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A10, até ao centro
2006-07-27 20:57:03

É na auto-estrada 10, entre Bordéus e Paris, a subir na velha Europa a 140 kms/hora “até ao centro” do laicismo, que aproveito para ler, finalmente, “Maria”, de Jacques Duquesne.

O jornalista e escritor francês, que viveu a experiência dos bombardeamentos nazis na II Guerra Mundial e dedicou a carreira à temática religiosa, provocou a ira de alguns sectores da Igreja Católica ao ousar publicar uma reflexão objectiva e controversa sobre a figura de Maria – mãe de Jesus –, como fizera já com o próprio Jesus, em livro publicado em 1997.

Não hesito em referir as obras de Jacques Duquesne como importantes contributos para o debate moderno sobre a essência do cristianismo. Para lá da exegese e da teologia, Duquesne faz o enquadramento crítico e desapaixonado dos escritos e subscritos da fé cristã.

Com as “armas” do jornalismo, como repórter “por dentro” mas que fala “para fora”, Duquesne tudo questiona usando o contraditório. Recorrendo aos mais importantes pensadores, historiadores, teólogos e biblistas, oferece-nos agora uma polémica leitura sobre a mulher mais falada do mundo e, ao mesmo tempo, a que mais se sujeitou a deturpações históricas e manipulações grosseiras.

“Maria” não é uma anti-catequese, mas da curta e perspicaz escrita de Jacques Duquesne podemos perceber porque razão a abordagem está a gerar contestação. Como o próprio autor admite, é um livro que pode chocar os mais fervorosos devotos marianos. Não evita - pelo contrário, até acentua – a controvérsia.

É evidente que Duquesne não está preocupado com a sensibilidade dos mais devotos. Na acutilância dos “factos” apresentados e nas contradições expostas, vinga uma tendência de interpretação que reforça a ideia de um “confronto” com a versão “oficial” - leia-se: o dogma da Igreja.

Com a mesma acutilância e com o mesmo recurso ao contraditório, seria possível deixar ao leitor – mais ou menos crente, mais ou menos devoto – um espaço “limpo” desta tendência, para a devida reflexão. Mas as pistas estão lá todas e levam-nos ao grande debate que a Igreja enfrenta.

O novo século começa com um grau inédito de exigência pastoral. Parece cíclico, mas cada tempo tem as suas circunstâncias. Asfixiada por uma secularização crescente e alimentada pela comunicação global, a Igreja vê-se obrigada a “re-centrar” a esperança cristã, com a fórmula dos primeiros apóstolos. Ou seja, tem de justificar e justificar-se. Por um lado, reforçar as razões da institucionalização do cristianismo. Por outro, atenuar a argumentação normativa e doutrinária para se aproximar do homem moderno.

Como preservar, neste dilema, o que é verdadeiramente essencial na fé cristã? Vislumbro uma metáfora na viagem para Paris. Sigo com a ajuda de um sistema de navegação por satélite - GPS -, mas para chegar “até ao centro” qual será o melhor percurso?

Seria interessante ver os líderes das igrejas a colocar os dados - disponibilizados por dois mil anos de história - num imaginário GPS que simbolizasse a sociedade ocidental contemporânea.

Que caminhos indicaria o “aparelho” quando a “mensagem cristã” é anticlerical mas comungante e exigente, subversiva mas pela não-violência, nova mas tradicional e localizada, esperança mas morte e sofrimento, transcendental mas humana e libertadora, plural mas centralizada numa pessoa...?

Joaquim Franco
Jornalista
opiniao@sic.pt


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