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Jesus crucificado pela forma como comia
2006-04-14 21:55:08

Investigação bíblica recente aponta refeições como ocasião para palavras e acções de Cristo que provocam escândalo aos seus adversários.

Um "comilão e um ébrio, amigo de publicanos e de pecadores". É desta forma que Jesus é criticado por vários dos seus opositores: a refeição é um dos aspectos mais significativos do ministério de Jesus Cristo, até agora ignorado pelos especialistas. Mas, nos últimos tempos, aumenta a investigação bíblica em torno do tema e há mesmo quem diga que, segundo o Evangelho de Lucas, Jesus foi crucificado pela forma como comia. Hoje, Sexta-Feira Santa, os cristãos assinalam precisamente o dia da morte de Cristo.
José Tolentino Mendonça, exegeta bíblico, cita o frade franciscano Robert Karris, um dos que propõe essa tese. Recordando vários episódios em que Jesus é hóspede em casas de fariseus, um dos grupos proeminentes do judaísmo do seu tempo, o professor da Faculdade de Teologia (FT) diz que, apesar do seu estatuto de convidado, Jesus torna-se "um hóspede inconveniente".
Tolentino Mendonça antecipa deste modo o tema de uma sessão de um seminário que irá dirigir em Maio, na FT da Universidade Católica. Essa será a última de quatro sessões sobre a investigação histórica acerca de Jesus, onde passaram temas como o perfil biográfico, o contexto judaico e as mulheres na vida de Jesus.
Num dos episódios referidos - o capítulo 11 do Evangelho de Lucas - o anfitrião espanta-se por Jesus não se lavar antes da refeição. Isso vale um longo discurso contra a hipocrisia ritualista: "Vós limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e de maldade." Tais afirmações são, segundo o relato, pretexto para que os doutores da lei e os fariseus procurem armar ciladas contra Jesus, para o acusarem (ver caixa).
No seu livro Luke: Artist and Theologian (Lucas: Artista e Teólogo), o norte-americano Karris regista 40 passagens que fazem da comida um tema dominante no Evangelho de Lucas. Na maior parte delas, estabelece-se uma relação directa entre a refeição e o tema da salvação e da justiça.
Nesse contexto, o frade franciscano e exegeta bíblico conclui: "Jesus foi crucificado pela forma como comia. Os líderes religiosos não podiam tolerar este profeta das boas notícias para os pobres que não apenas pela palavra, mas especialmente nas refeições criticava o modo de vida [desses líderes]." Essas refeições são uma "parábola em acto da justiça de Deus".
Outro importante biblista da actualidade, Joachim Jeremias, concorda com esta visão, quando diz que as refeições descritas nos evangelhos são "a mais significativa expressão do amor redentor de Deus". E por diversas vezes esses momentos são ocasião para que os adversários de Jesus lhe censurem o facto de se sentar à mesa com cobradores de impostos, publicanos ou pecadores.

"Uma actuação anárquica",
que "soa a escandalosa"
A acção de Jesus "ultrapassa o que era aceitável", comenta Tolentino Mendonça. Quando fala do banquete como símbolo escatológico, Jesus diz que se devem convidar aqueles que são o "refugo". "Pobres, impuros e pagãos, aqueles personagens-tipo que um fiel tinha a obrigação de afastar do seu convívio são mais do que convidados, são impelidos, obrigados a entrar no banquete, exprimindo assim o triunfo da graça [de Deus] sobre a sua falta de preparação", escreve o professor de Bíblia num textopublicado na revista de teologia Communio.
O comportamento de Jesus nessas refeições é tanto mais escandaloso quanto entra em confronto não só com a lógica de grupos como os fariseus, como também com o que se dispõe em outros livros bíblicos. Num texto do Levítico, escreve-se: "Nenhum dos teus descendentes, em qualquer geração, se aproximará para oferecer o pão de seu Deus, se tiver algum defeito. Pois nenhum homem se deve aproximar, caso tenha algum defeito, quer seja cego, coxo, desfigurado ou deformado."
Ao contrário do estabelecido nessa prescrição, Tolentino Mendonça recorda que, para Jesus, os convidados preferenciais devem ser os "estropiados, coxos e cegos". Ele mesmo mantém uma "reconhecida comensalidade com gente moralmente inconveniente". A comunidade de mesa de Jesus com os pecadores, diz o professor da Faculdade de Teologia, "era tida pelos adversários como uma insolência de Jesus". Era "uma actuação anárquica do ponto de vista social e religioso".
Mas, no caso do Evangelho de Lucas, esses episódios em que Jesus convive com pecadores - as pessoas marginalizadas do seu tempo - mostram também que Jesus praticava o que dizia. Dava sentido à sua missão de "anunciar e concretizar o perdão de Deus", um dom divino "sem condicionamentos prévios e em acto". Uma insistência que "é tão inédita que soa a escandalosa".

Por António Marujo

Fonte Público

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