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Irmão Aloïs de Taizé
2008-01-16 21:34:07

Para o irmão Aloïs, as igrejas cristãs devem reconciliar-se entre si. Uma experiência concretizada no dia-a-dia pelo prior e por esta comunidade que reúne monges católicos e protestantes. Entrevista por António Marujo

O irmão Aloïs, 53 anos, é o prior de Taizé desde que o fundador, o irmão Roger, morreu em Agosto de 2005. Com ele, a comunidade parece ter ganho um novo dinamismo. Defende que a estratégia para a reconciliação deve passar por promover a oração conjunta de católicos, protestantes e ortodoxos.

Nesta entrevista ao P2, o irmão Aloïs faz o balanço do encontro de Genebra que terminou a 1 de Janeiro e congregou mais de 40 mil jovens de toda a Europa em mais uma etapa do que Taizé chama "peregrinação de confiança sobre a terra".
Na sexta, começa a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, tema que mereceu um Apelo à Reconciliação dos Cristãos, escrito pelo irmão Aloïs e divulgado em Genebra.
Sente-se uma espécie de urgência no seu Apelo à Reconciliação dos Cristãos. Porquê?
Porque o evangelho já não será credível hoje, se continuarmos separados. Há cada vez mais jovens longe da Igreja porque não compreendem o que é a fé cristã. Para comunicar esta fé, há uma urgência de procurar uma visibilidade da unidade.
Em todos os encontros ecuménicos, ouço esta frase: "É mais o que nos une do que o que nos separa." Mas isso não é visível para as pessoas. O que é visível é a separação. Procuremos então uma visibilidade daquilo que já nos une.

Os responsáveis das igrejas não têm consciência dessa urgência?
Sim, ao nível dos responsáveis e também dos teólogos. Há muito bons documentos, dos quais não colocamos tudo em prática - longe disso. A dificuldade é que na nossa vida eclesial não mudamos as coisas. Poderemos rezar muito mais juntos, nada o impede, mas não o fazemos. Porquê? É desta interrogação que nasceu este apelo às igrejas: procuremos agora um ecumenismo da oração e isso fará avançar muitas coisas.
Disse que o irmão Roger não tinha uma estratégia de reconciliação, mas propõe aos jovens que organizem vigílias, que permitirão mesmo avanços teológicos. Isso é uma estratégia...
Podemos dizer...
A reconciliação precisa também de estratégia?
Precisa de passos concretos. Quando eu disse que o irmão Roger não tinha uma estratégia, queria dizer que ele não queria ficar numa teoria, mas que queria começar [algo novo]: ir ter com outros, visitar, estar juntos e, entre cristãos, rezar juntos. É mais fácil que uma estratégia. Isto é possível, podemos começar já hoje.

É uma intuição do início?
Sim, era uma intuição do irmão Roger. Fundar uma comunidade, viver juntos, era possível, mesmo se difícil. Os primeiros irmãos católicos vieram só depois do Concílio Vaticano II, em 1968, o primeiro irmão católico fez o seu compromisso para toda a vida na comunidade em 1972. Mas era já possível encontrarmo-nos.
E o primeiro ortodoxo? Sonha com o dia em que haja um irmão da comunidade de origem ortodoxa?
Claro, sonhamos que haja uma unidade com a Igreja Ortodoxa. Como é que isso se traduzirá na nossa vida em Taizé, veremos. Não queremos forçar nada. Há muitos jovens ortodoxos que vêm a Taizé e também ao encontro. Havia muitos padres ortodoxos da Roménia que vieram ao encontro de Genebra. É já muito!

Afirmou que a reconciliação está no centro da mensagem do evangelho. O diálogo ecuménico não coloca mais a questão da verdade do que a questão da reconciliação?
Sim, mas não pode ser. No passado, em nome da verdade, separámo-nos. Hoje, não podemos mais continuar assim. A verdade do evangelho é o amor, a unidade, a reconciliação. Deus reconciliou a humanidade, Cristo veio para todos os homens. A reconciliação está no coração do evangelho, é a verdade do evangelho.
Essa reconciliação que Taizé propõe admite expressões plurais da fé?
Sim, porque nos descobrimos uns aos outros, descobrimos riquezas. No Apelo às Igrejas, escrevo que alguns valores do evangelho foram sublinhados mais por diferentes tradições e tento formulá-los em detalhe. Creio que podemos descobrir riquezas do evangelho nos outros.
Em Taizé, fala-se muito em acolher mesmo os que não crêem em Deus. Isso é porque estamos numa Europa em que é difícil crer em Deus?

Porque é que tantas pessoas já não crêem em Deus? Porque é que a fé como que se desvaneceu em tantos? De repente, após uma geração, damo-nos conta de que já não se vai à igreja. E não se trata, por vezes, de uma decisão, é apenas porque a vida está tão tomada por outras questões que, no nosso mundo secularizado, se tornou difícil para tantos jovens acreditar em Deus.
Eles têm a impressão de que devem lutar eles mesmos pela felicidade, não sentem mais a presença de Deus. Como crentes, devemos compreender. Porque hoje, mesmo para muitos crentes, a fé pode ser posta em questão perante o sofrimento, perante as injustiças, às vezes tão próximo na família ou no mundo. Esse colocar a fé em questão que toca muitos crentes e a sensibilidade para com as pessoas que não podem acreditar faz parte da nossa pertença a Cristo.
Essa dificuldade de acreditar deve-se também à dificuldade de dar um sinal visível de unidade entre os cristãos?
Penso que sim. Se pudermos tornar visível a unidade que já temos pelo baptismo, pela nossa pertença a Cristo, será possível os cristãos terem uma nova dinâmica que será perceptível pelos não-crentes.
Disse que se sente uma fadiga dos jovens para com as instituições. Dos seus diálogos com os jovens, qual é a dificuldade que sente existir em relação às instituições religiosas?

É com todas as instituições, também as políticas e sociais. Há como que uma desconfiança, já não se acredita na eficácia e na necessidade das instituições. Isto vai a par com um individualismo que se torna mais forte e que está ligado à atitude: "Devo construir eu mesmo a felicidade, as instituições não me ajudam muito." Isso faz com que muitos jovens tenham a impressão, na Igreja, de que devem viver uma fé mais pessoal - e essa é a dimensão positiva, muitos jovens não querem viver uma fé apenas tradicional, sem tomar uma decisão pessoal por Cristo. A este respeito vivemos um período muito belo, porque talvez hoje haja muito mais pessoas que tomaram uma decisão pessoal por Cristo.
Taizé propõe uma espiritualidade fundada em palavras como confiança, reconciliação. A ausência de confiança é o que faz com que não avancem processos políticos como o do Médio Oriente?
Sim, e também a separação. É como um individualismo colectivo: para se preservar procura-se uma identidade de grupo, contra os outros. É uma tendência nas nossas sociedades, na política, entre os povos, que aumenta o medo em relação aos outros. A mensagem de confiança e reconciliação é muito importante. Ir ao encontro dos outros para desmontar crises políticas é essencial.
A questão do terrorismo deve ser resolvida pela mesma via?

Não chega para lutar contra o terrorismo, mas isso é necessário para não fazer amálgamas, para não dizer que todos os muçulmanos são terroristas. Por isso é necessário ir ao encontro dos muçulmanos, não ter medo.
É essa a experiência que vivem os irmãos de Taizé, por exemplo no Bangladesh, um país muçulmano?
Sim. Viajei recentemente no Sudeste Asiático, onde vi como é necessário ir ao encontro dos outros. Visitei os nossos irmãos que vivem na Coreia e, com outro irmão, visitámos a Tailândia e o Cambodja, países onde o budismo, sob diferentes formas, é maioritário e o cristianismo está em minoria.
Tocou-me uma pergunta: como é que tantas pessoas não acreditam num Deus pessoal? Nós, cristãos, acreditamos num Deus pessoal, que está presente. No budismo, há uma confiança num absoluto, mas que não é um Deus pessoal. Há um grande fosso entre estes dois mundos diferentes. Também aqui é necessário ir ao encontro dos outros.
A solidariedade humana é outra dimensão muito presente em Taizé. O que o preocupa mais no mundo de hoje?
A fome e as injustiças, que vêm muitas vezes da falta de compreensão dos outros. Na Bolívia [o encontro de Outubro em Cochabamba], foi impressionante ver este país, que está dividido em dois: o Norte muito rico, o Sul muito pobre. Pergunto-me como é que a violência começou, porque há todas as condições para que haja violência. Hoje, é o medo que faz com que não partilhemos o suficiente.

Com os nossos encontros de jovens, eles ficam em famílias, que abrem as suas portas. No ano passado, os sérvios foram acolhidos em Zagreb [Croácia]. Agora, muitos estrangeiros foram acolhidos em Genebra, num país que se protege, que não quer ainda ser verdadeiramente membro da União Europeia, onde há um certo medo dos estrangeiros, por vezes justificado pelas diferenças tão grandes. Mas o medo não ajuda a avançar. Que tenhamos sido capazes, em Genebra, de ultrapassar esse medo, é uma contribuição também para uma via política mais confiante.
Qual é o seu balanço do encontro de Genebra? Foi um regresso de Taizé ao seu início?
Sim, para nós foi um regresso ao lugar de onde o irmão Roger partiu para fundar a comunidade de Taizé. Ele teve ainda que voltar aqui quando a França esteve ocupada, para viver dois anos em Genebra com os primeiros irmãos. Para nós é um regresso às intuições do início. Mas hesitámos em vir.

Porquê?
Porque a cidade é pequena: será que poderíamos alojar todos os jovens? Estaria a população aberta a um tal encontro? A cidade tem uma reputação mais individualista. Hesitámos, mas o encontro ultrapassou as expectativas: houve um acolhimento caloroso, a maior parte dos jovens foi acolhido em famílias e isso mexeu com as coisas em paróquias protestantes, católicas e ortodoxas.
O facto de haver 150 paróquias e lugares de acolhimento foi uma dificuldade?
Pensámos que poderia ser uma dificuldade, mas foi o contrário: o terreno ecuménico estava preparado, há muitos laços entre as diferentes igrejas, com muitas actividades em conjunto.

Depois da morte do irmão Roger, Taizé parece ter ganho um novo dinamismo. Tem outros projectos para alargar, como dizia o irmão Roger na última frase que escreveu?
Alargar está sempre, em primeiro lugar, no nosso coração. Alargar o nosso coração desde logo às pessoas que nos foram confiadas, que vivem próximas de nós. Sem isso, tudo se resume a uma estratégia, a um programa de actividades. Jesus diz muito claramente "ama o teu próximo", quer dizer, aquele que está perto de nós.
Mas é verdade que estamos muito felizes: como é que a nossa vida, em Taizé, continua, após a morte do irmão Roger? Paradoxalmente, esta morte tão trágica deu à nossa comunidade uma grande coesão e unidade, o que permitiu ir mais longe. Foi um pouco como os primeiros cristãos. Vivemos qualquer coisa, nestes dois últimos anos, como nos Actos dos Apóstolos: uma unidade entre os cristãos que permite ir longe.

Agora, preparamos um encontro em Nairobi. Será muito difícil. Nestes dias, quando anunciámos o encontro, houve muita violência e mortos. Será possível fazer o encontro no Quénia? Não sabemos. Os jovens africanos querem ser um sinal de esperança...

Fonte Público

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