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Por que não ler a Bíblia inteira no CCB?
2008-10-11 22:58:32

Uma composição musical em diferentes tons; graves, sensuais, afectivos, calorosos, teatrais, divertidos (como Benigni), solenes (como o Papa). A leitura é à imagem e semelhança do texto lido: quem já teve oportunidade de passar nestes dias pelo sítio na Internet da RAI, a televisão italiana (www.rai.tv/mpplaylive/0,,Livetv%5E17%5E134239,00.html), espreitando a maratona de leitura da Bíblia que desde domingo decorre em Roma, percebeu a multiplicidade de sentidos que atravessam aquele texto. E que, através dele, nos atravessam a nós e à nossa cultura.

Nesta recriação de sete dias, apenas se identifica o livro que está a ser lido, os rostos permanecem anónimos. Assim se vinca a centralidade do texto. E se afirma a igualdade radical de todas as pessoas, perante algo maior do que elas - na convicção de quem entendeu participar.

É um exercício de leitura, mas também (sobretudo?) um exercício de escuta. Quando as câmaras passam pelos rostos dos espectadores - sentados ou de pé - que estão na Basílica de Santa Cruz de Jerusalém, ou na rua, percebe-se a essencialidade que hoje reveste essa atitude simples da escuta, da atenção ao detalhe, da tranquilidade que o essencial permite, mesmo em tempos de crise.
A Bíblia, as suas histórias e tragédias, a sua poesia e as cartas, a sua literatura e simbólica, devem ser redescobertas como poço da cultura que nos forjou. E que nos alimenta. A arte e a música contemporâneas, a literatura e a poesia, o teatro, o cinema e a arquitectura continuam a beber nessa imensa cisterna que este texto jorra sem interrupções. Ao constituir-se como biblioteca, a Bíblia permite todos os territórios de leitura.

José Tolentino Mendonça escreve (A Leitura Infinita, ed. Assírio & Alvim), a propósito das interpretações estéticas da Bíblia: "Não estará simplesmente, para usar uma expressão de Paul Claudel, a considerar-se a Bíblia 'um imenso vocabulário', uma espécie de mina de recursos plásticos e semânticos, disponível para uso público?"
O que hoje termina em Roma pode ser inspirador: por que não, em Portugal, uma iniciativa semelhante? Foi possível, em 2004, a Sociedade Bíblica colocar 100 mil portugueses a copiar à mão o texto bíblico, com A Bíblia Manuscrita. Não será difícil que alguém organize entre nós uma maratona de leitura integral da Bíblia. E, já agora, com um acrescento original, e de qualidade: acompanhando a iniciativa com uma exposição das ilustrações de Ilda Davi' (A Bíblia Ilustrada, de Ferreira d'Almeida) e Pedro Proença (A Bíblia - O Livro dos Livros).

Não seria menos interessante que, em lugar de um templo religioso, tal se concretizasse num outro lugar de cultura: o Centro Cultural de Belém, por exemplo, é adequado para ler um texto que, além da fé de cada um, nos permeabilizou a todos e continua a dialogar intensamente com a cultura do nosso tempo. Além disso, um templo cultural será um lugar neutro: permite que todos, independentemente da fé (cristã ou não), ou da condição de ateu ou agnóstico, possam sentir-se desinibidos de participar. Porque a Bíblia é lugar que cada um pode ocupar integralmente como seu.

No início do livro do Apocalipse, lê-se: "Feliz o que lê e os que escutam."

António Marujo

Fonte Público

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