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Uma visão pessoal de João Paulo II e Bento XVI
2005-07-09 22:51:10

À conversa com... a jornalista e escritora Aura Miguel

VP – A primeira questão não pode deixar de ser alusiva ao Papa João Paulo II, por ter estado com ele tantos anos. Conte-nos os conteúdos das conversas privadas com ele...

Aura Miguel (AM) – Os encontros pessoais com João Paulo II aconteceram em contextos muito diferentes. Um deles, a primeira vez, foi inserido numa visita Ad Limina, que os Bispos portugueses fizeram, em 1987, e que fui convidada a acompanhá-los. No final, quando o Papa cumprimentou toda a gente eu tomei a iniciativa de uma coisa que eu não sabia que não devia fazer: pedir um autógrafo ao Papa. Ele ficou muito divertido, pegou na Encíclica e saiu donde estava. Sentou-se, com a minha caneta na mão, aproximei-me e o Papa assinou. Entretanto houve uma série de peripécias: a caneta não escrevia e ele riu-se dizendo que ela estava viciada. Era uma caneta de tinta permanente, lá lhe expliquei como funcionava. Conversas não elevadas para ter com o Papa logo da primeira vez. Mas foi muito divertido porque, no fim, sabendo que tinha acabado de o acompanhar na Viagem à Polónia, disse-me: “Olhe que eu viajei à Polónia, mas viajo pelo mundo inteiro”. E para mim isto foi como uma profecia. Desde aí nunca mais deixei de viajar com ele e fiz 51 viagens. Depois, durante as viagens, voltei a vê-lo porque ele gostava de falar com os jornalistas no avião. Aí não eram encontros privados, mas tive a oportunidade de lhe fazer perguntas, que já estão referidas nos meus livros. São momentos inesquecíveis.



VP – Havia algum outro motivo, sem ser Fátima, dele gostar tanto dos portugueses?

AM – Na vinda da Viagem com o Papa à Bulgária ele chamou os jornalistas, um a um, para os saudar. Eu disse-lhe em português: “Os portugueses amam muito o Papa”. E ele respondeu: “É boa gente”. E acho que o motivo pelo qual o Papa gostava dos portugueses tem a ver com a nossa herança, constituída pelo amor a nossa Senhora e a Cristo, e assim ao Papa. E também há séculos atrás os portugueses levaram o anúncio de Cristo ao mundo inteiro. Acho que isso até é mais reconhecido na Santa Sé do que no nosso País. Portanto, lá fora dão muito mais valor ao que nós fizemos, à nossa herança e tradição do que aqui dentro. E isso é muito consolador.



VP – Quais eram as expressões e atitudes mais frequentes que João Paulo tinha antes de aparecer em público? Ou seja, quais as imagens de “bastidores” que lhe cativaram mais e não são tão conhecidas?

AM – Para mim claramente é a sua grande humanidade. Acho que João Paulo II ficou “famoso” logo pelo que disse no primeiro dia de Papa: «Não tenhais medo! Abri as portas a Cristo, porque só Ele sabe verdadeiramente o que está dentro do coração do homem». Isto era a experiência pessoal de João Paulo II. O seu maior desejo era que o maior número possível de homens e mulheres no mundo vivessem o que ele viveu. E isso percebia-se no trato com ele. Quer dizer, era muito impressionante a maneira como ele olhava. O seu olhar era uma coisa incrível: era penetrante, e mesmo no meio duma multidão ele conseguia fixar o olhar numa determinada pessoa. Esta paixão pelo destino daquela pessoa era por causa da importância que Cristo tinha para aquela pessoa. Vi, por exemplo, alguns casos de colegas meus que não eram capazes de manter o olhar dele, não aguentavam o seu olhar. Tinha um olhar muito influente, não que metesse medo, mas era um olhar tão verdadeiro e tão profundo, que era certamente muito semelhante ao de Cristo. Portanto, quem não estava bem consigo mesmo, muitas vezes desviava o olhar do Papa. Era como que a nossa alma ficasse exposta diante dele. Era inesquecível essa experiência.



VP – Havia alguma situação ou peripécia do dia-a-dia que o incomodava ou que o fazia “tirar do sério”, por assim dizer?

AM – Ele nunca se queixava, mesmo nos últimos dias da sua vida ele não se queixou, nunca. Ele tinha um ritmo de trabalho imenso e pressionava muito os seus colaboradores. O Papa fazia questão de estar em todas as celebrações. Houve mesmo um colaborador que foi ter com ele e perguntou-lhe: “Porque é que o Senhor não abranda o ritmo e para, para de vez em quando?”. E ele respondeu: “Porque também Cristo não deixou a Cruz!”. Mesmo nas situações mais difíceis e nas circunstâncias mais diversas ele nunca se poupou, eram abraçadas por João Paulo II, apesar das suas dificuldades.



VP – De tantas homenagens de diversa ordem – como placas, nomes de ruas ou locais, celebrações, conferências, marchas – que se vão fazendo a João Paulo II, por todo o mundo, considera que falte ainda alguma mais marcante e perpetuante para toda a História?

AM – Não, a única homenagem é quando for beatificado e santificado. Essa será a grande e melhor homenagem. De resto, cada uma dessas homenagens que lhe fizeram devem-se a ele ter sido uma pessoa completamente livre. Acho que era, talvez, a pessoa mais livre que conheci. Abandonou-se totalmente a Deus, não guardou nada para si. Ciclicamente dizia que, de facto, não devia ter ganho o Prémio Nobel numa coisa que ele não gostaria de ter levado, porque ele é Papa e não era alguém para receber prémios dos homens. Viveu toda a sua vida para cumprir uma missão servindo na paz de Deus, para agradar a Deus. Esse era o seu grande objectivo. E, certamente, está agora no Céu.



VP – Já no Pontificado de João Paulo II, o Cardeal Ratzinger pediu, por duas vezes, para se retirar. Não se fez a sua vontade mas a de Deus. Inclusive, rezou para que não fosse Papa e, assim, acabou por ser... Curiosos e interessantes os desígnios misteriosos do Pai, não acha?

AM – Acho. Acho que uma pessoa com 78 anos e com um currículo como ele tem, o que ele fez num trabalho tão árduo, durante 3 anos, à frente da Congregação da Doutrina da Fé, teria mais do que direito a um repouso e a um descanso quase no fim da vida, como ele gostaria. Queria retirar-se na Baviera e poder escrever. Acho que isso, a exemplo de João Paulo II, ficou marcado pelo chamamento de Deus. Num momento de maior exigência da vida dele a sua tentação – ele mesmo afirmou que experimentou essa vertigem, de perceber o que lhe estava a ser pedido – foi não quer ser Papa, mas ao ser escolhido abandonou-se à vontade de Deus. É um sinal para o mundo muito bonito, de confiança plena n’Aquele que nos conhece melhor do que nós próprios. Deus ama-nos mais e faz o nosso trabalho melhor do que nós próprios. Legitimamente seria de esperar que o melhor para ele seria retirar-se, escrever e viver calmamente os últimos dias e, afinal, é um desígnio maior e misterioso, mas bastante correspondente. Aliás, bastava vê-lo na semana seguinte à eleição, em que ele parecia um menino simples, reflectindo no rosto uma alegria, que não é de política, nem de orgulho, nem vitoriosa. Era uma alegria que brotava do mais profundo da alma. Ele disse sim e mostrou-se disponível para amar e para sofrer.



VP – Quanto aos seus livros, que auto-sinopse faz ao seu último, “Ele está aqui”, em co-autoria com o Prof. João César das Neves? Podemos saber qual o seu próximo livro e sua perspectiva?

AM – Sim. O livro “Ele está aqui” e que saiu por causa do Ano da Eucaristia, tem, de certo modo, 2 padrinhos: João Paulo II e a Beata Alexandrina, porque é uma portuguesa com uma forte devoção à Eucaristia e por poder ser uma referência fundamental para os portugueses, sendo muitos os que não a conhecem. Por causa da minha participação na sua Beatificação a 25 de Abril de 2004, pois fiquei muito impressionada com a sua vida, resolvi escrever sobre ela integrando-a num livro sobre a Eucaristia, através dum capítulo, em vez de escrever propriamente sobre ela, pois não seria tão atractivo. Surgiu também a ideia de convidar o Prof. César das Neves para colaborar com a sua genialidade sobre os vários aspectos ligados à Eucaristia. É uma perspectiva diferente. Um outro livro que acaba de sair com um colega meu do “Correio da Manhã” baseia-se numa série de entrevistas que me fizeram de Roma, sobre vários acontecimentos ligados a João Paulo II e a Bento XVI. Recolhe a par e passo os momentos principais da agonia e morte de João Paulo II, o seu testamento e funeral, a fase do pré-conclave e do conclave e a nomeação de Bento XVI com os documentos que saíram na altura. É um livro a ter e consultar, quando for preciso.



André Rubim Rangel

Fonte Ecclesia

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