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Entrevista ao Pe. Vítor Feytor pinto, coordenador Nacional da Pastoral da saúde - Sacerdócio, evangelização, pastoral e políticas da saúde
2005-09-08 22:32:35

VP – Referiu na celebração do seu 50º aniversário de Presbítero que a alegria da fidelidade foi, por vezes, exigente. Esta exigência que aponta é apenas fruto das turbulências do mundo actual?

P. Feytor Pinto (FP) – A exigência de um sacerdócio vivido sente-se a partir da vida pessoal onde nem sempre é fácil viver a vocação até às suas últimas consequências. Foi o próprio Jesus que no-lo disse: “quem quiser vir após mim, tome a sua cruz e siga-me”, “quem só quiser ganhar a vida, acaba por perdê-la”. Vale-nos a certeza de que “não somos tentados acima das nossas próprias forças”. A fidelidade constante ao sacerdócio tem um preço: a entrega total e permanente ao Senhor que nos chamou.
Depois há as dificuldades do ambiente, uma sociedade materialista que cultiva o ter, o poder e o prazer, o culto da facilidade, a permissividade como norma, o individualismo como padrão de conduta, tudo isto condiciona a vida sacerdotal e obriga a uma exigência sempre maior para manter a fidelidade, mas uma fidelidade que nos faz feliz.

VP – 50 anos de serviço à Igreja, ao mundo e à humanidade, num âmbito de comunidade ampla e geral, são já uma vida! Que mais de marcante fica gravado neste meio século?
FP – Houve na Igreja uma série de acontecimentos que influenciaram muito o meu sacerdócio. O primeiro foi, sem dúvida, o pontificado de João XXIII e a convocação do Concílio Ecuménico Vaticano II. Depois, a preocupação de Paulo VI por levar à prática a dinâmica da renovação conciliar. Repare que estive em Roma durante as últimas duas sessões do Concílio, e vivi durante seis anos, entre 1965 e 1971, a pregar o Concílio em muitos grupos e estruturas pastorais da Igreja em Portugal. Um outro facto marcante para o meu sacerdócio foi a eleição de João Paulo II, um papa de diálogo com o mundo, a obrigar-me a um sacerdócio dialogante com todos os homens de boa vontade. Finalmente, estou marcado pelas diversas tarefas pastorais vividas a nível internacional: os médicos católicos, o Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, a sensibilidade ética de cariz universalista.

VP – Quando foi ordenado começou logo por ser Pároco? Ou seja, qual foi o seu percurso de ministério presbiteral?
FP – Comecei por ser coadjutor (vigário cooperador) na paróquia da Sé da Guarda. Uma grande escola para um jovem padre (2 anos). Depois trabalhei nos quadros diocesanos da minha diocese, em colaboração estreita com o Bispo da Igreja local (7 anos). Depois parti para Roma, para ingressar no Movimento por um Mundo Melhor, onde trabalhei 6 anos. Passei, em 1970, a ser Assistente Nacional da JEC e, logo a seguir, Coordenador Nacional da Pastoral Juvenil. Em 1982 fui chamado a um trabalho inovador que continua a apaixonar-me, a Pastoral da Saúde. Só em 1997 aceitei ser pároco de uma comunidade paroquial de Lisboa, o Campo Grande.

VP – Sei que alimenta ainda o sonho de fazer coisas novas e transformar o mundo, mesmo considerando isso uma utopia. Como é esta certeza de poder continuar a renovar a Igreja?
FP – Só na criatividade pastoral é que se vive o sacerdócio. Sem criatividade, a acção pastoral é uma rotina. Ora a Igreja não pode evangelizar sem a constante Boa Nova dada aos pobres, sem a liberdade conseguida para os oprimidos e cativos, sem a oferta da alegria a quantos sofrem. Um padre meu amigo de Setúbal, com quem conversava ontem, dizia-me que, na diocese só há 5% das pessoas que têm uma prática religiosa; e logo afirmava: “tenho de me preocupar com os outros 95%”. Esta preocupação faz-se com criatividade pastoral ou não existe. Aliás, João Paulo II ao falar da nova evangelização reclamava “novo ardor, novos métodos e novas expressões”. Só renovando-se, a Igreja é evangelizadora.

VP – “O caminho faz-se caminhando…” Não sendo assim não haverá caminho? Ou poderá haver, mas duma forma incompleta?
FP – Esta palavra é de António Machado. De facto, o caminho não está feito, é cada um que o faz. Não bastam os livros, exigem-se experiências que abram caminhos novos. É por isso que digo que “o caminho faz-se a andar”. São precisos caminhos novos com novos objectivos e uma nova esperança.

VP – O caminho que agora lhe proponho é imenso: a Saúde. De que forma se deu a ligação da Saúde – com os altos cargos que exerce – na sua vida?
FP – A Pastoral da Saúde é, dentro da comunidade cristã, o que de mais inovador fez João Paulo II. Quando sofreu o atentado, foi internado na Clínica Gemelli onde ficou alguns meses. Repensou o sofrimento – escreveu mesmo uma carta encíclica sobre ele, a “Salvifici Doloris” – mas depois começou a reflectir sobre a saúde aquém e além da doença. Antes da doença é preciso preveni-la, depois da doença é preciso tratá-la. Com esta simplicidade, transformou a Pastoral dos Doentes em Pastoral da Saúde. Quase por acaso fui envolvido nesta preocupação do Santo Padre, quando me foi pedido pela Conferência Episcopal para renovar as Capelanias Hospitalares, uma vez que acabara de sair um Decreto Regulamentar que criava uma presença diferente da Igreja nos hospitais do estado (D.R. 58/80).
Rapidamente compreendi que era importante educar para a saúde, prevenir as doenças e cuidar dos doentes para os integrar na sua vida normal. Criamos três dinamismos nos hospitais: “humanização para todos, evangelização para os crentes, sacramentação para os que o pedem”. Foi o princípio de um trabalho verdadeiramente novo, uma área fundamental para a vida humana, a da Saúde.

VP – Qual é o estado clínico que faz da Saúde em Portugal? E comparativamente com os outros países europeus e não europeus?
FP – A saúde, em Portugal, continua a ser uma preocupação cada vez mais consciente dos cidadãos, e constitui para os governantes, uma exigência constante para melhorar sempre mais os serviços que a ela se dedicam, os hospitais, os centros de saúde, as unidades de especialização, os diversos institutos postos á disposição de todos. Gostaria de referir três aspectos que são razão de esperança, para mais e melhor saúde das pessoas:
A preocupação pelos cuidados primários, a fim de conseguir prevenir as doenças e assegurar ao cidadão o conhecimento suficiente sobre os riscos na sua saúde; e ter serviços que, organizadamente, proporcionem esta orientação: a higiene, a alimentação, os consumos, a vida sexual, a organização do tempo para evitar stress. São inúmeros campos onde a prevenção se impõe, com cuidados primários eficazes.
A modernização das unidades de saúde, com o suficiente equipamento, a qualidade dos técnicos, a resposta rápida em acesso fácil, a par da humanização dos cuidados, das relações, dos espaços, das estruturas.
O equilíbrio na disponibilidade de serviços, quer públicos, quer privados, para que seja fácil a chegada a um hospital e rapidamente se faça um diagnóstico, para terapias eficazes, nas diversas áreas da medicina e da saúde.
Em Portugal está-se ainda muito longe, de uma forma geral, da qualidade de serviços que existe em Inglaterra, na Alemanha ou mesmo na França e Itália. É longo o caminho que temos a percorrer. Mas há razões de esperança porque a melhoria dos serviços é real.

VP – Ouvimos muitas vezes dizer, independentemente do Governo que seja, que a pasta da Saúde, para além de mais uma ou outra, é sempre prioritária e de maior importância. Isto é verdadeiramente real? Ou, digamos, não passa de mais uma promessa política incumprida?
FP – Qualquer política, um qualquer estado, tem de dar prioridade absoluta á educação, à saúde e ao trabalho. Se um governo não for capaz de responder a estes problemas, perde crédito junto das populações. A saúde é um destes campos de acção prioritária e tem relação com os outros dois, porque é preciso educar para a saúde e os trabalhos em saúde são dos que exigem maior competência. O caminho a percorrer ainda é muito longo.

VP – Qual é a área da Saúde que, para si, merece maior atenção e preocupação, mesmo que não esteja fragilizada? E qual a que lhe sensibiliza e lhe emociona mais?
FP – Preocupo-me principalmente com a prevenção, com os cuidados primários. Senti muito isso quando era Alto-comissário para o Projecto Vida, até porque tratar era mais fácil e mais caro do que prevenir.
Sensibilizou-me muito a medicina e a enfermagem ligadas à vida, quer ao nível do nascimento com qualidade e fonte de alegria para todos, quer ao nível das situações terminais para assegurar ao paciente a capacidade de vida até ao fim, com uma qualidade humana suficiente. O nascer e o morrer emocionaram-me sempre mais e em todas as circunstâncias.


TRÍMERO TEMÁTICO:

VP – Distanásia vs. Eutanásia: como, para quê e desde quando?...

FP – A Eutanásia é um erro monumental, porque a medicina vem dizer, por ela, que é incapaz de acompanhar o doente na sua fase terminal. É a negação da medicina.
A distanásia, encarniçamento terapêutico ou obstinação terapêutica, é também sinal de uma medicina que tem medo de aceitar a morte como um fenómeno natural e universal que é preciso ensinar a viver e a acompanhar com qualidade. Os cuidados paliativos são o sinal da inteligência médica, face à morte.

VP – Tráfego de órgãos: um desrespeito desigual ou uma conveniência alternativa?...
FP – O tráfico de órgãos é um crime. Se os transplantes são uma conquista da ciência para a melhor qualidade de vida das pessoas, é inadmissível que se queira tirar lucros económicos da disponibilidade de alguns para ajudar outros a viver. Os órgãos nunca podem ser comercializados, muito menos clandestinamente.

VP – Propagações alarmantes da Sida e do Cancro...
FP – A sida e o cancro, são doenças que devem ser prevenidas por todos os meios ao alcance da humanidade. Esta prevenção é um desafio para a ciência, mas sempre sem o recurso a critérios que desrespeitem a dignidade da pessoa humana. A prevenção tem de ser estudada em toda a sua complexidade, para que, na liberdade, cada um encontre a forma de não ser apanhado por síndromas tão violentas e delicadas.
Sem panaceias, mas com critério e liberdade, os cidadãos devem aprender a não ser apanhados por estas doenças que, em muitos casos, são também comportamentais.


ASPECTOS DE ELEIÇÃO:

VP – Uma vocação...
FP – A vocação sacerdotal é uma vocação de entrega ao outro, sem limites, sendo assim, ponte entre Deus e o homem concreto que o Senhor ama. Seguindo Cristo, sem condições, servimos Cristo no irmão que está ao nosso lado.

VP – Um Presbítero...
FP – O presbítero serve a comunidade nas três dimensões de serviço. Proclama a Palavra, celebra a Eucaristia, coordena a caridade (a acção social) na comunidade que lhe foi confiada. É feliz a servir, sem condições.

VP – Uma acção pastoral...
FP – Uma acção pastoral é sempre um acto de criatividade para responder ao problema concreto que o outro vive e que o padre quer ajudar a resolver. Consegue-o pela acção salvífica de Cristo concretizada na acção pastoral que desenvolve.

VP – Um remédio...
FP – O único remédio, em todas as circunstâncias, é o amor. Pelo Amor, por Cristo, com Cristo, em Cristo, empurramos o outro para a felicidade desejada.

Fonte Voz Portucalense

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