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Combater o défice de uma cultura de responsabilidade nas estradas de Portugal
2001-07-16 19:45:47

Aproximam-se os habituais êxodos anuais, em demanda dos destinos de férias e de lazer. Inexoravelmente, as estatísticas dizem-nos que de tantos que partem, nem todos regressarão.

Quanto à análise das causas próximas da sinistralidade que nos vem colocando na cauda da Europa, uns dirão que a principal explicação reside na insuficiência das normas punitivas ou num código da estrada desajustado. Outros assegurarão que é a deficiente qualidade das estradas e da respectiva sinalização. Para outros, a causa é o abuso do álcool e o consumo de drogas. Outros ainda irão garantir que é o excesso de velocidade.


E se é certo que estes factores contribuem fortemente para a sinistralidade, no concreto de cada acidente, cada um dirá que a culpa foi do outro.

Na verdade, habituámo-nos a enjeitar a culpa e a transferir a responsabilidade para outrem, mesmo contra a evidência objectiva das provas. Em último caso, culpa-se o Estado, o município ou qualquer outra entidade mais ou menos abstracta ou distante.

Por outro lado, deixámo-nos quase anestesiar pelo fatalismo da morte, a menos que a vítima nos seja particularmente próxima ou que uma advertência prévia nos alerte para o carácter chocante das imagens.

Mais grave de tudo é que há condutores que consideram a sua carta de condução como uma licença de uso e porte de carro, que legitima fazer do automóvel o que a cada um apetece, como se o habitáculo em que acanhadamente se instalam fosse o reino de que são o soberano, ou como se a estrada fosse uma reserva, para uso próprio e exclusivo.

É tempo de enfrentar o facto de, na prática, a condução rodoviária ser a principal causa de morte e de incapacidade por factores acidentais, à frente da sinistralidade em actividades potencialmente geradoras de muitos acidentes, como a construção civil e até o manuseamento de explosivos.

Isto é: A má condução é, em termos absolutos, a principal causa de acidentes que mutilam e matam, com especial incidência nos mais jovens.

Daí que tenhamos que concluir que a simples negligência na condução comporta realmente maiores riscos do que o manuseamento de uma arma de fogo, que nos habituámos a ver rodeada de especiais cuidados e prevenções.

Falta assumir esta realidade, quer no plano individual, quer no colectivo.

Registemos, entretanto, o facto de estarmos ultimamente a assistir a um maior esforço de mobilização para o drama da sinistralidade rodoviária, através de louváveis e pedagógicas iniciativas, quer públicas, quer de carácter não governamental.

No vasto leque de opiniões e de análises subjacentes a essas campanhas, com incidência na repressão e na prevenção, é menos evidenciada uma perspectiva, que é particularmente cara à CNJP, centrada na postura ética de todo e qualquer agente.
De facto, as determinantes do comportamento do condutor - muitas vezes confiado na impunidade que advém da improbabilidade da presença do agente fiscalizador - terão que alicerçar-se em motivações omnipresentes, que só podem ter sede no íntimo do mesmo condutor.
§ Falamos da noção do dever cívico do reconhecimento dos outros utentes da estrada como titulares do direito à nossa boa condução.
§ Falamos do sentido de responsabilidade que se coloca sempre que exista o risco de lesão grave de outros, quase sempre inocentes.
§ Falamos do direito à vida, que uma distracção ou leviandade pode, em breves segundos, ceifar irremediavelmente.
§ Falamos do respeito cristão pelos que nos provocam ou agridem, que nos impõe o dever de pedir desculpa pelos nossos erros e de responder com gestos apaziguadores à insolência incivil de outros.
Em suma:
Insista-se numa sólida formação para os direitos-deveres.
Invista-se numa forte cultura de responsabilidade.
Aposte-se numa educação escolar sobre segurança rodoviária.
É que, na condução, como em tudo:
§ Não basta que cada um de nós seja um inteligente Homo Sapiens.
§ A vivência em sociedade exige que cada um actue como um Homo Civicus.
§ E a consciência moral impõe que, sem necessidade de fiscalização externa, cada um se sinta sempre responsável - para consigo mesmo e para com todos - comportando-se como um Homo Ethicus

Lisboa, Julho de 2001
A Comissão Nacional Justiça e Paz


Fonte Ecclesia

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