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Anglicanos ainda acreditam na unidade, mas um quarto dos bispos não apareceu
2008-07-17 22:16:45

A ordenação de homossexuais e de mulheres como bispos divide a terceira maior confissão cristã, cujos responsáveis estão reunidos em Inglaterra, tentando evitar o cisma.

A ideia é tentar compor os estilhaços e evitar a cisão, mas a ruptura deu-se antes de se iniciar a Conferência de Lambeth, que começou ontem e durará até 3 de Agosto. Há 230 entre 880 bispos anglicanos que não participam na reunião que tentará evitar a fractura na Comunhão Anglicana, provocada pela ordenação de um bispo homossexual em 2003 e pela ordenação de mulheres bispo.
Os líderes das Igrejas anglicanas de vários países africanos - Nigéria, Quénia, Uganda ou Ruanda - anunciaram que não estariam presentes. Mas o serviço de imprensa do Conselho Mundial de Igrejas noticiou ontem que dez bispos anglicanos do Quénia viajaram para Kent (sudeste de Inglaterra), onde decorre a reunião.
Fernando Luz Soares, bispo da Igreja Lusitana em Portugal, que está em Lambeth, disse ao PÚBLICO, antes de partir, que acredita em surpresas: vários dos que se opõem à ordenação de mulheres e homossexuais como bispos estarão em Lambeth.
O líder dos anglicanos em Portugal tão-pouco acredita num cisma: "Não vai haver." Mas essa sombra paira sobre a cimeira da Comunhão Anglicana, com 77 milhões de fiéis em todo o mundo, cujo líder espiritual é o arcebispo de Cantuária, Robin Williams. Facto é que já há bispos a falar em pedir o ingresso na Igreja Católica e, em Dezembro, uma diocese da Igreja Episcopal na Califórnia votou o abandono do anglicanismo.
As razões da divisão são conhecidas: em 2003, Gene Robinson, publicamente assumido como homossexual, foi ordenado como bispo da Igreja Episcopal dos Estados Unidos (os nomes das igrejas anglicanas variam consoante a região). E na semana passada, o sínodo (assembleia decisória) da Igreja de Inglaterra aprovou a ordenação de mulheres bispos, que já existem em outras igrejas anglicanas. Suficiente para que muitas igrejas de África, Austrália, América Latina ou EUA, ameacem a ruptura.
O peso de África é notório: mais de metade dos anglicanos do mundo vivem no continente. O seu emblema é o arcebispo Peter Akinola, da Nigéria, que lidera a segunda maior igreja do anglicanismo, em número de fiéis (17,5 milhões), mas a maior em número de praticantes.
No princípio de Julho, quando em Jerusalém terminou uma reunião de mais de 1100 bispos e clérigos anglicanos que se opõem à ordenação de homossexuais, Akinola disse, logo no início da reunião, que o encontro seria um instrumento e "uma verdadeira ferramenta" que Deus usaria para a reforma da Comunhão Anglicana.
As igrejas anglicanas do sul do mundo são muito mais próximas, em termos morais, das posições dos grupos evangélicos e da Igreja Católica, do que das igrejas protestantes, tradicionalmente mais liberais. Ao contrário, no âmbito litúrgico, estão mais distantes do catolicismo do que a Igreja de Inglaterra.
Dois temas diferentes
Os dois principais temas que dividem os anglicanos são de ordem diversa, mesmo se aparentemente semelhantes: a ordenação de mulheres é uma questão doutrinal e histórica, a ordenação de um homossexual começa por ser um problema disciplinar. Mas para os que contestam ambas as decisões, a sua oposição radica no facto de nenhuma das opções estar de acordo com o que se lê na Bíblia.
Igreja Católica e Igreja Ortodoxa já reagiram à decisão da semana passada na Igreja de Inglaterra. O Papa, na viagem que o levou para a Austrália, disse mesmo que o seu desejo é que os anglicanos evitem o cisma.
Mas os dois temas em causa são olhados do lado católico como muito próximos, relacionados com a identidade do ministério. José Eduardo Borges de Pinho, professor de Eclesiologia na Universidade Católica e que tem acompanhado o diálogo ecuménico, explica: as posições do Vaticano indiciam que a ordenação de mulheres toca em algo fundamental. Enquanto a ordenação de um homossexual também choca com "condições requeridas para o ministério".
O diálogo entre anglicanos e católicos, que ao nível teológico conheceu avanços significativos nos últimos anos, passa a ter, assim, novos obstáculos. Mas outra questão atravessa a Conferência de Lambeth: a autoridade do arcebispo de Cantuária, líder espiritual dos anglicanos, começa a ser posta em causa por alguns dos que se opõem à ordenação de homossexuais e de mulheres, mas também mesmo por alguns dos que têm a mesma opinião que ele.
Homem de consensos, Williams tentou evitar o cisma, negociando uma moratória que interditava mais ordenações e propunha um debate interno sobre a ordenação de homossexuais. E na semana passada defendeu que houvesse concessões aos que se opunham à ordenação de bispas. Sem grande sucesso e com preocupação (ver texto ao lado).
Um dos que mais tem contestado o modo de agir de Williams é o homem que, de certa maneira, provocou toda esta polémica: Gene Robinson, homossexual e bispo de New Hampshire, Estados Unidos, não foi convidado para a Conferência de Lambeth, mas prometeu aparecer em debates e reuniões paralelas. Lamentando o "erro" cometido por Williams ao não o convidar para estar presente, Robinson disse que o arcebispo de Cantuária está já numa posição "quase insustentável".
Williams quer que tudo se resolva pelo diálogo e propôs um método africano para as conversas das próximas semanas: chamou-lhe indaba, tradição zulu, que promove a escuta do outro.

Fonte Público

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