do encontro, a entrega generosa e confiante, a aceitação da sua Palavra como projecto para nós, a alegria da comunhão.
O Evangelho da anunciação mostra-nos essa experiência de Deus em Maria, que O adorou porque se abandonou. Não é um discurso, mas um encontro. A presença de Deus aconteceu, porque Maria lhe respondeu com todas as capacidades do seu coração. O Deus amado é mais vivo que o Deus apenas conhecido.
O mensageiro divino encontra, certamente, Maria em oração, e manifesta-lhe o amor que Deus lhe tem: “Achaste graça diante de Deus”, ou seja, Deus está encantado contigo e por isso está em ti. Amada por Deus, Maria sente-se introduzida na intimidade do amor das Pessoas divinas: o Espírito Santo envolvê-la-á e o Verbo eterno quer ser seu Filho. Ela agora escuta a Sua Palavra, não a partir do mundo, mas a partir do coração de Deus. Jesus, o seu Filho, dará testemunho dessa mesma experiência quando diz aos discípulos: as palavras que vos digo, escutei-as junto do Pai.
Quando a Palavra é escutada a partir do coração de Deus, a resposta só pode ser o abandono confiante de amor: “faça-se em mim segundo a Tua palavra”. Esta é a mais verdadeira adoração de Deus: os que escutam a Palavra de Deus e a seguem, passando-a à prática, permitindo que ela se faça carne, na carne das suas vidas.

4. É por isso que Nossa Senhora tem um papel tão decisivo na vida da Igreja. Ela é para nós o sinal de que Deus só se pode adorar na verdade da nossa vida e na ternura do nosso coração; que todos os discursos sobre Deus são estéreis se Deus não acontecer numa relação de amor, do amor que nos salva porque nos faz nascer de novo.
Num mundo enlouquecido no seu discurso sobre Deus, uns porque O consideram supérfluo, outros porque O reduzem à simples medida do homem não redimido, a Igreja, cada cristão, é chamada a dar testemunho do Deus vivo, do Deus que se pode manifestar surpreendentemente na vida de cada um de nós. Na Igreja Deus acontece sempre de novo, em novas manifestações do amor salvador. Acontece na Eucaristia, quando partilhamos na doação de um Filho, que sabendo que o maior desejo de Deus, Seu Pai, é a salvação dos homens, lhe oferece a vida por isso; acontece quando os cristãos, deixando cair resistências e defesas, escutam a Palavra de Jesus a partir do coração de Deus e aceitam que ela seja verdade nas suas vidas; Deus acontece no amor fraterno gratuito e generoso, acontece naqueles que, sentindo-se amados, decidem fazer sua a causa do Reino. Há na vida dos cristãos decisões que têm pouco a ver com a lógica do discurso humano: a virgindade voluntária como consagração de amor, a pobreza voluntariamente escolhida, o dom da própria vida até ao martírio. São atitudes incompreensíveis aos olhos do mundo, mas são momentos em que o Deus vivo se manifesta com a força do Seu amor; são momentos de adoração de Deus em espírito e verdade.
Sempre que Deus acontece na vida da Igreja e na vida de cada um de nós, Maria está lá, como esteve com os Apóstolos no Cenáculo. Não está como espectadora, mas como participante. No momento em que nos abrimos ao amor de um Deus que é Pai, ela ama-nos como Mãe. Ela é a Mãe do amor formoso; quando balbuciamos a nossa resposta de fidelidade, na timidez da nossa fraqueza, ela faz sua a nossa resposta e ensina-nos a dizer, em cada encontro com a Palavra de Deus: faça-se em mim, Senhor, segundo a Tua Palavra.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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