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Taizé, sempre
2006-09-09 14:09:18

Taizé: duas sílabas muito curtas, quase secas, que se tocam por um instante. Como uma pontuação sonora. Um nome para condensar o essencial, para expressar o indizível. Taizé para estar em silêncio e Taizé para ser falado! Taizé para vir, por milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares, há quase dois terços de século.

Taizé para partir, cheios de algo invisível. Taizé para as gerações. Longe de Taizé fica algo de Taizé naqueles que alguma vez lá passaram. Momentos de luz; silêncios dos quais nos pensávamos incapazes; traços de amizades anónimas; olhares que diríamos serem quase demasiado brilhantes para serem humanos; rostos incontáveis, frequentemente jovens; também remorsos por termos tanto e tantas vezes negligenciarmos o sentido da vida. Traços dos outros e de si mesmo. Temos todos algo de Taizé no fundo coração. Temos todos, nos tortuosos registos das nossas memórias, etapas feitas em Taizé, em diferentes datas que se sobrepõem nas recordações. Caminhos sinuosos da bonita Borgonha, luz dourada das colinas no fim do Verão, quando a natureza aspira às chuvas que tardam a chegar, casas de pedra que diríamos estarem aqui desde a eternidade; sinos que, longe de romperem o silêncio, o sublinham enfaticamente. Acolhimento, serviço, cânticos conhecidos e reconhecidos, ícones, a paz colorida da igreja da Reconciliação. Quem passou um dia por Taizé diz sempre que tem que voltar. E quem diz isso e não o faz sabe, sem nunca o esquecer, que Taizé está ali, longe das grandes euforias do tempo, disponível, como se estivesse de serviço aqui na terra. Lanterna perpétua no oceano de uma humanidade agitada e perturbadora. Vigilante na noite das actualidades e das tragédias colectivas ou pessoais. Stress, ambições, disputas, batalhas por isto e por aquilo, obsessões pelo dinheiro e pelo poder, emoções ao acaso, apegos oscilantes, vacuidade das modas e das futilidades da tagarelice mediática: tudo o que acontece longe de Taizé, tudo o que fervilha ruidosamente e faz furor longe desta colina que se tornou sagrada, anula-se aqui. Reconciliação? Sim, mas antes de tudo reconciliação consigo mesmo. Em todo o caso, com essa parte de si que, oportunamente, quando as tempestades ameaçam as vidas, nos diz: basta, agora precisas de um pouco de silêncio! Escuta o que te fala no silêncio. Escuta quem te fala.

Madeira
Era um caixão de madeira branca, muito simples: porquê ser complicado e pretensioso quando tudo acaba e tudo começa? Madeira dos pobres. Madeira da cruz. Transportado pelos irmãos de Taizé, no silêncio de Taizé, entre milhares de pessoas silenciosas, atravessou duas vezes, na terça-feira, a igreja da Reconciliação. O irmão Roger, Roger Schutz, morto aos noventa anos com uma faca, fazia há uma semana, neste caixão, a sua última procissão. No próprio local onde tinha morrido, durante uma oração da noite. Estava na idade para ser vítima? Terá sido o ponto final do martírio que este incidente provocou a esta longa vida terrestre? Em Taizé, em nenhum momento se experimentou ou ressentiu um sentimento de cólera, nem de revolta, nem de injustiça face ao crime e face ao absurdo deste acto. É que Taizé já se tinha reconciliado com a autora da morte. A tal ponto que ela foi nomeada nas intercessões, de forma forte, sóbria e explícita. E que foi dito aos jovens romenos, aqui sempre em grande número, que a Roménia é aqui amada, tal como a terra inteira. E até mais. Como se Taizé encontrasse nesse crime e no seu perdão imediato o expoente máximo da evidência da sua fundação. Como se Taizé tivesse sido criado, há sessenta e quatro anos, para ir até este acontecimento, afirmando que a esperança é mais forte do que o mal e mais sólida do que a morte. Como para dizer que Taizé tinha razão.

Mestre
O irmão Roger não era um pensador, no sentido em que certas pessoas são capazes de criar escolas de pensamento. Não era um teórico no sentido de criar conceitos para fazer reflectir longamente. Ele era alguém que acompanhava, uma espécie de guia que nos pega pela mão e nos conduz por caminhos dos quais desconhecíamos a extensão e o destino. Ele dizia coisas simples e claras. Os seus livros e as suas meditações eram escritos numa linguagem simples, lúcida, sem pretensão nem artifícios rebuscados. Ele meditava modestamente. E deve ser por isso que algumas pessoas consideravam que a tudo isso faltava substância, que havia, nos seus escritos, gentileza, bondade, virtudes morais e pessoais, mas pouca erudição e aprofundamento. O caminho fácil! Ele falava à humanidade inteira, e particularmente a essa parte da humanidade sempre presente e sempre a renovar-se a si mesma que é a juventude, em quem ele tinha uma confiança infinita. E não se enche a juventude com dogmas rígidos ou com considerações complexas. E a evidência evangélica, se não tiver o gosto e a forma evidente, parece pesada, oprime, apresenta-se mais como um dever do que com entusiasmo. Irmão, mestre, pai, mesmo avô, guia? Tudo isto, certamente, mas principalmente o modesto papel daquele que, à frente do grupo, sustém bem alto a lanterna que ilumina o caminho e diz: olhem bem, venham por este caminho, sigam-me. Não há dúvida de que isso é que é ser um profeta. Não um sábio. O profeta não se faz munir de uma biblioteca inteira, não tem jurisdição, não avança num trono de jurisprudência, não tem compatibilidades, não vela constantemente sobre o estado do seu poder, não percorre os estúdios de televisão, mas centra-se no essencial: eis aquilo que, na minha opinião, pode dar sentido à vida. Ele revela o sentido e indica a direcção. Depois cabe a cada um escolher, escolher-se. O irmão Roger terá sido, sem dúvida, um dos maiores dos nossos contemporâneos. Aquele de três gerações, as três gerações que se aglomeraram terça-feira, sob a chuva miudinha de Taizé, para o seguir, mais uma vez. Não o fundador de um império, não um poderoso da indústria ou do comércio, não um vaidoso da celebridade mediática, não um opulento do património e dos bens efémeros. Não deixou nada concreto, material, palpável ou negociável. Fundou uma parcela da humanidade, como se tivesse reinventado uma forma de se ser humano. Com palavras de todos. «Santo subito!», pedia um cartaz na terça-feira, no meio da multidão. Como em Roma para o Papa João Paulo II. Um cartaz sorridente, certamente tão irónico quanto sincero. Se ele ali estivesse de pé, em vez de deitado no seu caixão de madeira branca, teria sorrido e pedido que o retirassem. Não importa: se não havia santidade nesse homem, onde haverá?

Bruno Frappat, jornal «La Croix»


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