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Papa quer Igreja mais e melhor empenhada na justiça e caridade
2006-01-26 22:47:44

A primeira encíclica do Papa Bento XVI foi ontem divulgada no Vaticano e via Internet (www.vatican.va). Com o título Deus Caritas Est (Deus é amor), o documento aponta a necessidade de a Igreja se empenhar mais e melhor nas suas instituições de caridade. Ao mesmo tempo, o Papa quer que a caridade seja colocada no centro da missão da Igreja, num tempo e num mundo que associa o nome de Deus ao "ódio" e à "violência".

Na primeira parte do documento, assumidamente filosófico e teológico, Bento XVI propõe uma leitura positiva do eros grego, discutindo diferenças e aproximações entre o eros e o ágape cristão. Sob o título A unidade do amor na criação e na história da salvação, o Papa recorda, nesta primeira parte, que o cristianismo foi mesmo censurado por ter sido "adversário da corporeidade".
"Mas o eros degradado a puro "sexo" torna-se mercadoria, torna-se simplesmente uma "coisa" que se pode comprar e vender; antes, o próprio homem torna-se mercadoria", escreve Bento XVI. Por isso, adverte que o modo de hoje exaltar o corpo é "enganador". A palavra "amor" tornou-se "uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas" (ver excertos da encíclica).
Por contraste, escreve o Papa Ratzinger, o ágape cristão exprime o amor como verdadeira "descoberta do outro, superando assim o carácter egoísta que antes claramente prevalecia": "O amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o."

Igreja e Estado
Bento XVI avisa, no entanto, para a necessidade de olhar as duas dimensões - eros e ágape - como complementares e não opostas. E recorda mesmo que, na Bíblia, a paixão de Deus pelo seu povo é descrita por vezes "com arrojadas imagens eróticas". "À imagem do Deus monoteísta corresponde o matrimónio monogâmico", escreve o Papa, definindo aquele como "exclusivo e definitivo".
Com 78 páginas, o documento dedica a sua segunda parte - um pouco mais longa do que a anterior - ao tema da prática do amor pela comunidade dos crentes. "Toda a actividade da Igreja é manifestação dum amor que procura o bem integral do homem", começa por definir Bento XVI. "Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência", escreve.
Este papel não se deve confundir com o do Estado, ao qual compete promover a justiça. A Igreja não pretende ter "poder sobre o Estado", nem impor a quem não compartilha a fé cristã "perspectivas e formas de comportamento". Deseja apenas ajudar a formar as consciências e "contribuir para a purificação da razão e prestar a própria ajuda para fazer com que aquilo que é justo possa, aqui e agora, ser reconhecido e, depois, também realizado".
O Papa distingue ainda as funções da Igreja e do Estado, dizendo que compete a este construir "um ordenamento social e estatal justo". A Igreja, por seu lado, "não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça". Compete-lhe, através da razão e da "formação ética", contribuir para que "as exigências da justiça se tornem compreensíveis e politicamente realizáveis".

Competência e emoção
Uma ordem justa não torna "supérfluo o serviço do amor". Haverá sempre "sofrimento que necessita de consolação e ajuda", quem enfrente a solidão ou "situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo". Por isso Bento XVI diz que "um Estado que queira prover a tudo e tudo açambarque" torna-se "uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial": a "amorosa dedicação pessoal".
Neste contexto, Ratzinger defende o lugar da doutrina social católica: mesmo na "difícil situação em que hoje nos encontramos por causa também da globalização da economia", o pensamento da Igreja "propõe válidas orientações muito para além das fronteiras eclesiais".
O Papa chama a atenção ainda para o necessário equilíbrio entre "competência profissional" e "atenção do coração", entre organização e espiritualidade, bem como para a necessidade de os fiéis leigos intervirem na política na perspectiva da "caridade social".
Bento XVI penitencia-se, em nome da Igreja, por ela só tardiamente ter percebido de que, no século XIX, o problema "da justa estrutura da sociedade" estava a ser colocado em novos moldes. E alerta ainda: "No seio da comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna." A caridade não deve ser acompanhada de proselitismo, uma vez que "o amor é gratuito", escreve o Papa. Mas, na acção caritativa, os cristãos também não devem "deixar Deus e Cristo de lado".
Esta primeira encíclica do Papa foi escrita durante o Verão. A sua divulgação chegou a estar prevista para 8 de Dezembro, mas "problemas de tradução" adiaram a saída. Assinada com data do dia de Natal, a encíclica terá uma edição portuguesa já à venda a partir de amanhã (ed. Paulinas).

Fonte Público

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