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Hão-de olhar Aquele que trespassaram - Homilia de D. José Policarpo na Missa de Quarta-Feira de Cinzas
2007-02-22 22:52:59

1. O Santo Padre convida a Igreja a viver a Quaresma deste ano, contemplando o Crucificado. São João interpreta o último episódio da execução de Jesus, o trespassar do Seu coração pela lança do soldado, como o cumprimento de uma profecia. E como todas as profecias cumpridas, esta abre-nos para o futuro da fecundidade da redenção. O coração trespassado de Cristo, donde João viu jorrar sangue e água (Jo. 19,34), simboliza a fonte inesgotável da graça, que purificará a humanidade pecadora através do baptismo e da Eucaristia.

A Quaresma é um tempo baptismal, de preparação para o baptismo e de vivência do próprio baptismo. E isso pode fazer-se, contemplando o lado aberto de Cristo, donde continua a jorrar a água que purifica e redime. São Paulo define o baptismo, que nos redime dos nossos pecados, como um mergulhar na morte de Cristo, quando pergunta aos cristãos de Roma: “acaso ignorais, que baptizados em Cristo Jesus, é na Sua morte que todos fomos baptizados? Pelo baptismo fomos, de facto, sepultados com Cristo na morte, afim de que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos para a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rom. 6,3-4).

A vida cristã junta, em síntese maravilhosa, a graça da Cruz, a participação na ressurreição, a força do Espírito Santo; e o sacramento dessa síntese é a Eucaristia. A força da Páscoa permite-nos participar na Paixão de Cristo, abraçando a nossa cruz, acreditando que também ela é redentora. Mas o tempo presente é mais caracterizado pela nossa participação na morte de Cristo, ao abraçar a nossa própria cruz e seguindo-O com a força da Sua ressurreição, e esperando ainda o nosso triunfo definitivo, com Ele. Ao mergulhar na Sua morte, no baptismo, devemos fazer a caminhada baptismal contemplando a Sua Cruz.


2. Ao contemplarmos o corpo de Jesus trespassado, tomamos consciência do duelo dramático entre a justiça e a injustiça, o pecado do mundo e o amor misericordioso de Deus. O pecado do mundo tem capacidade de ferir o Justo. Só não o vence, porque Deus está com ele. Segundo São Paulo, quem deveria estar ali, no Calvário, era cada um de nós, sofrendo o castigo dos nossos pecados. Ele sofreu em nosso lugar. “A Cristo que não conhecera o pecado, identificou-o Deus com o pecado, por amor de nós, para que em Cristo nos tornássemos justiça de Deus” (2Co. 5,21). N’Ele contemplamos a misericórdia de Deus por nós, no concreto das nossas vidas. O que aconteceria se Ele não nos tivesse substituído no castigo merecido pelos nossos pecados? Essa misericórdia de Deus para connosco é actual; exprime-se todos os dias, para que vivamos na esperança da salvação. Ao contemplarmos o Crucificado, tomemos consciência da sorte que tivemos por Cristo ter morrido por nós, dom que se transforma em vida nova, justiça de Deus, pela acção do Espírito que nos foi dado.

A Cruz de Cristo significou o julgamento deste mundo. O Senhor sofreu toda a violência de que era capaz a sociedade em que estava inserido: a hipocrisia farisaica, a justiça dos romanos, o ódio da população. A cruz era a mais ignominiosa forma de execução. Só com Deus, vítima da violência do mundo, o seu triunfo é o do amor de Deus. A cruz ensina-nos que em todas as circunstâncias da história, há um amor que vence o mundo, o que Deus exprimiu na entrega do Seu Filho. A certeza deste triunfo a Igreja celebra-a em cada Eucaristia. À Igreja de todos os tempos, nas tribulações de cada momento, a Cruz diz: não tenhais medo, eu venci o mundo.


3. Ao contemplar a Cruz, sentimo-nos amados por Deus, com aquele abismo de amor infinito que nenhuma experiência de amor humano faz sequer adivinhar, porque todas estão maculadas pelo pecado. Na Cruz contemplamos o amor e, por isso, podemos aprender a amar como Deus nos ama: essa é uma graça pascal do Espírito de Jesus ressuscitado.

Sentirem-se verdadeiramente amados é a maior necessidade dos homens do nosso tempo. Esse é o primeiro fruto da contemplação da Cruz do Senhor. Ela é um convite contínuo a que nos abramos ao insondável amor de Deus por nós. A partir dela, podemos recriar o nosso coração e amar como Deus ama, para que muitos outros se sintam amados. É este o convite à conversão do coração: “Convertei-vos a Mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. Rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos. Convertei-vos ao Senhor nosso Deus” (Joel, 2,12-13). As lágrimas que o profeta refere, são hoje os sofrimentos das nossas vidas, os quais, depois de Cristo ter sofrido em nosso lugar, redimindo o nosso próprio sofrimento, já não são castigo do pecado, mas força de redenção. Amados por Cristo, alarguemos o abraço do nosso coração, ofereçamos todo o nosso sofrimento, participemos na redenção do nosso mundo.

Se na Cruz contemplamos o Crucificado, na Eucaristia mergulhamos no mistério do Seu amor redentor. Aí somos amados e amamos, somos oferentes e oferta, sentimos as primeiras palpitações desse coração novo, primeiro sinal da redenção a acontecer.

Seguindo o convite do Santo Padre, para nos sentirmos amados por Cristo na Cruz, temos de viver a Quaresma como um tempo eucarístico. Aí se actualiza toda a plenitude do dom da vida e o Espírito Santo torna-nos capazes de lhe responder, amando. E então a Quaresma será caminho de vida, vivência do nosso baptismo, antecipação da Páscoa definitiva, porque a Páscoa é sempre a festa do definitivo de Deus.


Sé Patriarcal, 21 de Fevereiro de 2007

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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