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Os Espiritanos e o Mundo dos Imigrantes de Leste
2001-06-01 22:11:23

Os Espiritanos e o Mundo dos Imigrantes de Leste(Paróquias de S. Domingos de Rana e Tires – Cascais)
“Se um emigrante vier residir na vossa terra, amá-lo-ás como a ti mesmo. Não o oprimais. O emigrante será para vós um concidadão, porque também vós fostes emigrantes.... Eu sou o Senhor, vosso Deus...”-Lev. 19,33-36.


... (Não cometais injustiças nos salários. Não os roubeis. Tratai-os com humanidade e não como escravos. Dai- -lhes a dignidade do estatuto social e profissional que gozavam na sua terra...).

Vai com cinco meses que assentámos nossa tenda entre os Trabalhadores do Leste, essencialmente Ucranianos e Moldovos (Moldavanos).
Para escrever estas linhas, refugiei-me num anexo por eles habitado, com uma situação e panorâmica invejáveis. Amigo dos inquilinos disse : “Vai ser aqui que vou recobrar forças, rezar, parar, reflectir, escrever! ...”. Gentilmente ofereceram-me uma chave. Eles a trabalhar e eu no trabalho deles, na sua humilde casa de descanso das horas nocturnas, do ingente cansaço do dia. As outras, são poucas para trabalhar e, assim, atingirem as suas metas de imigrantes.
Mas quantos caminhos diferentes!... Como a sorte é madrasta para tantos!... Lutam, e sabem que os princípios terrivelmente difíceis, hão-de ir passando : “Padre, temos confiança (e aponta o Céu !) que o nosso futuro vai ser muito melhor. Venceremos!...” – dizia-me o Jurii com muita seriedade e confiança.
Mas isto a propósito de quê ?
É que há muito a minha pasta de papéis e papelinhos, problemas, endereços de firmas, “litígios” (salários não pagos), acidentes de trabalho, anda a rebentar pelas costuras. Quando vou com algum deles aqui ou acolá, vejo que muito gentilmente ma tiram das mãos. Não são deles os problemas ? Secretários ‘ad hoc’ !...
A pasta está pesada demais. O volume está no máximo. Foi-me oferecida nos vinte e cinco anos da minha ordenação, há oito anos. Ficou para ali, sem préstimo imediato, até este momento providencial ...
Mas nela há muitos nomes de colaboradores, mais ou menos directos. É tempo de a carregarem e repartirmos tarefas. É impossível e insustentável a situação para um só. Que já não sou só eu em muitas coisas. Daqui em diante falo do grupo, dos mentores da obra, da direcção futura e já um pouco presente, de toda esta aventura.

Do sonho para a realidade
Esperamos espaços para uma sede, vindos de mão oficial.
Já delineámos e temos em acção incipiente vários serviços indispensáveis. Serviços jurídicos, Cursos de Português, Emprego e relações laborais, Organização, Apoio social e religioso, Cultura e tempos livres ...
A confiança dos imigrantes é inexcedível. Que ror de expressões poderíamos empregar e como a sentimos, viva, sincera, directa. Só falta tempo para os serões em que nos dizem tudo - tirado ao tempo escasso para o descanso – e o nosso, que não é elástico ...
Sim, a organização já começou, a subsidiariedade e a repartição das tarefas também: Ficha de Inscrição no Curso de Português, ficha base de orientação inicial. Ficha de Voluntário. Ficha de Emprego. Ficha de Problemas. Tudo numa disquete, que multiplicará os exemplares e guardará a base de dados no computador. Mais um programa a fazer. Depois basta um clique e aparece-nos o que queremos.
Tenho de fazer uma pausa. Vou ao frigorífico, sirvo-me de um iogurte. Antes de fechar a porta, tomo o telemóvel, ligo ao Slav (Fábrica ‘Legrand’) e confesso-lhe a minha inauguração da sua casa (casal mais três amigos) e também o à vontade último. Do outro lado, o Slav riu-se, mostrou-se extremamente lisonjeado e rematou : “Muito obrigado, Padre”! De regresso, parece que só via Ucranianos e Moldovos a trabalhar em tudo o que era construção ...

O que mais atormenta os Trabalhadores
- Salários em atraso e a perder de vista (só com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em campo, SIS e a Polícia Judiciária a investigar !).
- Falências fraudulentas : uma apanhou mais de vinte trabalhadores de Leste e não sei se mais alguém, cada um entre duzentos e quinhentos contos em atraso. Promessas de “depois”, “no fim do mês”.. Por final, um sorriso cínico ao telefone. No outro dia nem telefone, nem fax eram atendidos. E, bem ao lado, nova firma, com mais um sócio, que diz nada ter com os salários anteriores. Veremos o fim desta odisseia e desplante, e a última risadinha cínica, quando se apelou para outros meios. Dois, vi-os chorar na minha frente. Entraram em colapso nervoso. Só recuperaram com a mão caridosa de dois patrões que os receberam.
- Muitas pequenas máfias (as grandes andam muito afinadas e escondidas) que os apertam na ilegalidade e para as quais pagam, sem saberem, pesado contributo mensal. É forçoso acabar com este estado de coisas, senão os períodos de legalização nunca mais vão acabar.
- Impõe-se uma triagem aos subempreiteiros, alguns incapazes de andarem na praça. Exigência também às firmas que os aceitam. Vão às subempreitadas mais baratas e quem paga são os trabalhadores. Obrigar as firmas a admitirem só empreiteiros ou subempreiteiros capazes de legalizarem os trabalhadores. Um ilegal, é ninguém, que, quando não interessa, ou quando “criou problemas” é para espantar como um cão. Tem-nos chegado tanto disto !
- Patrões desonestos, que fazem descontos incompreensíveis, mesmo com contrato de trabalho, e lhes ficam com o total das horas ‘extras’ (a única defesa de “sobrevivência” destes trabalhadores). O Orest aproximou-se de mim e fez o gesto de apertar o pescoço nele próprio : “Padre, mulher, máfia, dívidas”. Engenheiro “térmico”, mas gostando mais de dizer ‘canalizador’, passou fome, ficou sem forças. Uma firma, só com as quarenta horas de laboração, aceitou-o e ele disse : “sim, contrato, legalização”, apesar do salário de simples servente de limpeza e sem horas ‘extras’. Mas agora é este problema. Já lhe estamos a apontar a solução...
- Há zonas no País com mão de obra excedente, o que facilita situações anteriormente apontadas. Noutras, há escassez, mas condições de contrato, salários e alojamento excelentes. Não se poderá fazer nada a nível oficial, para desfazer estas assimetrias? Estamos em condições de ajudar a desfazer algum deste desiquilíbrio.
- A Lei prevê a reunificação da família. Quando os dois no casal estão legalizados, há situações de grande sofrimento, por causa da separação. É injusto. Diga-se claramente o que podem fazer.

Um médico, pintor nas obras e o Padre, servente
Médicos, toda a espécie de quadros e cursos superiores, começam bem por baixo, mas com uma dignidade impressionante.
O médico Nicolae veio para Portugal com licença do seu hospital. Apresentou-se numa firma de pintura. Disse a sua profissão, mas que reparações e pintura da sua casa, fora ele sempre que as fizera. A firma aceitou-o como pintor. Muito versátil em português, com conhecimentos ímpares da nossa literatura, teve oportunidade de outro serviço (acompanhar “doente”, motorista do casal, com bom alojamento). Falou-se na firma. Tudo bem, a poder mudar de trabalho. Mas o contrato já corria há bons três meses e o visto estaria por breves semanas. Começar tudo de novo e perder aquele tempo na legalização ? Não. Ficou onde estava.
O Padre Gabril (Gabriel), da Igreja Ortodoxa, servente na construção. Ao Domingo, assiste os fiéis numa igreja ortodoxa em Lisboa. Veio só para trabalhar. Nada do culto trouxe. A autoridade hierárquica deu-lhe credenciais e as alfaias. Romeno, casou com uma moldava e foi morar para a pátria da esposa. Desempregado como padre, com licenciatura em Novo Testamento, o Patriarca chamou-o para dar aulas na Universidade de Teologia. Fica junto do Patriarca, convidado também para dar aulas de Canto Gregoriano. Mas teve que fazer este curso à sua custa e gastou o que não tinha. Os proventos na Universidade não o safavam. Meteu-se a caminho como os demais ... Somos amigos, já conhece os Moldavos da zona. Já foi apresentado ao Sr. D. José Alves e ficou encantado com o acolhimento. Tem 35 anos. Foi buscar a filhinha e voltará com a esposa.

“E assim como em muitas outras partes”, muitos outros casos e casos ...

Última hora : uma operação no Hospital Egas Moniz (não se fizeram já milhares?!...). Perdão : um contrato de trabalho, feito num quarto hospitalar, por causa de um acidente de viação. Prenuncia-se deficiência grave. Estava inscrito na Segurança Social. Tudo dentro da lei. Obrigado, Sr. Mateus, patrão que vai pertencer ao nosso grupo. Parabéns também para a dignidade da Seguradora.

Pe. Ernesto Neiva


Fonte Ecclesia

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