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Quando a única forma de não matar é o preservativo, ele pode justificar-se
2005-07-15 20:24:30

Completou 50 anos de padre terça-feira passada. Hoje, uma missa e um almoço com mais de 500 pessoas assinalam a data. Vítor Feytor Pinto, 73 anos, pároco do Campo Grande (Lisboa), antigo responsável do Projecto Vida, diz que a Igreja tem que ter uma linguagem significativa para a cidade e os jovens. O preservativo pode justificar-se quando o que está em causa é a vida (ou a morte) das pessoas, afirma. E uma mulher não é criminosa quando tudo foi tentado e ela não encontrou outra saída que não o aborto.

Director nacional da Pastoral da Saúde da Igreja, coordenador dos capelães hospitalares durante 20 anos, professor universitário, membro do Conselho Pontifício da Pastoral da Saúde, Vítor Feytor Pinto nasceu na diocese da Guarda mas desde cedo trabalha em Lisboa. Jovens, saúde e bioética foram áreas privilegiadas da sua actuação. No Campo Grande, ao meio-dia, uma missa presidida pelo patriarca de Lisboa assinala os 50 anos de sacerdócio de Feytor Pinto. Segue-se um almoço na antiga FIL, para o qual se inscreveram mais de 500 pessoas.

O que é ser padre neste início do século XXI?
É servir as pessoas e tentar, através da proximidade, anunciar a razão de ser da nossa vida: Jesus Cristo vivo, desafio de salvação para a humanidade inteira. Pensa-se na religião como forma de encontrar o sentido para a vida eterna. Eu digo que é para encontrar sentido para a vida no tempo. A vida eterna é consequência da capacidade de ser feliz que encontrámos no tempo.
Ser padre é servir a palavra, anunciar a boa nova aos pobres, a alegria aos que sofrem. Também celebrar a eucaristia enquanto vínculo de amor, banquete de alegria. Nós, padres, temos [ainda] o dever de intervir na acção social. Assim tornamos a Igreja inteligível para aqueles que não são crentes.
É responsável de uma paróquia urbana. A Igreja tem alguma coisa a dizer à cidade?
Tem muito, mas é preciso adaptar a linguagem. Fala-se de nova evangelização. João Paulo II falava de novos métodos e novas expressões. A tentação da Igreja, na cidade, é manter as velhas expressões...
Que têm muito a ver com a aldeia.
... a procissão, o culto dos santos... Temos que levar a cidade a olhar as manifestações cristãs que a Igreja oferece. A Igreja não tem que oferecer manifestações tipicamente religiosas.
De que experiências fala? Hoje há grupos que vão para ao meio da rua rezar...
Dou o exemplo da paróquia: tínhamos dois bairros marcados pelo sofrimento. Um deles era o das Murtas, 128 famílias em tendas. Construímos, com apoio da Câmara, sete edifícios para acolher [aquelas] famílias. O nosso centro social está a acompanhar a experiência. A acção social foi uma maneira de a Igreja também se mostrar, no apoio às pessoas mais carenciadas.
Outro é a Quinta das Calçadas. Não havia relação entre as pessoas. Temos unidades de apoio a crianças, estamos a começar o apoio às pessoas de idade e uma comunidade religiosa desdobrou-se e tem uma equipa a viver lá, acompanhando as pessoas em sofrimento dentro do bairro - e são 770 famílias.
A Igreja é contra o uso do preservativo. Mas, na prática, muitos padres e freiras que tratam doentes de sida recomendam e incentivam o seu uso. Por que é que a hierarquia não ouve quem trabalha no meio?
É preciso reler a posição da Igreja. É brilhante a dupla intervenção da Conferência Episcopal. Nos dois documentos sobre a sida, admite-se que há [diferentes] circunstâncias. [Recentemente], o cardeal-presidente do Conselho Pontifício [para a Saúde] disse à imprensa que estão em questão dois mandamentos: o sexto, [que se relaciona com] os nossos comportamentos sexuais, e o quinto, "não matarás". E que, quando o que está em questão é o não matar, e a única forma de não matar é o uso de um profilático, ele pode justificar-se.
Onde é que a Igreja é contra o preservativo? É no planeamento familiar. Não é uma proibição, a Igreja sugere, não tem o direito de proibir nada a ninguém. E uma relação protegida é mais pobre do que uma relação plena. [Descobrir] a forma de ter relações plenas sem protecções é positivo.
Falando do aborto: a Igreja canonizou a italiana Gianna Beretta Molla, que disse: "Se houver que escolher, escolham a vida da criança e não a minha." Não é legítimo que a mãe possa escolher o contrário?
Está aí a resposta: a pessoa pode dispor da própria vida, não da vida dos outros. Dispor da vida dos outros é egoísmo, oferecer a minha vida pela dos outros é generosidade.
A pessoa não pode ter tantos problemas que a levem, em consciência, a pôr essa questão?
Pode ter uma pressão de tal natureza que, em consciência, não é capaz de encontrar outra saída. Não vou dizer que, em teoria, é bem. No caso de uma violação, a pessoa não encontra uma alternativa. Vamos ajudá-la ao máximo para que não destrua uma vida. Mas, se a destruir, compreendemos que o conflito interior foi de tal natureza que não encontrou outra saída. Não vamos dizer que esta pessoa é uma criminosa.
O problema do aborto está num estudo muito profundo que deve realizar-se, embora defendendo a vida como o primeiro de todos os direitos. A nossa Constituição diz que a vida humana é inviolável. Se é inviolável, é indisponível. Na Convenção dos Direitos da Criança, diz-se que a vida humana deve ser respeitada antes e depois do nascimento. É a primeira vez que aparece esta palavra "antes".
É uma contradição brutal ter leis muito bem estruturadas e, depois, tentarmos descobrir formas de as furar, para fazer o que nos é mais fácil. Temos que aprofundar cientificamente para as pessoas perceberem o que está em questão. Pensa-se que é o direito da mulher ou uma malformação... Temos que ir mais fundo, para nos batermos por uma vida respeitada, promovida e que encontre a felicidade a que tem direito.

Por António Marujo (texto) e Daniel Rocha (fotos)

Fonte Público

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