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Cristianismo ilusório em Timor
2001-07-29 10:25:43

A Igreja em Timor protagoniza um facto verdadeiramente histórico. Em 30 anos passou de 22 por cento de católicos para 97 por cento. Na diocese de Baucau, o bispo, D. Basílio do Nascimento, não se regozija com os números. Em sua opinião, tudo isso é ilusório.

Embora a realidade mostre que a população adere ao culto. E isso é bem visível aos domingos, logo na primeira missa da manhã, às sete horas. Se nesta não cabe nem mais uma pessoa, na seguinte convém chegar um pouco mais cedo, caso se pretenda um lugar sentado.

Portanto, a Igreja em Timor pode ter falta de muita coisa, mas de fiéis não. Que o diga o padre Francisco Sequeira, que respondeu prontamente à pergunta sobre o número de ovelhas que formam o seu rebanho: "Cerca de 20 mil." O número não é muito elevado quando comparado com as paróquias portuguesas inseridas nos grandes aglomerados urbanos. A diferença é que o padre Francisco tem que se deslocar de montanha para montanha. Os quilómetros não são muitos, mas, em certas zonas, percorrer 40 quilómetros de carro demora pelo menos quatro horas.

Para visitar uma das suas paróquias - a de Fatuk Makerek - o sacerdote caminha durante seis horas a pé, fazendo outra parte do percurso a cavalo. Mas num animal especial, o chamado cavalo-cabra, especialista em terrenos montanhosos e cuja raça não existe em mais lado nenhum do mundo. Por Timor conta-se até que D. Basílio visitou esta povoação pouco tempo depois de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica ao coração. Quando o seu cirurgião soube, telefonou-lhe, muito preocupado, acabando por se render à calma do bispo, e até comentou: "Se não morreu desta vez, então... nunca mais morre."

A vida do padre Francisco, tal como a dos seus colegas, é, ao fim e ao cabo, andar de um lado para o outro a assegurar o culto. São apenas 15 sacerdotes para uma extensão de território idêntica às dioceses de Beja e Algarve juntas, com uma população dispersa por entre planícies e montanhas.

Ao longo de 25 anos de invasão Indonésia, as igrejas foram-se enchendo cada vez mais porque, na verdade, era o único espaço onde podiam falar livremente em português. E, neste contexto, o rezar o pai-nosso ou a ave-maria na língua de Camões não significava propriamente saudades do passado, mas a oportunidade de descarregar todo o ódio contra o estrangeiro opressor, que, por acaso, era muçulmano.

Neste caso, a fé era uma forma revolucionária de se afirmar a diferença - a identidade. O bispo da diocese de Baucau, D. Basílio do Nascimento, tem consciência de tudo isto. Por isso, diz que tudo não passa de uma ilusão quando nos manifestamos impressionados com as multidões presentes nas missas dominicais.

Para D. Basílio, o grande desafio está agora a começar. Agora, que se fala de liberdade e democracia, e as solicitações são múltiplas. O grande desafio é manter os 97 por cento da população na Igreja, mas com uma fé esclarecida. Aos padres, o prelado tem-lhes dito que um dia Deus lhes poderá perguntar: "O que fizestes das minhas ovelhas depois de vos ter posto tudo nas mãos?"

Em conversa com o DN, num fim de tarde que com menos mosquitos seria paradisíaco, o bispo recordou o que se disse sobre Timor no Sínodo da Ásia. Os padres sinodais consideravam que naquele continente só há dois países católicos: Filipinas e Timor. E ironizavam: "Resta saber qual deles é o maior." Um bispo filipino brincou com a situação dizendo que se calhar era Timor, porque eles ainda têm 15 por cento de muçulmanos.

É precisamente este contexto que preocupa o bispo. A população é toda católica, e exterioriza essa imagem, mas a religiosidade é meramente popular, sem substância teológica. As comunidades existem, só que foram formadas a partir de circunstâncias históricas muito peculiares, que inviabilizaram qualquer tentiva de investimento na formação da fé.

Para que as coisas comecem a mudar, D. Basílio enviou recentemente para Roma quatro padres, a fim de estudarem um pouco mais. Os leigos são gente de muito boa vontade, de uma fé firme. Porém, segundo as suas palavras, são bons técnicos e não poetas da fé. Neste sentido, encontram-se em Baucau, a seu convite, seis portugueses a dar formação a 160 jovens de toda a diocese, para que sejam líderes nas suas comunidades. De Portugal também têm chegado bastantes apoios, que são criteriosamente orientados para criar infra-estruturas humanas e físicas.

O bispo aproveita tudo. Conforme nos disse, com humor: "Quando a oferta de cavalos é muita não se olha ao dente."

Esta situação é, na verdade, irónica: as igrejas estão cheias, parece que só agora se está a começar. Para D. Basílio, colocar o Concílio Vaticano II numa das mãos dos crentes - para que compreendam melhor o terço que na outra, por enquanto, sempre seguram - é o grande objectivo.

Fonte DN

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