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Homem de paz assassinado à facada
2005-08-18 21:54:07

A comunidade Taizé chora a morte do seu fundador, vítima da loucura de uma mulher romena. Mais de 150 portugueses assistiram ao seu assassinato. Estão em estado de choque, sobretudo as crianças.

Três facadas puseram termo à vida do irmão Roger, fundador da comunidade Taizé. Estava em plena oração, rodeado de crianças, quando foi vítima do acto tresloucado de uma jovem romena. Tinha 90 anos de idade e é considerado uma das figuras mais importante do ecumenismo ao longo das últimas décadas.

“Estavamos no início da oração quando tudo aconteceu”, contou António José Monteiro, um dos 150 portugueses presentes no seu mosteiro em Taizé, uma aldeia da Borgonha, França. “É uma igreja ampla, sem bancos, onde estavam 2500 pessoas, sobretudo jovens e muitas crianças, sentados no chão. Os irmãos sentam-se ao centro. O irmão Roger é o último. Estava rodeado de crianças pequenas, de quatro, cinco, seis anos de idade”.

De repende, uma jovem levanta-se e dirige-se em direcção ao irmão Roger. “Pensámos que era para mandar calar as crianças, mas não. Abraçou o irmão pelas costas e disse-lhe qualquer coisa ao ouvido. De repente, ouve-se um grito. Toda a gente entra em pânico. Quem estava na frente diz que se viu sangue a jorrar”. O irmão Roger é levado, de imediato, para a sacristia. A oração continua. Poucos minutos depois, um irmão da comunidade pede a palavra, para comunicar o que todos pressentiram, quando o grito parou o coração dos presentes: “O irmão Roger faleceu”. Nas conversas que se seguiram, ficou a ideia de que a homicida é “uma jovem que sofre de pertubações mentais”.

“Ficou tudo em profundo silêncio”, relatou ao CM Rui Barreira, outro dos portugueses que assistia à oração.

Rui Barreira encontrava-se no interior da igreja com a mulher, Teresa, e as duas filhas – Rita, de 17 anos, e carlota, de 11 – quando o irmão foi assassinado. “Não vi o que aconteceu, mas apercebi-me que algo de grave se estava a passar”.

“Gerou-se uma situação de pânico momentâneo e recordo-me de ter visto uma pessoa a ser levada para fora da igreja à pressa, provavelmente, a pessoa que o atingiu”.

Era a terceira vez que Rui Barreira rezava na companhia do irmão Roger. “Foi uma pessoa que me tocou muito e achámos que era bom passar uns dias aqui”, disse. “O ambiente é de grande tristeza e profundo pesar. Não há polícias, mas estão cá muitos especialistas da Cruz Vermelha, nomeadamente psicólogos, para apoiar as pessoas, sobretudo as crianças que assistiram a tudo. É horrível para elas. Mesmo para os mais velhos é um sofrimento muito grande”.

Frei José Maria, falou várias vezes com o irmão Roger, um “homem de reconciliação, que em 1940 teve a intuição de procurar um lugar para recolher refugiados da guerra e a intuição de fundar uma igreja onde todos os cristão pudessem rezar em paz”.

“Recordo-me, numa ocasião, de lhe ter contado algo que me perturbava. Jamais esquecerei a resposta: “Não te perturbes. Quando o pensamento vier, sopra-lhe”, confidenciou ao CM frei José Maria.

A autora da agressão, romena, de 36 anos, foi detida e colocada sob custódia da polícia. De apelido Luminita, comprou a arma do crime em Cluny, uma localidade próxima de Taizé, o que faz pressupor que se tratou de um crime premeditado. Às autoridades, a jovem justificou o acto dizendo que pretendia “falar com o irmão Roger, mas não conseguiu, porque havia muitas pessoas à sua volta”. Como não conseguiu, “decidiu então chamar a atenção”, alegou.

UMA VIDA A UNIR OS CRISTÃOS

O irmão Roger é o fundador da comunidade ecuménica de Taizé, localizada em França. De origem suíça, o religioso fixou-se naquela vila em 1940, onde ajudou muitos refugiados da II Guerra Mundial. Decidiu criar a comunidade, onde vivem e trabalham cerca de uma centena de católicos, bem como pessoas de outras origens evangélicas, procurando prestar auxílio aos pobres em diversas missões pelo mundo, rezando em conjunto e reflectindo sobre a vida cristã. Através da sua existência, a comunidade tem procurado ser um sinal concreto de reconciliação entre os cristãos divididos e os povos separados, segundo os princípios religiosos.

“Os cristãos rezam todos a um mesmo Deus de amor, então, porque razão gastam, por vezes, tantas energias opondo-se uns aos outros. (...) Hoje em dia, as divisões entre cristãos, antigas mas também novas, levantam uma interrogação mais premente do que nunca. Já não é possível adiar indefinidamente a comunhão entre os cristãos. Se todos pudessem deixar crescer no seu coração um desejo ardente de vida em comunhão. Então poderíamos discernir a seguinte realidade: toda a reconciliação, mesmo a mais simples, traz alegria e compreendemos que Deus nos chama, não a fazer grandes discursos, mas a dizer gestos simples e concretos de paz e comunhão com aqueles que estão à nossa volta”, disse um dia. Actualmente, muitos jovens de todo o mundo, mas em especial da Europa, fazem peregrinações ao local para participar em workshops.

MILHARES DE JOVENS NOS ENCONTROS

Taizé é uma pequena aldeia da Borgonha, localizada a Norte de Lyon, em França, onde existe uma comunidade monástica constituída, pela primeira vez desde a Reforma, por irmãos originários de diferentes igrejas cristãs. A comunidade acolhe, durante todo o ano, os que a procuram, organizando encontros semanais em que participam milhares de jovens de todo o mundo. Os que quiserem poderão passar a semana em silêncio ou optar por desenvolver um trabalho de apoio ao funcionamento do encontro. A comunidade não aceita donativos, vive apenas do seu trabalho.

SUCESSOR ECOLHIDO HÁ OITO ANOS

O irmão Alois, um católico alemão de 51 anos, vai assumir a liderança da comunicade, por vontade do próprio irmão Roger, comunicada há oito anos. “Foi uma decisão tomada conforme as regras da comunidade, segundo as quais o prior responsável pelo nosso grupo escolhe o sucessor”, como informou um dos membros da comunidade monástica, que conta com dois irmãos portugueses.” Conheço-o bem e estou certo que vai continuar o trabalho desenvolvido pelo irmão Roger. É uma pessoa muito simples, voltada para a oração”, disse, ao nosso jornal, frei José Maria. “É natural que imprima um outro estilo, mas a continuação da comunidade não está em causa”.

DOIS MOMENTOS DE ORAÇÃO

A Comunidade de Taizé em Lisboa organizou dois momentos de oração em memória do irmão Roger. O primeiro decorreu ontem à noite, no Convento dos Dominicanos. Com música e textos de Taizé, a oração teve como objectivo recordar o o irmão Roger e homenagear a sua obra extraordinária pela paz e concórdia entre todos os homens, como explicou o frei José Maria. O outro momento está marcado para amanhã, sexta-feira, e decorrerá na Igreja de São Nicolau, pelas 19h45 minutos.

REACÇÕES

“A sua morte aflige-me ainda mais porque, precisamente ontem (terça-feira), recebi uma comovida carta de Roger Schutz em que dizia que estava de todo o coração com o Papa e com todos os participantes na jornada Mundial da Juventude, que decorre em Colónia. É uma notícia tristíssima. Aterradora”. Bento XVI

“O irmão Roger e a comunidade que fundou tiveram um papel essencial na aproximação dos jovens a Deus. A sua morte é uma perda muito grande para a Igreja e para o Mundo. Deu a sua vida pela juventude. Por isso, acredito que a sua morte será mais um alento para que a juventude se aproxime de Deus”. D. Jorge Ortiga -Pres. Conferência Episcopal

“Fiquei chocado com este monstruoso acto. Acabou por morrer em Oração. Não se tratou de um atentado, mas sim uma acção fruto de uma pessoa desequilibrada. O irmão Roger era um homem extraordinário que irradiava paz e no auge dos seus 90 anos exprimia muita paz, calma e serenidade”. D. Jacentio Botelho - Bispo de Lamego

“Não é uma figura católica, mas um cristão ecuménico, que lutou para não mais haver guerra. É um homem da paz entre as diversas religiões e os diversos povos, como ficou expresso nas viagens que fez, juntando à sua volta jovens de todo o mundo. Um sinal dos tempos que merece ser observado com muita atenção”. António Rêgo - Cónego

“Fiquei extremamente chocado com o assassinato cruel de um extraordinário profeta do nosso tempo. Este homem fez o mundo entender como é importante a fraternidade na diversidade. E o mais fantástico é que ele provocou uma autêntica revolução sem grandes sermões, mas apenas pelo seu exemplo de vida”. D. Manuel Martins - Bispo Emérito de Setúbal


Arnd Wiegmann/Reuters

Fonte CM

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