paroquias.org
 

Notícias






Os segredos da meditação cristã
2006-04-17 22:56:57

Laurence Freeman, OSB, director da Comunidade Mundial de Meditação Cristã, explica à Agência ECCLESIA a importância da oração na vida de um católico dos nossos dias
.
A busca de formas de espiritualidade diferentes daquelas que nos habituámos a ver na Igreja Católica tem levado muitas pessoas a procurar respostas noutras religiões ou filosofias, em especial do Oriente. Laurence Freeman, OSB, director da Comunidade Mundial de Meditação Cristã (www.wccm.org), fala da importância de recuperar, na Igreja, a ideia de procurar Deus no silêncio e na quietude, para além das palavras ou pensamentos.


Agência ECCLESIA – Como se pode definir a Meditação Cristã?
Laurence Freeman – Bem, a Meditação Cristã é uma tradição de oração, no Cristianismo, em tempos chamada oração do coração ou oração.
Muitos de nós crescemos a pensar na oração como pensar ou falar com Deus e de rezar, pedindo pelas nossas necessidades ou louvando a Deus nas igrejas. Tudo isto é necessário e válido, mas penso que no Cristianismo moderno esquecemos a dimensão contemplativa da oração.
Por isso, o que estamos a fazer na nossa comunidade, em todo o mundo, é tentar ensinar e lembrar as pessoas a respeito desta dimensão contemplativa da oração, procurando ainda mostrar um método prático, fruto da tradição cristã, que nos permite ir da mente para o coração.
Isso é o que a teologia da oração cristã ensina, o objectivo da oração é a contemplação. Por isso, ensinamos um método simples que aprendemos da tradição monástica.

AE – Como tem sido recebido este trabalho da Comunidade Mundial de Meditação Cristã?
LF – Este esforço de ensinar a meditar está em crescimento, a nossa comunidade – não somos uma grande organização – está presente em 110 países, com grupos de meditação semanal em mais de 60 países e centros de meditação em muitos lugares.
Trabalhamos, como é claro, com muitas dioceses e Bispos, para introduzir a meditação cristã na vida das paróquias.
Ao longo dos últimos 30 anos, desde que John Main, monge Beneditino irlandês, fundou a Comunidade, temos estado a crescer.

AE – E em Portugal?
LF – Vim aqui pela primeira vez há 10 anos e, neste momento, já há diversos grupos de meditação que se encontram em várias partes do país.

AE – As pessoas costumam identificar o catolicismo com ensinamentos morais ou actos litúrgicos. Qual é a importância da oração para os católicos?
LF – Penso que é muito importante que os católicos recuperem o sentido da oração contemplativa na sua vida como cristãos. De outro modo, hoje, esquecemos o sentido das Escrituras, da Missa ou dos Sacramentos.
As outras formas de oração dependem, cada vez mais, da dimensão contemplativa, em especial para os jovens. Muitos deles procuram uma experiência mais profunda e assim que esta lhes é apresentada, as outras formas de oração e as Escrituras, os ensinamentos da teologia ganham mais sentido.
A busca por esta experiência mais profunda está a acontecer na nossa sociedade. Muitas pessoas abandonam a Igreja, nesta busca, e vão à procura noutras religiões

AE – Porquê é que estas pessoas não encontram o que procuram na Igreja Católica?
LF – A questão é perceber porque é que nos esquecemos disto. Na história da Igreja, no Ocidente, em especial no tempo da Reforma, esta dimensão contemplativa da oração e, por isso, a da fé cristã em geral foi colocada de lado, era uma especialidade de monges e freiras.
Houve também uma certa suspeita sobre a contemplação, que deixou de ser ensinada aos Mestres, os padres e os religiosos nos seminários não recebiam ensinamentos sobre ela. Eu, por exemplo, lembro-me de falar a um padre idoso, ordenado há cerca de 50 anos, que me disse ter falado com o seu director espiritual e perguntado a respeito da oração contemplativa. A resposta que recebeu é que devia ignorar essa oração, se queria ser padre não devia estar interessado em contemplação, isso era coisa de monges.
Era muito comum que, na formação do clero, a dimensão contemplativa da oração não fosse abordada, pelo que entravam no seu ministério sem experiência nem formação sobre a meditação.

AE – A busca pela espiritualidade nas sociedades ocidentais tem-se dirigido para o Oriente. É possível fazê-la dentro da Igreja?
LF – Se quisermos encontrar alguma coisa dentro da Igreja temos de ensiná-la dentro da Igreja. É preciso recuperar a nossa própria tradição contemplativa e praticá-la, encorajá-la. Isso é o que a nossa Comunidade tenta fazer, em colaboração com muitos Bispos e responsáveis da Igreja por todo o mundo.
É interessante perceber, hoje em dia, que os professores da contemplação serão os leigos: há aqui dois elementos fundamentais da Igreja do futuro – um, que será uma Igreja contemplativa, como disse Karl Rahner, o grande teólogo alemão; o outro, é que o laicado desempenhará um papel muito mais importante na liderança espiritual e material da Igreja.

AE – São Bento é um dos pais da Igreja no Ocidente e agora os Beneditinos viram-se para o Oriente...
LF –A tradição contemplativa sempre foi transmitida, de forma especial, pelas instituições monásticas, embora muitos mosteiros tenham esquecido a importância da meditação. São Bento diz, nas sua Regra, que ela é uma pequena regra para iniciantes e quem quiser ir mais longe, mais fundo, tem de ler as conferências dos Padres – e com isto, referia-se especificamente às obras de S. João Cassiano, mestre de São Bento, um monge do século V que trouxe para o Ocidente os ensinamentos dos Padres do deserto.
Ele é a nossa grande fonte na tradição cristã, tanto no Ocidente como no Oriente, para a Igreja Latina e para os Ortodoxos, por causa do seu ensinamento sobre a contemplação e pelo método muito simples que descreve. Este método é o que nós ensinamos.

AE – Muitas das suas conferências são sobre o tema da Beleza. Esta dimensão também se perdeu?
LF – Sim, penso que se tem negligenciado a beleza como um caminho para Deus. Antigamente falava-se de Deus como Beleza, Verdade e Bondade. Colocámos muita ênfase na Verdade, chegámos a matar-nos por causa da definição de Verdade, mas também acontece que nos interessamos tanto pela Bondade que só falamos da moralidade.
O Cristianismo é mais do que a moralidade, não nos podemos esquecer da Beleza, a qualidade do divino que encontramos no mundo material, é uma recordação da incarnação. Quando começamos a praticar a meditação, ligamo-nos ao mundo material e à sociedade humana de um modo mais incarnado.
A meditação é, de facto, um modo mais incarnacional de rezar, não é oração mental, é a oração do coração.

Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia