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O prazer de servir de graça a língua de Camões
2001-08-19 11:38:06

Sair do conforto de Lisboa para passar a viver em Timor, aos 61 anos, é uma acto heróico? Para Manuel Silva, ou melhor, para o Irmão Manuel, do instituto religioso dos Irmãos Maristas, não se trata nem de heroísmo, nem de aventura. É normal.

Foi assim, desta forma tão normal, tal como o seu andar, o falar, o comer ou o estar, que Manuel Silva respondeu a uma pergunta que para nós parecia complicada. "É normal porque o amor a Deus e ao próximo é o sentido último da existência. Perante esta atitude de vida, a consequência é só uma: disponibilidade para atear fogo à terra".

O que deseja a arder é o amor. E sopra nas labaredas sem pietismos ou caridadezinhas. Quando sai do quarto, leva consigo o seu próprio ser, com tudo o que acredita e sente, e, de acessórios, resmas de fotocópias com textos em português elementar para dar aos professores timorenses para que dominem mais cientificamente a língua de Camões. Trabalha dia a dia transmitindo saber, para que se transforme em pão nosso de cada dia de quem recebe.

Manuel Silva pertence à Congregação dos Irmãos Maristas, especialistas precisamente em pedagogia. A mudança para Timor, em Setembro, foi decidida tão rapidamente quanto é possível medir-se a velocidade de um ser disponível. Queimou os papéis amontoados ao longos dos anos, e meteu alguma roupa no saco. Em Darwin, esperava-o dois seus irmãos australianos e logo partiram os três para Timor, ficando instalados na cada diocesana de Baucau, o único hotel da cidade, onde ainda se encontram.

Casa própria, talvez tenham um dia mais tarde, mas, por agora, comem junto dos restantes hóspedes, fazem as suas orações na catedral, e, quando urge, realizam os seus encontros de planeamento de trabalho mesmo à mesa das refeições. Uma vida comunitária tão aberta que quem por ali passa, como foi o nosso caso, acaba por tomar parte nela. Viveram-se, na verdade, momentos muitos agradáveis com os irmãos Manuel, Michel e Marc.

O dia a dia do Irmão Manuel é, pois, ensinar a Língua Portuguesa a professores que depois a vão ensinar aos alunos nas escolas, quer do Estado, quer da Igreja.

Antes de iniciar as cursos faz entrevistas para separar os alunos em níveis crescentes de dificuldade, já que uns escrevem e falam melhor do que os outros. Algumas dessas conversas emocionam-no, especialmente quando as pessoas lhes dizem, com ternura, o quanto lamentam terem estado 24 anos proibidos de falar a língua de Camões. E se o faziam era às escondidas, e com medo.

Manuel Silva está em Timor também para, assim que for possível, criar uma escola de formação de formadores, de espírito marista. É esta a sua evangelização, pondo no trabalho tanto maior empenho quanto ele possa contagiar os valores em que acredita. Todos os dias reza o terço e são os mistérios dolorosos, desprovidos de intelectualismos, os que mais o faz sentir Timor. Afinal o povo ainda sofre, sem medicamentos, sem uma alimentação racional e com o que o mais o preocupa: a incerteza quanto ao futuro.

Nascido em Trás-os-Montes, o Irmão Manuel, com a juventude dos seus 61 anos, disponibilizou-se para atear o fogo - do amor. Quanto ganha? O prazer de servir, depositado em cheques de esperança. O segredo do negócio foi-lhe ensinado por uma freira: "ser um com cada um dos timorenses".

Fonte DN

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