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Abbé Pierre Morreu o "gigante da misericórdia"
2007-01-28 18:39:42

Figura emblemática do combate à exclusão e iniciador dos Companheiros de Emaús, o Abbé Pierre morreu ontem aos 94 anos, num hospital de Paris onde tinha sido internado no dia 18 na sequência de uma bronquite.

A França está de luto, "perturbada" e "tocada no coração", como afirmou o Presidente, Jacques Chirac, numa declaração logo após a morte daquele que era a personalidade mais querida dos franceses há longos anos. Morreu um "gigante da misericórdia", disse o arcebispo de Bruxelas, cardeal Godfried Danneels.

A sua morte fez-me pior que o frio desta manhã", queixava-se ontem Gilles Vasseur, um sem-abrigo a viver numa tenda num bairro dos arredores de Paris, à reportagem da AFP. "Nós, os sem-abrigo, os sem nada estamos hoje todos órfãos."
À direita como à esquerda política, mas também entre responsáveis de associações de apoio social ou instituições religiosas, o lamento pela morte do Abbé (padre) Pierre foi unânime.
O cardeal francês Roger Etchegaray, ex-presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, afirmou que o fundador de Emaús "nunca se enganou no combate, declarando guerra à miséria e desejando que os primeiros a servir fossem os mais sofredores".
Também os bispos franceses lhe prestaram homenagem. Em nome do episcopado belga, o arcebispo de Bruxelas saudou a memória do Abbé Pierre referindo-se a ele como "gigante da misericórdia". "Para lá das particularidades religiosas ou filosóficas, ele lembrava a cada um o seu dever de humanidade. Possa ele repousar em paz e suscitar em muitas pessoas o desejo de prosseguir o seu combate pela justiça e pela fraternidade."
As homenagens da Igreja surgem apesar das polémicas que afirmações e posições, pouco seguidoras da ortodoxia católica, suscitaram. Mesmo em casos recentes, como quando o Abbé Pierre confessou, há pouco mais de um ano, ter mantido relações sexuais com mulheres (ver caixa), a surpresa passava rapidamente.
Conta o Abbé Pierre em Testamento (ed. Notícias) que o bispo Jacques Gaillot, ele próprio marginalizado pelo Vaticano na sequência de posições polémicas, lhe perguntou um dia: "Explique-me um mistério: eu, assim que abro a boca, levo uma tareia. Você, em contrapartida, diz dez vezes mais e a mensagem passa sem problemas."
O padre respondeu que não era bispo e que "o Bom Deus" lhe dera um "instinto de insolência comedida", que lhe permitia ver até que ponto poderia "clamar".

"Antes de te matares..."
Certo é que clamou e fez muito. Resistente à ocupação da França pelos nazis, antigo deputado, Henri Grouès de seu nome de baptismo nasceu em 5 de Agosto de 1912 em Lyon, numa família numerosa - há mais de uma década já tinha 123 sobrinhos. Estudou com os jesuítas mas entrou aos 19 anos nos Franciscanos Capuchinhos. Já no tempo da ocupação nazi, recorda a AFP, entrou na clandestinidade em 1942, ajudando judeus e resistentes. Esteve preso em 1944 às ordens dos alemães, mas conseguiu escapar. Foi depois deputado entre 1945 e 1951.
É precisamente nesse período que, já dedicado a apoiar mães e crianças em dificuldade, um acaso o leva a criar os Companheiros de Emaús. Em Julho de 1995, em entrevista ao PÚBLICO numa das suas vindas a Portugal, o próprio contava que, perante um homem desesperado que queria suicidar-se, lhe disse: "Antes de te matares, não queres ajudar-me a acabar algumas destas casas para essas mães que choram?"
Em 1954, durante um Inverno especialmente rigoroso, lançou o apelo à "insurreição da bondade", como lhe chamou. O apelo foi renovado 40 anos mais tarde, em 1994 (e de novo há um ano, em plena Assembleia Nacional), para denunciar o "cancro da pobreza", pedir apoio para os mais de 400 mil sem-abrigo franceses e defender o direito ao alojamento digno para todos. A sua popularidade levou-o a ser convidado há poucos anos para integrar uma candidatura ao Parlamento Europeu.
No livro Testamento, escreve no final: "Se posso transmitir uma certeza aos que vão conduzir a luta para instilar mais humanidade em tudo, será (decididamente, não posso escrever outra coisa): "Viver é aprender a amar."" Foi esse o seu lema.

Antonio Marujo

Fonte Público

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