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Advento de um Povo Peregrino - Homilia do Cardeal-Patriarca de Lisboa no 1º Domingo do Advento. Ordenações de Diáconos no Mosteiro dos Jerónimos
2006-12-06 23:04:11

1. Iniciamos, hoje, um novo Ano Litúrgico, durante o qual celebramos, ao ritmo do tempo e da precariedade da nossa existência, a plenitude da nossa fé.
Cristo está no centro de cada tempo litúrgico, quer celebremos o Seu nascimento, a Sua morte, a Ascensão ao Céu ou o dom do Seu Espírito, sempre na esperança da Sua plena manifestação, na vida de cada um de nós e na criação inteira. Essa plena manifestação de Cristo Vivo, acontece na caridade vivida, na salvação anunciada, na luta contínua pela transformação da cidade dos homens, semente da cidade definitiva, a “Nova Jerusalém”.


O Advento, primeiro tempo litúrgico, exprime aquelas atitudes e dinamismos que repassam todo o Ano Litúrgico: a esperança de um Povo de peregrinos, que seguem o Senhor como discípulos, aprofundando a sua identificação com Ele, acreditando que é possível construir, neste mundo, o Reino de Deus. É o tempo que melhor exprime a identidade espiritual entre o Povo da primeira Aliança e a Igreja, de tal modo que a expectativa messiânica de Israel do Antigo Testamento, é transponível para a Igreja, também ela dinamizada pela esperança da manifestação definitiva do Messias, Jesus Cristo Nosso Salvador.

No Advento, ao assumir-se como Povo peregrino, a Igreja afirma-se como o Povo da Aliança, da nova e definitiva Aliança, ratificada no Sangue de Cristo. Ao assumir-se como um Povo a caminho, a Igreja toma consciência de que é um Povo de discípulos, pois só não desiste da caminhada quem segue o Senhor, e com Ele aprende a viver segundo as exigências do Reino de Deus.


2. O primeiro fruto desta peregrinação de quem vive seguindo o Senhor, é aprender a caridade. O Apóstolo Paulo é claro na Carta aos Tessalonicenses: “O Senhor vos conceda aumento e abundância de caridade uns para com os outros e para com todos (…). Que Ele dê assim firmeza aos vossos corações, numa santidade irrepreensível, diante de Deus, Nosso Pai, por ocasião da vinda de Jesus, Nosso Senhor” (1Tess. 3,12-4,2).

Quem vive com o Senhor, aprende a amar como Ele ama e assim cada expressão nossa de amor, por mais simples que seja, ganha a pureza e a qualidade do amor trinitário de Deus. A caridade é a novidade do amor, dada aos discípulos de Cristo, pelo Espírito Santo. Para nós, Igreja de Lisboa, este ano pastoral é profundamente marcado pela exigência da caridade. Foi o desafio lançado à Igreja pela primeira Encíclica do Papa Bento XVI que veio explicitar uma das linhas de força deixadas pelo Congresso Internacional para a Nova Evangelização. Todas as atitudes cristãs e toda a missão da Igreja devem ser expressão da caridade.

Mas a caridade é acção, não apenas afirmação. Supõe a generosidade do dom da nossa vida, a Deus e aos irmãos: a Deus, adorando-O e pondo em prática os Seus mandamentos; aos irmãos, respeitando-os, escutando-os, servindo-os. Não há caridade sem oração, pois é na intimidade com Deus que se aprende a amar como Ele ama.

O sacramento do diaconado, que hoje administramos, exprime bem este dinamismo trinitário da caridade. A sua expressão é o serviço; o diácono realiza e significa a diaconia de toda a Igreja. Mas é um sacramento, na consciência de que um tal amor é um dom de Deus, que só é possível com a força de Cristo ressuscitado.


3. Neste Advento, estamos assim confrontados com a urgência da caridade, que significa, antes de mais, o não desistirmos da santidade. Valor supremo do cristianismo, a caridade tem expressões trans-temporais, mas concretiza-se, também, nas características de cada tempo. Entre as primeiras está a glória de Deus, o “amar a Deus sobre todas as coisas”. E o realismo cristão das primeiras gerações ensinou-nos que só se ama a Deus se cumprirmos os Seus mandamentos. É a objectividade da caridade, expressão da objectividade da verdade. Somos convidados a recordar os mandamentos de Deus e a avaliar, no íntimo da nossa consciência, a medida da nossa obediência e da nossa fidelidade. Os principais males da nossa sociedade corrigir-se-iam, se cumpríssemos os mandamentos. A crise da família, o respeito pela vida, a sexualidade como dinamismo de amor, a honestidade nos negócios e na gestão dos bens materiais, a luta contra a corrupção, a limpidez da verdade em todas as relações humanas e sociais, encontram saída positiva nos mandamentos de Deus. O amor a Deus não é só um sentimento religioso; é a coragem da liberdade e a opção corajosa pelo amor, pela vida, pela verdade, pela honestidade. Amar a Deus é transformar o mundo, é construir um mundo novo, a que Jesus chamou o Reino de Deus.


4. E esse é o verdadeiro horizonte da esperança cristã, o sentido da nossa peregrinação no mundo e na história. Nós acreditamos que, em Jesus Cristo, começou o fermento de um mundo novo, a cidade definitiva que ainda se há-de manifestar. Jeremias anuncia que, com a vinda do Messias, Jerusalém, aqui símbolo da humanidade, adquirirá um ritmo novo. “Este é o nome que chamarão à Cidade: o Senhor é a nossa Justiça” (Jer. 33,16). Este é o nome que a cidade dos homens adquiriu em Jesus Cristo. Os cristãos, justificados em Cristo, são o “fermento” dessa nova cidade, onde se torna claro que só o Senhor é a nossa justiça. A plenitude deste processo será a última manifestação de Cristo. Supõe o sofrimento e a purificação de tudo o que conhecemos, purificação essa que já está presente no dinamismo da santidade cristã.

A transformação final de todas as coisas nos “novos céus e nova terra”, acarreta a precariedade de todas as formas de ser que conhecemos. A aceitação desta precariedade faz parte do realismo cristão. O Concílio Vaticano II, ao falar da missão da Igreja e dos cristãos na transformação do mundo, declarou: “Desconhecemos o tempo da plena realização da Terra e da humanidade, não conhecemos o modo da transformação do cosmos. Mas é, certamente, passageira a forma deste mundo deformada pelo pecado; mas nós aprendemos que Deus nos prepara uma nova morada e uma nova Terra onde reinará a justiça, cuja plenitude cumulará e ultrapassará todos os desejos de paz por que anseia o coração do Homem” (G.S. n.39). Só então a cidade dos homens merecerá chamar-se “O Senhor é a nossa Justiça”, pois essa plenitude já está realizada em Jesus Cristo. É por isso que os cristãos, seus discípulos, que acolheram no coração a semente dessa justiça, são, desde já, os protagonistas dessa transformação do mundo. Porque as sementes da definitiva perfeição não anulam a precariedade do presente, este compromisso dos cristãos é uma luta humilde, animada pela fé e pela esperança. Eles sabem que são um Povo de peregrinos num mundo marcado pelo pecado, mas não irremediavelmente perdido. Essa peregrinação é sempre anúncio da esperança.

3 de Dezembro de 2006

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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