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Continuidade no Vaticano mas com estilo diferente
2006-04-19 22:37:48

Visto como um "duro" enquanto guardião da doutrina da fé, Joseph Ratzinger surpreendeu no papel de Bento XVI ao continuar neste ano de papado o caminho do diálogo inter-religioso e ecuménico e ao chamar os seus opositores para conversar. Discreto e profundo, mas consciente de que guia os católicos em tempos conturbados, o Papa que sucedeu a João Paulo II dirige o discurso para o interior da Igreja e foca- -o no essencial da fé cristã: a caridade.

Neste ano passado desde a sua eleição a 19 de Abril de 2005, o mundo tem assistido à actuação de um Papa promotor da comunhão que dialoga com os seus opositores e com os dissidentes, realçaram os especialistas ouvidos pelo DN. Hans Kung, teólogo crítico do Vaticano, e os membros da Fraternidade de São Pio X, grupo de católicos integristas seguidores de Marcel Lefebvre, foram alguns convidados de Bento XVI para dialogar.

"Nota-se uma preocupação em congregar sectores afastados e que estão em ruptura", afirma Peter Stilwell, teólogo. O professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica lembra ainda os encontros com a comunidade ortodoxa e protestante, sector onde ainda há, porém, sinuoso caminho a percorrer.

Mas a voz "estrondosa" de João Paulo II, marcada por um discurso tenso centrado na ética e na moral e virado para as questões do mundo, deu agora lugar, com Bento XVI, a uma mensagem mais teológica e sistemática, mas também mais difícil. Os destinatários são essencialmente os católicos, e não os homens de boa vontade, e antes de falar para as multidões o Papa sabe que tem de enviar recados para o interior da Igreja. "Sentiu necessidade de se afirmar internamente. Está preocupado com as coisas do mundo, mas sabe que a sua eleição suscitou tensões no interior da Igreja e que é preciso resolvê-las", explicou Peter Stilwell.

E é nos sectores mais progressistas da Igreja, de onde surgiram as resistências à sua eleição, que continuam a ser reclamadas as reformas consideradas urgentes na Igreja Católica. "Neste primeiro ano assistimos a sinais positivos, mas há também sérias falhas, que são alvo de grande preocupação", diz o movimento internacional Nós Somos Igreja num comunicado que faz o balanço da actuação do Papa. Os cristãos continuam à espera de respostas, lembra o movimento, para questões polémicas como o papel das mulheres na Igreja, o celibato, a sexualidade e os temas da justiça e da paz.

Discreto e mais concentrado nas questões teológicas do que em banhos de multidão, o actual Papa é um homem do pensamento e da cultura, lembra Peter Stilwell. "O humilde trabalhador da vinha do Senhor", como se autodesignou o cardeal Ratzinger no seu primeiro discurso como Papa, "centrou o seu ministério no essencial da missão da Igreja: a caridade", considera D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga. "Houve momentos de grande movimentação durante o pontificado de João Paulo II, agora é preciso acalmar e sedimentar o papel da Igreja, e chegar à mensagem principal, que foi a transmitida na sua primeira encíclica."

A necessidade de sedimentação na Igreja Católica faz deste pontificado uma continuação do anterior, considera Peter Stilwell. Embora com estilos muito diferentes. João Paulo II tinha uma acção mais "barulhenta", sublinha D. Jorge Ortiga. Bento XVI não tem este carisma que torna o Papa uma personalidade tão mediática, acrescenta. Mas por outro lado, adianta Peter Stilwell, "não sei se no tempo de João Paulo II havia tantos escaparates nas livrarias com obras do Papa como agora". O Papa tem suscitado uma atenção muito grande do mundo intelectual, acrescenta o arcebispo de Braga.

Um ano ainda é pouco tempo para antever o futuro, alertam os especialistas ouvidos pelo DN. Mas, pelo que já se conhece de Bento XVI, pode dizer-se que este não será um tempo de rupturas. Mas as reformas dentro da Cúria Romana, aguardadas com expectativa, ainda estão por fazer, ressalva Peter Stilwell. "É importante este trabalho, e como homem conhecedor da Cúria, esperava-se que actuasse logo aqui. Mas ainda não se viu nada."

O desafio chinês

No campo político, Bento XVI tem tido um caminho mais discreto do que João Paulo II. No entanto, a aproximação à China (que deixa em aberto a hipótese do reatamento de relações diplomáticas) e as recentes declarações pascais sobre a situação da Palestina, do Iraque e do Darfur vieram colocar questões políticas na agenda do Vaticano. O Papa mostrou-se preocupado com a violência e a fome nestas regiões e aos israelitas e palestinianos pediu um diálogo paciente e perseverante. No caso da polémica nuclear entre a ONU e o Irão, Bento XVI pediu "sensatez".

A condenação das polémicas caricaturas de Maomé também caiu bem à comunidade islâmica portuguesa, que não esconde surpresa perante a actuação de uma pessoa conhecida por ser tão conservadora. "Foi importante para os muçulmanos perceber que não foram apenas eles a não gostar das caricaturas. E que até as outras religiões, e a católica na figura do Papa, não tinham achado piada", diz o xeque Munir, imã da Mesquita de Lisboa.

As viagens marcadas à Polónia, onde visitará o campo de concentração de Auschwitz, e à Turquia deverão ser motivos para o Papa deixar algumas mensagens políticas. Até agora, Bento XVI só fez uma viagem para fora de Itália (Alemanha, em Agosto de 2005), mas até final do ano deverá também visitar a Espanha e uma segunda vez a Alemanha.

Rita Carvalho

Fonte DN

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