paroquias.org
 

Notícias






O Papa estava a ganhar mas acabou por adiar a visita à universidade
2008-01-16 21:35:08

A ganhar a quem? A Galileu. Bento XVI tinha sido convidado para participar na abertura do ano lectivo numa prestigiada universidade de Roma, mas as suas posições sobre o julgamento do físico e astrónomo do século XVII vieram à baila e geraram indignação entre os professores. A culpa é do heliocentrismo. Ainda?

Das duas uma: ou anda às voltas no túmulo ou então está a fazer risinhos trocistas. Quieto é que Galileu não deve estar.
Nem pode, na verdade - porque mais de 350 anos (366, para sermos precisos) depois de morrer ainda não o deixam estar sossegado. Quando tudo fazia crer que a heresia chamada heliocentrismo (teoria que diz ser o Sol o centro do sistema solar) estava morta e enterrada - em 1999 a Igreja decidiu absolvê-lo da condenação a que tinha sido sujeito no século XVII -, eis que um grupo de professores italianos decidiu ressuscitar o físico, matemático e filósofo e, mais uma vez, pô-lo a jogar contra o Papa. Até ao meio da tarde de ontem, Bento XVI estava a ganhar, mas houve uma reviravolta no jogo.
Desconto de tempo para um ponto da situação: a prestigiada Universidade La Sapienza, de Roma, convidou Bento XVI para discursar na cerimónia de abertura do ano lectivo 2007/08, marcada para amanhã. O ministro das Universidades, Fabio Mussi, e o presidente da Câmara de Roma, Walter Veltroni, também foram convocados, e todos foram convidados a falar sobre a abolição da pena de morte. E então, qual é o problema? É este e é simples: um grupo de mais de 60 professores da La Sapienza escreveu ao reitor da universidade, Renato Guarini, dizendo que a visita do Papa os "ofende e humilha". Assim mesmo, sem rodeios. Porquê? Porque, há coisa de duas décadas, era Bento XVI ainda o cardeal Ratzinger, fez declarações que demonstraram "uma visão reaccionária da ciência".
Foi o bastante para o caldo se entornar naquela que é apontada como a mais importante universidade de Roma. Os signatários da carta enviada a Renato Guarini acham que é uma "incongruência" a presença do Papa numa universidade laica (apesar de fundada por um Papa em 1303) e pediram que a visita fosse cancelada. Os alunos aproveitaram a boleia para lançar uma "semana anticlerical" - mostraram um filme sobre Galileu, organizaram um almoço onde houve pão, vinho e carne de porco em grandes quantidades e prometeram manifestar-se amanhã se Bento XVI decidisse pôr os pés na universidade.
Deus criou a Terra e fixou-a
Até à tarde de ontem tudo indicava que poria mesmo. O padre Ciro Benedetinni, um dos assessores do Vaticano, citado na edição electrónica do diário italiano Corriere della Sera, adiantou que a visita do Papa à La Sapienza estava confirmada, "não existindo nenhuma alteração no programa". Às 17h06, a BBC, também na sua edição on-line, noticiava que Bento XVI tinha decidido adiar a visita. "Depois da polémica dos últimos dias, considerou-se apropriado adiar o evento", adiantou um lacónico comunicado do Vaticano.
Terá Bento XVI fraquejado face ao subir de tom da contestação? A AFP não tem dúvidas de que sim: a decisão de adiar a visita à La Sapienza "é um facto sem precedentes desde o início do seu pontificado, em Abril de 2005", escreveu ontem. O Vaticano que agora achou mais "apropriado" adiar a visita é o mesmo Vaticano que já tinha classificado os pedidos para que ela fosse cancelada como "censura".
Podemos saber mais sobre o que originou este incidente? Com certeza. Os 67 professores que rubricaram a carta enviada ao reitor Renato Guarini (que tinha dito e redito que convidaria o Papa "umas 100 vezes", se fosse preciso) estão firmes na convicção de que Bento XVI é um "teólogo retrógrado que põe a religião à frente da ciência". E fazem questão de lembrar que o Papa alemão se mostrou favorável ao julgamento por heresia que a Igreja impôs a Galileu, em 1633 - por defender que a Terra gira à volta do Sol (quando a Bíblia diz que "Deus criou a Terra e fixou-a, para que ela não se mexesse mais").
Os defensores de Bento XVI tentaram rapidamente deitar água na fervura, alegando que, à época desse discurso, em 1990, o Papa se limitou a citar um filósofo austríaco que considerou o julgamento de Galileu "justo e racional". "Ele expressou uma opinião diferente, distanciou-se daquele pensamento e definitivamente não o adoptou como seu", escreveu o jornal conservador Il Giornale, reportando-se ao discurso de Bento XVI.
A chaleira continuou ao lume e ontem acabou por explodir. Pelo menos amanhã o Papa não vai à La Sapienza.

Sandra Silva Costa

Fonte Público

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia