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Povo chinês está a ser esmagado - Denúncias do Cardeal Joseph Zen Ze-Kiun
2006-05-01 14:49:36

Recentemente nomeado Cardeal, Joseph Zen Ze-Kiun é um homem lúcido, desassombrado, que a partir de Hong Kong observa a realidade chinesa e se preocupa com a evolução da Igreja numa sociedade profundamente capitalista e materialista. Sem meias tintas diplomáticas, fala de tudo, diz tudo. Acerca da China, afirma que o povo está a ser esmagado, que o governo controla tudo, mas que mesmo assim existe o risco de uma explosão. Justifica a aparente contradição: «A agitação social, sobretudo entre os camponeses, vem cada vez mais ao de cima. O desespero torna-se uma força.»

Como vê a Igreja na China?
Por um lado, há sinais de esperança; por outro, há sinais desencorajadores. Entre os sinais de esperança, estão a sagração dos bispos de Xangai e Xian, o que significa que a Igreja tem conseguido impor-se ao Governo, sem golpes teatrais: com paciência, com firmeza, e o governo teve de aceitar os bispos nomeados pela Santa Sé. Ao mesmo tempo, há muitas desordens, desuniões nas dioceses: bispos legítimos que não estão de acordo; e depois, naturalmente, o secularismo está a contagiar o clero. Na política, apesar da abertura da economia, a democracia não fez qualquer progresso. Conseguem continuar a controlar, com a ajuda da técnica moderna e dos servidores da Internet.

Mas será cada vez mais difícil controlar...
Sim, mas neste momento conseguem ainda controlar. E também não existe democracia no Partido. E é perigoso, porque se não mudam será um desastre: a certo ponto rebentará. O povo é esmagado. Ao longo desta costa há prosperidade e muita corrupção. Mas no interior são ainda paupérrimos. A agitação social, sobretudo entre os camponeses, vem cada vez mais ao de cima. O desespero torna-se uma força.

Voltando à Igreja, um dos sinais positivos são as numerosas vocações, os seminaristas. Como vê a preparação do clero?
Eu tenho estado nos seminários: comecei em 1989 em Xangai; depois de 1993 a 1996 estive noutros seminários. Ao todo são sete seminários maiores. Havia muitas vocações provenientes de famílias que tinham muitos filhos. Mas actualmente o número diminuiu. Desde há muito tempo que as vocações florescem em algumas províncias, mas não é um fenómeno generalizado: nas grandes cidades não há vocações. Em Xangai, em Pequim... não existem. Actualmente a maior parte dos padres não são chineses. As vocações diminuíram por toda a parte devido à política de um casal-um filho. O número é uma coisa. Depois há a questão da qualidade. Quando entrámos sentimo-nos impotentes para ajudar. Faltava a formação, o director espiritual. Havia já uma grande preocupação com o discernimento. Nestes últimos anos tem havido muitas deserções. Além disso, apesar de os seminários estarem cheios, o número de padres que se ordenam não chega, porque há muitos idosos e os jovens saem a conta gotas: então, são senhores em tudo, situação muito perigosa, especialmente quando não houve uma maturação profunda. O seminário pode ter disciplina, uma atmosfera de oração, mas é o grupo que vai adiante. Uma vez que se encontram sozinhos, talvez numa paróquia distante, senhores absolutos, com pressões de todos os lados (os idosos que vêem com suspeição estes jovens padres, a nova liturgia que nem todos aceitam, o governo que põe obstáculos, e depois uma religiosa jovem na paróquia...) encontram-se em situações preocupantes. Recentemente muitas dioceses sentiram a necessidade de exercícios (nós mandamos de boa-vontade padres para pregar os exercícios)... Há uma grande necessidade de formação espiritual. É uma situação ambivalente.

Uma aproximação afectiva
E quanto às relações da Igreja oficial com a Igreja clandestina. Há uma reconciliação em vista?
Antes de mais, não se imagina como o Governo controla tudo. Não fazem ideia de como tudo é controlado. Nesta situação, não é possível um verdadeiro diálogo entre as duas partes; pura e simplesmente não é possível. Por outro lado, é possível uma aproximação afectiva. Temos de compreender que somos todos a mesma Igreja e que por isso não devemos combater-nos e alimentar preconceitos... Pelo menos não nos combatermos. Mas que seja possível unir-se, não. Não é possível, porque o Governo controla tudo. Naturalmente, a situação é diferente entre uma igreja e outra. Em muitos lugares não existem grandes guerrilhas entre as duas partes, há uma coexistência pacífica. Mas não é possível colaborar em conjunto. Tomemos o exemplo de Xangai. Xangai é uma diocese onde tanto a Igreja oficial como a Igreja clandestina são fortes. Muitos fiéis da Igreja clandestina têm má impressão do bispo da Igreja oficial. Mas pouco a pouco vêem que o bispo da Igreja oficial, embora tenha tido algumas manchas na sua vida, faz as coisas bastante bem... Depois vieram a saber que ele estava em contacto com Roma. E recentemente soube-se que finalmente foi reconhecido por Roma. E sabem que o novo bispo auxiliar é muito bom e é aceite também pelos membros da Igreja clandestina: sabem que é um bom padre, um santo homem. Portanto, podem viver em paz juntos. Os padres, individualmente, podem também favorecer a outra parte: um padre da Igreja oficial pode deixar que alguém da Igreja clandestina vá participar na missa na sua igreja. E alguém da Igreja clandestina pode sentir o desejo de se unir à Igreja oficial, que actualmente é reconhecida pelo Papa. Neste momento, o Governo até gostaria que a Igreja clandestina viesse toda ela à luz do dia. Mas é uma armadilha: uma vez saída da clandestinidade, o bispo deixaria de ter o comando; o Governo é que passaria a mandar. Por isso é perigoso. Eu tomei a liberdade de ir a Roma dizer «atenção», achavam que uma vez que este bispo sucedesse aos dois prelados – porque é aceite pelos dois – podiam convidar os dois velhos bispos a retirarem-se e as duas Igrejas a unirem-se, mas neste momento não é absolutamente possível. Não cometam este erro, porque é pôr toda a Igreja clandestina nas mãos dos comunistas. Neste momento não é possível, e o jovem bispo tem necessidade de tempo.

Visto do lado de fora, tinha-se compreendido que a falta de diálogo entre as duas Igrejas era sobretudo um problema histórico e na medida em que os idosos fossem substituídos haveria condições para melhorar a relação. Agora diz que enquanto o Governo controlar tudo não é possível...
Como procede o bispo oficial para falar com o bispo clandestino? Tem de fazê-lo sob o olhar do Governo, não há liberdade. Ai dele se vai encontrar-se secretamente com o bispo clandestino. No dia seguinte põem-no sob prisão domiciliária...

Há progressos no diálogo diplomático da China com Roma?
Os progressos são poucos. Falam do longo prazo e que talvez entretanto fosse melhor resolver a questão dos bispos (muitas dioceses têm necessidade de um bispo)... Eu receio que eles imponham os seus bispos. Se a Santa Sé está disposta a ceder, é perigoso. Nomear um certo número de bispos jovens que não caiam bem, é criar um problema.

Parece que não há interesse no diálogo por parte de Pequim. Porquê?
Não sei. Provavelmente porque viram que o Papa João Paulo II era anticomunista; talvez o facto da canonização dos mártires os tenha provocado realmente; ou talvez porque não sentem necessidade disso. Porquê aceder a fazer pactos se dominam muito bem a Igreja, ninguém pode levantar a voz, todas as nações fazem questão de dizer uma palavra sobre os direitos humanos mas depois ficam caladas para conseguir os negócios... Que necessidade há de comprometer-se com a Santa Sé? Eu consigo compreender muito bem que não sentem necessidade disso. Mas parece que, com a morte de João Paulo II, viram que todo o mundo estava no funeral; então talvez tenham visto que convém prosseguir.

Antes pensava-se que o Governo chinês estava interessado no diálogo porque a Santa Sé tem uma posição de prestígio no concerto das nações...
Mas não davam grande importância a esse prestígio e não lhe tinham medo porque no fim de contas todas as nações fazem bons negócios com eles.

Sobretudo em África. A China está a fazer negócios com todos, sem escrúpulos em matéria de direitos humanos...
Esse é o problema. Todos vêem apenas o dinheiro, os negócios e mandam os direitos humanos passear!

Liu é o papa chinês
Em 2008 haverá os Jogos Olímpicos em Pequim. Será uma boa oportunidade para a Igreja, para a abertura?
Não servirá de nada ou servirá de muito pouco. Houve os Jogos Asiáticos. Não são como os Olímpicos, mas quase semelhantes; a Igreja não teve benefícios. Antes dos jogos prenderam alguns padres e alguns bispos; depois dos jogos libertaram-nos. Foi isso o que nós ganhámos.

Os cristãos estão a vencer na China ou não? Nos últimos meses as notícias falam de grandes conversões e de que o número dos cristãos teria superado o dos inscritos no Partido Comunista. É verdade?
Não temos dados para confirmar esse facto. Sabemos que os protestantes fazem grandes progressos, mas quanto aos católicos não sei. No Sínodo disse que estamos a vencer, porque impusemos ao governo os bispos de Xangai e de Xian, mas a estrutura permanece ainda aquela que é. Por exemplo, os bispos convidados pelo Papa para o Sínodo não puderam ir. Até os do Vietname foram. E os da China não.

O que é que a Igreja universal ou as Igrejas particulares podem fazer para ajudar a Igreja na China? Neste momento, o que é que acha que seja oportuno fazer?
Muitos estão a fazer muitas coisas, discretamente. Mas naturalmente é preciso saber a língua. Os chineses originários da China continental têm mais ocasiões de trabalho: não são notados e então podem fazer muitas coisas. Pelo contrário, alguém que não seja do lugar vai lá mas pouco depois é notado, porque existe ainda um controlo capilar, embora um pouco menos do que antes. Em tempos, qualquer um que chegasse tinha de se apresentar, senão ia contra a lei e podia ser preso. Em Hong Kong há muitos que vão lá fazer cursos, exercícios espirituais, etc. Até mesmo qualquer estrangeiro que saiba a língua consegue entrar: dirige-se à Igreja clandestina, fica ali escondido um mês e faz algum curso de actualização. Nós íamos ensinar no seminário: eu fui o primeiro em 1989. E fi-lo durante sete anos. Empregava seis meses por ano para ensinar nos seminários. No início ia só a Xangai. A partir de 1993 comecei também a ir a outros seminários: ia a sete seminários para ensinar. Mas agora não é fácil. O controlo é cerrado. Em Xian não é permitido, porque o bispo não obedeceu e estão a castigá-lo. Em Hebei não confiam porque embora ali exista a Igreja oficial é mais clandestina que oficial, dizem. Até mesmo em Xangai; o bispo de Xangai é poderoso em Xangai, mas não é poderoso face a Pequim. Ora convidar os professores depende de Pequim. Ele manda uma lista de 12 e Pequim aprova cinco. Ele protesta e eles respondem: «Estes sete vieram demasiadas vezes!», mesmo se foram só uma vez. Ele não tem poder: o poder cabe a Pequim. É Liu Bai Nie (o secretário executivo da Associação Patriótica) que faz tudo. Ele é o papa. Agora, depois que morreu, há alguns anos, o líder da Conferência Episcopal, e o bispo Michele Fu de Pequim, o dirigente da Associação Patriótica, está doente, Liu Bai Nie controla tudo. Provavelmente é membro do Partido mesmo se se diz cristão.

A si não o deixam ir para lá...
Não. Eu tenho de ser convidado. Não dizem que não posso ir, dizem: «O senhor tem de ser convidado».

Se tivesse que expressar um desejo sobre a China, qual seria?
Não se pode separar a Igreja da China É preciso que algum dirigente inteligente e corajoso faça algumas reformas. Não é só a Igreja, é todo o regime que não mudou substancialmente. Aparentemente muita coisa mudou, mas há ainda um controlo absoluto. Não se sabe o que pode acontecer. Não há legalidade, podem prender-nos a qualquer momento por um pretexto qualquer. E no Ocidente ninguém nos vai defender.

Hong Kong - É preciso salvar a democracia
O controlo chega até aqui a Hong Kong?
Não, aqui é outra coisa. Há muitos anos que estamos separados da China e o controlo da autoridade não chega aqui. Mas agora há sinais preocupantes. Quando se tratava de assegurar a transição faziam todas as promessas: um país dois sistemas, um elevado grau de autonomia... Mas estão a interferir cada vez mais. E estão a dominar através das pessoas que lhes obedecem, e há gente de Hong Kong que em nome dos seus interesses atraiçoam Hong Kong. Os melhores amigos do regime são os ricaços de Hong Kong. Além de possuírem o dinheiro, querem ter a autoridade. Por isso, não existe verdadeira democracia. É necessário lutar para a salvar. Por exemplo, a manifestação do 1.º de Julho de 2003 reuniu meio milhão. Porquê? Porque estavam a propor leis anti-subversão que praticamente limitavam a liberdade. Então levantámo-nos e fizemos a grande manifestação que meteu medo. Alguém no seio do Governo mudou de posição sobre este assunto, por isso o Governo teve de retirar o seu projecto de lei. Mas houve um grande perigo de a lei passar. Quanto à Igreja, não procuraram limitar a liberdade religiosa, mas fizeram leis novas contra as nossas escolas. Infelizmente nem sequer os nossos farejaram o perigo. Isto é, acordaram demasiado tarde. Com o Conselho Legislativo como está agora, qualquer lei passa. Segundo esta lei amanhã já não seremos nós os donos das escolas.

Perderam a liberdade?
Agora há um sistema em que o Governo nos controla a nós e nós controlamos a escola. Somos ainda senhores da escola, mas amanhã já não o seremos. Cada escola terá um comité directivo e torna-se autónoma, directamente dependente do Governo; e nós seremos postos de lado. É uma coisa desmedida. Estamos a procurar revogá-la, porque nos parece que isto é contrário até mesmo à lei basilar em que se diz que as comunidades religiosas têm o direito de ter escolas segundo o modelo anterior, segundo a prática original. Esta lei mudou as coisas radicalmente. Os nossos advogados dizem que há esperanças, então apresentámos a causa.

Quais são os problemas e as possibilidades da Igreja de Hong Kong?
A Igreja está bastante activa. Há muita juventude. Fizemos um sínodo há três anos, que teve sucesso. Fizemos bons propósitos e procuramos segui-los. Nas paróquias há vida. As vocações, porém, são poucas: neste momento contam-se pelos dedos. A sociedade está muito secularizada e propõe muitas coisas para desfrutar. Os jovens dão uma ajuda nas paróquias de boa-vontade, mas empenhar-se a longo prazo não é com eles. Sentem-se um pouco inseguros até pelas condições que vivem nas famílias. Temos muita gente até mesmo no Governo e nos postos cimeiros da sociedade. Mas infelizmente não conhecem bem a Doutrina Social da Igreja. Vivemos num sistema capitalista favorável aos ricos e o fosso entre ricos e pobres alarga-se. Somos quase os primeiros nesta matéria. Esta estrutura política é totalmente a favor dos ricos, dos capitalistas. Eles detêm a maioria no Conselho Legislativo. Por isso chumbam qualquer lei a favor dos pobres, dos operários.

Está a dizer que o impacte social da Igreja está a diminuir e que esta não tem maneira de interferir no rumo da sociedade segundo os valores do Evangelho?
Estou a dizer que a Igreja poderia ter muito mais influência. A influência é mais no social, não no político. O maior líder dos democráticos – embora já não seja o líder – é um católico. No Governo há muito católicos, mas favorecem o sistema capitalista. Nós temos influência sobretudo através das escolas. Onde pregamos o Evangelho, há boa conduta civil, honestidade nos negócios... Mas o sentido social e político não parece que tenha feito parte desta educação. Só recentemente, através da Comissão Justiça e Paz, é que estamos a levar todas as paróquias a sentirem-se implicadas socialmente. Nestes anos intervim activamente no campo dos direitos humanos. Espero ter despertado um pouco o sentido social da Igreja.

Como vive a Igreja de Hong Kong a dimensão missionária?
Nós tivemos sempre a ajuda dos missionários: temos ainda muitos aqui. Sem eles não conseguimos caminhar em frente. Menos mal que vêm ainda jovens missionários. Mas nós fazemos pouca missão. Temos leigas que vão para a África ou para o Camboja, mas são muito poucas. Recentemente mandámos um padre para a África, mas só por três anos. Nós não fazemos muitos esforços missionários. Os padres estão demasiado bem.

O senhor é filho de Dom Bosco. Os Salesianos estão a celebrar o centenário da sua presença na China. Qual é o desafio que estes 100 anos lhe lançam?
Tivemos verdadeiramente grandes missionários. Dedicados, empenhados. E hoje temos talvez uma vida demasiado cómoda. O nosso superior-geral disse que devemos rezar para obter a graça de acordarmos. E o Papa, neste Natal, escreveu no cartão de boas-festas: «Acordai, porque o Senhor encarnou; acordai!». O Senhor espera de nós mais zelo apostólico, mais zelo no anúncio do Evangelho.

Entrevista: José Rebelo e Manuel Augusto Ferreira, Missionários Combonianos - in “Além-Mar”, Abril de 2006

Fonte Ecclesia

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