paroquias.org
 

Notícias






Há necessidade de uma Escola Bíblica para os católicos portugueses
2005-09-30 22:21:28

Abundam as iniciativas sobre a Sagrada Escritura e mais do que nunca as pessoas recorrem ao estudo para a sua compreensão, independemente de serem ou não crentes. A Bíblia está traduzida em mais de seis mil línguas, e isso deve-se em grande parte ao trabalho de divulgação feito pelos cristãos da Reforma; mas da parte dos católicos há que fazer muito mais para a formação permanente, considera Frei Herculano Alves, conferencista na 18.ª Semana Bíblica do Funchal, em entrevista ao Jornal da Madeira.

JORNAL da MADEIRA — A Bíblia é uma só ou existem bíblias para todos os gostos e mentalidades?
Herculano Alves — Há apenas uma Bíblia, considerando os textos originais em hebraico, aramaico e grego. Mas esses textos estão hoje traduzidos numas seis mil línguas, em todo o mundo, e são as Sociedades Bíblicas, através dos nossos irmãos protestantes, quem mais traduz o texto sagrado; mas os católicos, actualmente, já vão à frente nesta tarefa. A diferença é que uma Bíblia católica exige mais cuidado.
Enquanto que a Bíblia protestante quase não tem notas, nem introduções, o investimento faz-se apenas na tradução; do lado católico há a preocupação de mais explicações sobre o contexto e os termos técnicos; daí as inúmeras notas de rodapé e outros recursos adequados.
Pode-se dizer que há, de facto, Bíblias para todos os gostos, na medida em que existem desde as mais especializadas às mais populares, com mais vocabulário técnico ou não, ou com uma tradução mais dinâmica que acompanha a linguagem de hoje, uma Bíblia para todas as idades, para crianças e jovens. Será legítimo fazer assim essa tradução? Depende. Pessoalmente não gosto de uma tradução de tipo dinâmico, aprecio mais a linguagem que se usava no tempo de Jesus, pois, se traduzimos tudo para a linguagem actual perdemos a ligação ao passado. Reconheço, no entanto, que há iniciativas boas nesse sentido e para quem tenha poucos conhecimentos desse vocabulário, ou que frequente pouco a Igreja, é melhor compreender assim do que não perceber nada.

JM — Será então necessária uma formação bíblica, permanente, para os católicos?
HA — Quando disse que os protestantes só traduzem o texto é porque eles não precisam de mais nada, uma vez que promovem a chamada escola bíblica ou a formação permanente, enquanto os católicos ainda não têm, o que está mal, é uma lacuna de facto.
Há uns anos que ando a dizer que se as pessoas quisessem, em cada cidade ou vila, formar uma escola bíblica ou da Palavra seria muito bom. E essa iniciativa tem que partir de toda a gente, os leigos têm que se organizar, não é preciso ser doutor em Bíblia para fazer isso, isto é, promover a leitura do texto e retirar os conhecimentos adequados à sua compreensão. É isso que nos falta fundamentalmente. As semanas bíblicas e os grupos bíblicos não são a mesma coisa.
Nos grupos bíblicos, por exemplo, seguimos o método da “Lectio divina”, ou seja, uma leitura simples do texto, crente, feita com fé, oração e empenhamento, e em que as pessoas se comprometem a viver a mensagem no dia a dia, é essa a finalidade. É diferente de uma escola onde se vai expressamente para ensinar e aprender e que até pode ser frequentada por quem não tem fé nenhuma.
Estou confiante que isso venha a acontecer, vamos lançando as ideias e se alguém fizesse alguma coisa seria o ideal, por exemplo, na cidade do Funchal, ou nas várias paróquias, as pessoas em cada 15 dias, ou em cada mês, tivessem uma pequena lição sobre a Bíblia ou sobre um tema bíblico, seria importante.

JM — É quase uma obrigação saber interpretar a Palavra de Deus para melhor vivenciá-la?
HÁ — Sem dúvida. Penso que na Igreja Católica ainda há muitas devoções que não têm mal nenhum mas que tiram tempo à obrigação principal que é a Palavra de Deus, o fundamento da fé dos cristãos. Isto é dito pelos Papas, pelos documentos do Concílio Vaticano II e outros da Igreja, não estou a dizer que deve ser, é a própria Igreja quem assim afirma: a Bíblia é o fundamento de tudo mas muitas vezes assim não a entendemos, não a consideramos como tal.

JM — A Bíblia tem respostas para tudo?, é resposta universal?
HA — Essa é uma pergunta simples e complicada ao mesmo tempo. É complicada, no sentido em que a Bíblia não é uma farmácia onde se vai buscar o remédio para todos os males, ou as aspirinas para todas as dores, ou onde se aviam todas as receitas para os problemas do mundo. É a Palavra de Deus que está escondida através das palavras humanas, mas onde encontramos sempre uma resposta. Nessa Palavra, encontram-se respostas para todos os tempos, para todas as situações, que não são diferentes das situações do povo que viveu e escreveu a Bíblia, pois, os homens não mudaram muito.
Quando hoje se discute, por exemplo, se há ou não diabo..., também no tempo de Jesus havia um tal medo e era muito comum falar de diabos, ou em espíritos e demónios, os Evangelhos até falam disso...; notamos que hoje, afinal, estamos num mundo parecido e verifica-se ainda que quanto mais as pessoas abandonam a Igreja, ou Jesus Cristo, ou a Palavra de Deus, mais vão atrás de outras soluções, de bruxas, feiticeiras, adivinhos, buscam qualquer coisa que tenha uma resposta para os seus problemas... .
É exactamente a mesma situação que havia no tempo de Jesus. Procuravam aqueles espíritos maus para dar resposta aos seus problemas de doença ou do que quer que fosse ... Passaram dois mil anos e parece que estamos iguais, ou seja, a Palavra da Bíblia tem respostas para sempre e o ser humano perante Deus não tem problemas tão diferentes daquele tempo. Quer dizer que a Bíblia bem lida e interpretada manifesta-nos que há uma mensagem perene, permanente, e que também interessa para nós, hoje. Digo que a Bíblia tem respostas para tudo neste sentido. Não é lendo um versículo que tenho logo a resposta para o meu problema, mas quando a leio na globalidade vejo aquele Deus que vem ter comigo e me ama, me acompanha nas dificuldades e problemas. Sempre assim foi, não mudou, nós é que podemos mudar. A Bíblia tem sempre uma solução porque lá se revela o mesmo Deus que é um só, sempre disposto a nos acolher e a nos amar.

JM — Mas, o que caracteriza também o nosso tempo é a idolatria para todos os gostos e consumismos, deuses com pés de barro ...
HA — É uma realidade. Antigamente, as pessoas dedicavam-se mais aos actos de culto da Igreja e arranjavam tempo para isso.
Actualmente há tanta coisa, desde os ídolos de futebol, passando pela telenovela, até ao consumismo desenfreado, diversas situações que oferecem outros valores, outros deuses e estrelas com pés de barro, que ocupam de alguma forma o lugar de Deus no coração das pessoas.
A Bíblia diz que Deus está em primeiro lugar, mas sempre caimos na tentação de relativizar a sua presença, por escolha de outras divindades sem consistência, porque fabricadas por nós próprios, conforme os nossos gostos e interesses. O Deus da Bíblia nunca é fabricado, é o único Deus que permanece. A nossa atitude deverá ser a de colocar sempre Deus em primeiro lugar, Ele é que merece ocupar o nosso íntimo.

JM — Como explicar então a mentalidade que apresenta Deus como mau, justiceiro, pronto a castigar a toda a hora?
HA — Isso tem a ver com uma interpretação menos boa dos textos que falam de justiça. Ou seja, leram-se mal alguns textos bíblicos, sem se perceber o contexto e o seu verdadeiro significado, em que Deus, no Antigo Testamento era apresentado como uma espécie de polícia.
É uma mentalidade que se crê ultrapassada mas que marcou muito a vivência religiosa de outras épocas. Era uma pedagogia que correspondeu a um tempo em que a imagem que se tinha de Deus era a de um rei e em que um povo precisava ser “domado”, pois na sua caminhada era tentado permanentemente por ídolos ou deuses falsos, nos santuários pagãos; e então os profetas faziam ameaças; a única maneira de manter a disciplina era meter medo. Deus, como um rei, devia castigar os maus e proteger os bons e fazer justiça na hora.
Ainda não havia a visão da Ressurreição e do amor misericordioso. Só com Jesus Cristo é que se manifestou o rosto de Deus amoroso, para quem a justiça consiste em perdoar. A justiça divina é o perdão. E Cristo foi o Redentor.

Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia