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Bento XVI: Quaresma, 40 dias de conversão ao amor de Cristo
2007-02-22 22:11:07

Publicamos a intervenção de Bento XVI na audiência geral desta quarta-feira, dedicada à Quarta-Feira de Cinzas.

Queridos irmãos e irmãs:

Na Quarta-Feira de Cinzas, que hoje celebramos, é para nós, cristãos, um dia particular, caracterizado pelo intenso espírito de recolhimento e reflexão. Empreendemos, de fato, o caminho da Quaresma, tempo de escuta da Palavra de Deus, de oração e de penitência. São quarenta dias nos quais a liturgia nos ajudará a reviver as fases destacadas do mistério da salvação.

Como sabemos, o homem foi criado para ser amigo de Deus, mas o pecado dos primeiros pais quebrou esta relação de confiança e de amor e, como conseqüência, a humanidade é incapaz de realizar sua vocação originária.

Graças, contudo, ao sacrifício redentor de Cristo, fomos resgatados do poder do mal: Cristo, de fato, escreve o apóstolo João, foi vítima de expiação por nossos pecados (cf. 1 João 2, 2); e São Pedro acrescenta: Ele morreu de uma vez por todas pelos pecados (cf. 1 Pedro 3, 18).

Ao morrer com Cristo para o pecado, o batizado também renasce para uma vida nova e é restabelecido gratuitamente em sua dignidade de filho de Deus. Por este motivo, na primitiva comunidade cristã, o Batismo era considerado como a «primeira ressurreição» (cf. Apocalipse 20, 5; Romanos 6, 1-11; João 5, 25-28).

Desde as origens, portanto, a Quaresma é vivida como esse tempo da imediata preparação para o Batismo, que se administra solenemente durante a Vigília Pascal. Toda a Quaresma era um caminho para este grande encontro com Cristo, para a imersão em Cristo e a renovação da vida.

Estamos já batizados, mas com freqüência o Batismo é muito eficaz em nossa vida cotidiana. Por este motivo, também para nós a Quaresma é um «catecumenato» renovado no qual saímos novamente ao encontro de nosso Batismo para redescobri-lo e revivê-lo em profundidade, para ser de novo realmente cristãos.

Portanto, a Quaresma é uma oportunidade para «voltar a ser» cristãos, através de um processo constante de mudança interior e de avanço no conhecimento e no amor de Cristo. A conversão não acontece nunca de uma vez por todas, mas que é um processo, um caminho interior de toda nossa vida. Certamente, este itinerário de conversão evangélica não pode limitar-se a um período particular do ano: é um caminho de todos os dias, que tem de abarcar toda a existência, cada dia de nossa vida.

Desde este ponto de vista, para cada cristão e para todas as comunidades eclesiais, a Quaresma é a estação espiritual propícia para treinar-se com maior tenacidade na busca de Deus, abrindo o coração a Cristo.

Santo Agostinho disse, em uma ocasião, que nossa vida é um exercício único do desejo de aproximar-nos de Deus, de ser capazes de deixar Deus entrar em nosso ser. «Toda a vida do cristão fervoroso -- diz -- é um santo desejo». Se isso é assim, na Quaresma somos convidados, ainda mais, a arrancar «de nossos desejos as raízes da vaidade» para educar o coração no desejo, ou seja, no amor de Deus. «Deus -- diz santo Agostinho -- é tudo o que desejamos» (cf. «Tract. In Iohn», 4). E esperamos que realmente comecemos a desejar Deus, e deste modo, desejar a verdadeira vida, o próprio amor e a verdade.

É particularmente oportuna a exortação de Jesus, referida pelo evangelista Marcos: «Convertei-vos e crede na Boa Nova» (cf. Marcos 1, 15). O desejo sincero de Deus nos leva a rejeitar o mal e a realizar o bem. Esta conversão do coração é antes de tudo um dom gratuito de Deus, que nos criou para si e em Jesus Cristo nos redimiu: nossa felicidade consiste em permanecer n’Ele (cf. João 15, 3). Por este motivo, Ele mesmo previne nosso desejo com sua graça e acompanha nossos esforços de conversão.

Mas, o que é, na verdade, converter-se? Converter-se quer dizer buscar Deus, caminhar com Deus, seguir docilmente os ensinamentos de seu Filho Jesus Cristo; converter-se não é um esforço para realizar a si mesmo, porque o ser humano não é o arquiteto do próprio destino. Nós não criamos a nós mesmos. Por isso, a auto-realização é uma contradição e é muito pouco para nós. Temos um destino mais alto. Poderíamos dizer que a conversão consiste precisamente em não se considerar «criadores» de si mesmos, descobrindo deste modo a verdade, porque não somos autores de nós mesmos.

Conversão consiste em aceitar livremente e com amor que dependemos totalmente de Deus, nosso verdadeiro Criador, que dependemos do amor. Isso não é dependência, mas liberdade. Converter-se significa, portanto, não perseguir o êxito pessoal, que é algo que passa, mas, abandonando toda segurança humana, seguir com simplicidade e confiança o Senhor, para que Jesus se converta para cada um, como gostava de dizer a beata Teresa de Calcutá, em «meu tudo em tudo». Quem se deixa conquistar por Ele não tem medo de perder a própria vida, porque na Cruz Ele nos amou e se entregou por nós. E precisamente, ao perder por amor nossa vida, voltamos a encontrá-la.

Eu quis sublinhar o imenso amor que Deus tem por nós na mensagem por ocasião da Quaresma, publicada há uns dias, para que os cristãos de toda comunidade possam deter-se espiritualmente durante o tempo da Quaresma, junto a Maria e João, o discípulo predileto, ante Aquele que na Cruz consumou pela humanidade o sacrifício de sua vida (cf. João 19, 25).

Sim, queridos irmãos e irmãs, a Cruz também é para nós, homens e mulheres de nossa época, que com demasiada freqüência estamos distraídos pelas preocupações e os interesses terrenos e momentâneos, a revelação definitiva do amor e da misericórdia divinos. Deus é amor e seu amor é o segredo de nossa felicidade. Agora, para entrar neste mistério de amor, não há outro caminho senão o de perder-nos, entregar-nos, o caminho da Cruz. «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me» (Marcos 8, 34). Por este motivo, a liturgia quaresmal, ao convidar-nos a refletir e rezar, estimula-nos a valorizar mais a penitência e o sacrifício, para rejeitar o pecado e o mal e vencer o egoísmo e a indiferença. A oração, o jejum e a penitência, as obras de caridade para os irmãos se convertem, deste modo, em caminhos espirituais que devem ser percorridos para voltar a Deus em resposta aos repetidos chamados à conversão que a liturgia faz hoje (cf. Gálatas 2, 12-13; Mateus 6, 16-18).

Queridos irmãos e irmãs, que o período quaresmal, que hoje empreendemos com o austero e significativo rito da imposição das Cinzas, seja para todos uma renovada experiência do amor misericordioso de Cristo, que na Cruz derramou seu sangue por nós.

Coloquemo-nos docilmente à sua escuta para aprender a «voltar a dar» seu amor ao próximo, especialmente aos que sofrem e atravessam dificuldades. Esta é a missão de todo discípulo de Cristo, mas para realizá-la é necessário permanecer na escuta de sua Palavra e alimentar-se assiduamente de seu Corpo e de seu Sangue. Que o itinerário quaresmal, que na Igreja antiga é itinerário para a iniciação cristã, para o Batismo e para a Eucaristia, seja para nós, batizados, um tempo «eucarístico», no qual participemos com maior fervor do sacrifício da Eucaristia.

Que a Virgem Maria, que após ter compartilhado a paixão dolorosa de seu Filho divino, experimentou a alegria da ressurreição, acompanhe-nos nesta Quaresma rumo ao mistério da Páscoa, revelação suprema do amor de Deus.

Boa Quaresma a todos!

[Tradução realizada por Zenit.
© Copyright 2006 - Libreria Editrice Vaticana]

Fonte Zenit

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