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Cultura e Cristianismo em Portugal
2005-10-11 22:46:53

Dois Congressos internacionais sobre dois vultos da cultura portuguesa vão decorrer em Lisboa, já a partir deste mês. O primeiro, de 20 a 21 de Outubro, na Universidade Católica, intitulado “Igreja Sociedade e Cultura; Pe. Sena Freitas e o seu tempo”. E o segundo, na Fundação Gulbenkian, na Faculdade de Letras e na Casa da Cultura da Sertã, em Dezembro, sobre “Pe. Manuel Antunes - Interfaces da cultura portuguesa e europeia”. Entre os membros da organização destes eventos está o Professor José Eduardo Franco que falou da importância e da oportunidade dos mesmos ao Jornal da Madeira.

JORNAL da MADEIRA — O que se pretende com estes congressos/homenagem, neste ano de 2005?
Eduardo Franco — Pretende-se conhecer melhor, estudar mais e divulgar a obra e reviver a memória de dois notáveis intelectuais católicos que marcaram a história da cultura portuguesa dos séculos XIX e XX.

JM — No caso do padre Joaquim Sena Freitas, quais as referências que ainda hoje se podem seguir, ou buscar orientações, através da sua obra?
EF — O Padre Sena Freitas, falecido em 1913, deixou-nos uma obra vastíssima e multifacetada. Foi um notável professor e fundador de colégios em Portugal e no Brasil. Destacou-se ainda como jornalista/cronista e fundador de jornais. Pensou a educação do clero e da mulher: Reflectiu sobre as relações entre ciência e religião, procurando estudar a fundo o positivismo e o evolucionismo.
Viajante assíduo e apaixonado por conhecer povos e culturas diferentes, deixou-nos uma preciosa literatura de viagens com descrições e apreciações primorosas das terras visitadas (Europa, Norte de África, Médio Oriente, Ásia Menor e Brasil). Ensaiou a escrita de romances de fundo cristão de modo a contribuir para a criação de uma tradição literária católica de grande qualidade. Foi o primeiro biógrafo de Camilo Castelo Branco com quem travou amizade. Entrou em polémica com grandes vultos da literatura portuguesa, nomeadamente com Guerra Junqueiro sobre assuntos teológicos e eclesiológicos… .
Deixou-nos uma obra escrita gigantesca onde palpitam ideias muito avançadas para o seu tempo no que respeita à sua visão daquilo que deveria ser a relação Igreja/Mundo e com o universo da cultura; ideias avançadas e reformista deixou-nos também em torno da educação integral e superior do clero. A leitura dos escritos de Sena Freitas (cuja qualidade ombreia com os grandes escritores da sua época) apaixona quer pelo seu estilo castiço e recheado de neologismos. Este polígrafo revela uma atenção e uma sensibilidade ao progresso do homem e da sociedade. Algumas das suas ideias pedagógicas e sobre a importância da presença da Igreja no mundo da cultura ainda continuam a ter pertinência nos nossos dias.
Entendia que o futuro da Igreja dependia da formação de sacerdotes mais cultos e sensíveis aos problemas contemporâneos, assim como da aposta na presença decisiva da Igreja no universo da cultura e no domínio da ciência e da arte de modo a imprimir um sentido transcendente aos grandes campos do progresso humano.

JM — O Pe. Sena Freitas foi mais polemista ou doutrinário?
EF — Acima de tudo Sena Freitas assumia-se (e foi-o até ao fim de forma coerente) como um autor cristão. Pela escrita, pela palavra (era um dos mais célebres oradores do seu tempo), pela intervenção no mundo da cultura pelo exercício apurado da inteligência, este padre escritor, pedagogo e jornalista pretendia evangelizar a cultura, a ciência, no fundo, a inteligentzia portuguesa através do uso da palavra escrita e oral com qualidade e credibilidade. Como era típico da época, Sena Freitas, fazendo uso da sua inteligência versátil e fulgurante, em toda a sua intervenção intelectual procurou levar a luz do Evangelho e fazer a apologia da Igreja contra os ataques do mundo laico, num período em que a questão religiosa estava efervescente. Ele foi de facto um apologista, um paladino da defesa da Igreja e da sua doutrina. Mas ao mesmo tempo não deixou de lançar um olhar crítico sobre os problemas menos positivos com que se debatia a Igreja internamente no plano da educação deficiente do seu clero, das dificuldades pastorais, do acomodamento do episcopado, etc. Autor católico até à medula, Sena Freitas amava a Igreja, mas desejava que ela evoluísse, que se adaptasse aos novos tempos e que crescesse em coerência e em credibilidade pelo testemunho de fé de vida e pelo estudo dedicado.

JM — No caso do Pe. Manuel Antunes, qual o legado que podemos susufruir?
EF — O Padre Manuel Antunes deixou-nos um legado imenso, não só como modelo de pedagogo e de intelectual humanista, mas também como mestre da democracia e da aplicação do Concílio Vaticano II na relação da Igreja com o mundo da cultura, da educação e da política. Podemos considerá-lo um mestre maior da democracia e da relação exemplar entre a Igreja e o universo secular.

JM — Que visão propôs, por exemplo, para a construção da Europa e para o diálogo entre os povos?
EF — O Professor/Padre Manuel Antunes, pode ser considerado antes de mais um pensador pacifista e um construtor de pontes entre pessoas, culturas e ideologias. É o pensador do “humanismo dialogal”. Ensinou e defendeu a importância da Europa em não perder de vista as suas raízes culturais greco-romanas e religiosas cristãs. Sonhou com uma Europa unida, cooperante, respeitadora da diversidade multicultural e multi-étnica dos seus povos. Não sonhou com uma Europa dominadora, eurocêntrica, mas com uma Europa humanizante e humanizadora do mundo, paladina dos direitos do Homem e da Democracia, do entendimento entre os povos. Sonhou com uma Europa que soubesse partilhar com os outros povos o seu saber, a sua fé e a sua riqueza.

JM — A religião cristã, através destes grandes vultos da nossa história contemporânea é mais compreendida?
EF — O cristianismo com estes dois vultos torna-se mais cultura e a cultura mais cristã. O Evangelho tornou-se mais compreendido e actualizado.
A Igreja através destes intelectuais teve uma presença mais qualificada e mais credível num universo (o universo da ciência e da cultura) que se lhe tem tornado cada vez mais hostil desde a modernidade.
Tanto Manuel Antunes como Sena Freitas procuraram compreender melhor o universo da cultura e da ciência para que a Igreja se pudesse exprimir numa linguagem que seja mais compreensível pelos homens de hoje e assim lhe possa falar mais directamente ao coração.

Bibliografia de Joaquim Sena Freitas
A obra do Pe. Sena Freitas (1840 -1913) tem sido objecto de permanente estudo e por parte de uma equipa de credenciada competência que, entre os projectos para manter viva a sua memória, já editou a obra “A Alta Educação do Padre” (foto ao lado) um dos seus mais interessantes escritos, em que analisa criticamente, de modo frontal, a “situação do clero do seu tempo” (período do liberalismo português).
Considerado o “Lacordaire Lusitano” ou o “Padre António Vieira de Oitocentos”, ombreou com os grandes vultos lietrários da cultura portuguesa do século XIX”, como Antero de Quental, Teófilo Braga, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro... . Membro dos Padres Lazaristas ou Vicentinos, também passou algum tempo na Madeira.
A Equipa Internacional e Inter-universitária Sena Freitas, do Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira da UCP (a que pertence o Professor Eduardo Franco) tem trabalhado desde 1999 na sua obra e, além de colóquios e congressos internacionais, tem preparado a reedição de algumas das seus livros mais importantes e feito o levantamento sistemático dos seus textos dispersos por jornais e revistas; fez a inventariação exaustiva do seu espólio. Prepara ainda a edição de um livro de estudos sobre o seu pensamento, uma biografia ilustrada e uma antologia dos seus textos mais relevantes.

Padre Manuel Antunes, SJ
Nasceu na Sertã, em 1918. Faleceu em Lisboa, em Janeiro de 1985. Com 18 anos fez-se jesuíta e mais tarde licenciou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Granada (Espanha). Ordenado sacerdote aos 31 anos, foi professor de Humanidades na sua Congregação. A partir de 1957 e até 1983, foi professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou várias disciplinas do curso de Filosofia, com realce para a História da Cultura Clássica.
Os seus primeiros escritos foram publicados na revista Brotéria, de cuja redacção passa a fazer parte em 1955, e cuja direcção assumirá mais tarde, durante cerca de 20 anos. Conforme testemunham muitos dos seus alunos e discípulos, “foi um mestre excepcional que marcou para a vida toda milhares de estudantes que, ao longo de mais de um quarto de século, passaram pela Faculdade de Letras de Lisboa desde 1957. A sua memória continuou viva a iluminar o caminho de muitos.
O professor, cuja competência, sentido humanista e abertura à actualidade atraíram o interesse e admiração dos alunos, também estendeu a mais vastos públicos o seu magistério, graças aos inúmeros artigos que foi publicando”. O 20° aniversário da sua morte será assinalado com um Congresso Internacional intitulado “Interfaces da Cultura Portuguesa e Europeia”, em Lisboa e na Sertã, com vários painéis temáticos.

Fonte Ecclesia

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