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A compaixão, nova forma de intervenção política dos cristãos
2005-09-12 08:56:45

Johann Baptist Metz, um dos últimos "gigantes" da geração que protagonizou a renovação da teologia cristã das últimas décadas, defendeu ontem em Valadares (Gaia), uma "mística da compaixão enquanto mística política" como a forma mais actual de os cristãos intervirem politicamente. Esta deve ser uma "mística de olhos abertos", que vá ao encontro dos que mais sofrem e que seja mais "sensível ao sofrimento" das pessoas do que ao "pecado".

Na conferência que concluiu o congresso Deus no século XXI e o futuro do cristianismo, Metz, 76 anos, criticou ainda duramente o texto do Tratado Constitucional da União Europeia. Nele triunfou uma lógica laicista à francesa que, "no seu cerne, é antipluralista" e que se imporia "fundamentalisticamente" a outros estados, através do texto do tratado.
Situando o debate sobre o tema entre a argumentação laicista ou pluralista, Metz afirmou que, ao lermos o texto do tratado, "parece que a Europa perdeu a sua memória pura e simplesmente, como se se tivesse tornado vítima daquela amnésia cultural progressiva, que aparentemente muitos europeus consideram ser o progresso autêntico".
Metz acrescentou que "não há determinação do ethos europeu sem memória histórica". E não foi por acaso, recordou, que o Estado neutral e secular surgiu precisamente na Europa judaico-cristã.
Perante o perigo de, nesta Europa, o cristianismo cada vez mais se auto-privatizar, o teólogo alemão - contemporâneo de Joseph Ratzinger, o actual Papa Bento XVI - diz que a reivindicação cristã compatível com o pluralismo é o que chama de mística da compaixão. Esta pode ser vista como o dom bíblico à Europa, tal como o direito romano e a curiosidade grega foram também dons das respectivas civilizações.
O primeiro olhar de Jesus, justifica, "não se dirigiu ao pecado dos outros, mas ao seu sofrimento". Metz previne, entretanto, que esta sensibilidade "nada tem a ver com um desgraçado culto do sofrimento". Tal "paixão por Deus" significa, antes, "reunir todas as nossas experiências de sofrimento que clama aos céus".
Uma nova política de paz, a entrega aos excluídos, o princípio da igualdade elementar de todos os homens e o pluralismo são consequências que o fundador da "teologia política" retira da sua proposta.
Religiões traíram
espiritualidade
A mudança cultural e de paradigma que actualmente se vive na Europa foi uma das tónicas das diversas sessões do congresso. Vários intervenientes sublinharam o novo quadro de secularização e pluralismo religioso ou os desafios colocados pelas neurociências e pela bioética como características do tempo que se vive.
O diálogo inter-religioso, por vezes visto como uma moda, é outra das urgências, analisada no final da manhã de ontem. Mas neste campo já não chegam os "diálogos de salão", advertiu o espanhol Juan Masiá Clavel, teólogo jesuíta que trabalhou largos anos no Japão.
"As religiões têm que comprometer-se juntas, perante a sociedade, em ajudar a resolver os conflitos intra-nacionais e internacionais, implicando-se em acções concretas", afirmou ao PÚBLICO, no final da sua intervenção.
Perante a história da violência ligada ao fenómeno religioso, Juan Masiá diz que todos os credos têm uma tradição "de paz e de não-violência", mas também todos têm "uma história de traição a esse princípio".
"O diálogo inter-religioso só vale a pena a partir de experiências concretas", concordou o português e frade dominicano Bento Domingues. Teólogo e cronista dominical do PÚBLICO, frei Bento sugeriu que se deveria começar a preparar desde já "um grande concílio das religiões" que desse "oportunidade" de intervenção aos crentes e não apenas às hierarquias.

António Marujo

Fonte Público

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