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Manifestações da religiosidade estão em mutação
2005-05-19 21:59:11

Os dados sobre as festas e devoções em Portugal não têm sido objecto da abordagem científica sistemática que se exigiria. Em entrevista à Agência ECCLESIA, o sociólogo Marinho Antunes fala dos estudos efectuados e do caminho que falta percorrer. Para ler e pensar as festas e devoções em Portugal é imprescindível olhar para o conjunto de dados provenientes de três estudos: uma sondagem no Continente sobre a religiosidade dos portugueses - 3 e 4 de Julho de 1999, Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa; um inquérito exaustivo às paróquias portuguesas, elaborado para o Centro de Estudos Sociais e Pastorais da Universidade Católica; uma sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da UCP, para o Público, RTP e RDP, nos dias 29 e 30 de Abril de 2000, em todo o Continente.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, o sociólogo Marinho Antunes fala dos estudos efectuados e do caminho que falta percorrer.



Agência ECCLESIA – A abordagem científica às realidades do “catolicismo popular” tem sido menosprezada?

Marinho Antunes – A impressão que eu tenho é que ela aparece a reboque de circunstâncias: porque é o mês de Maio, porque são as Festas populares, etc.

Tem havido, portanto, um tratamento que não é muito sistemático e isso, evidentemente, limita muito o alcance das próprias conclusões dos estudos que têm sido feitos. Nós não temos tido, até agora a capacidade de articular todas as coisas.

Apesar de tudo, um trabalho onde se procurou fazer um pouco isso foi o publicado por Mário Lages (Mário Lages, “A religiosidade popular portuguesa na segunda metade do séc. XX”, in: M. Braga da Cruz / N. Correia Guedes, coord., “A Igreja e a cultura contemporânea em Portugal”, Lisboa: UCP 2000, 379-436.). Quanto ao resto, a ideia que eu tenho é que são trabalhos muito pontuais, até porque não tem havido muita capacidade nem oportunidade para integrar os dados e ir mais longe.



AE – Qual é a vantagem dos estudos já realizados?

MA – A grande vantagem em relação a trabalhos anteriores é que, apesar de tudo, se utiliza um método das ciências sociais. Vários dos estudos estão muito centrados em experiências concretas da Religiosidade Popular - uma festa aqui, uma devoção ali... -, mesmo por pessoas que não têm grande preparação científica, tentando descrever o que vêem ou mesmo construir uma grande apologia.

Já vivemos tempos em que a acentuação era feita em sentido contrário, num certo espírito dominante que via a Religiosidade Popular como algo inferior, que tinha de ser mudada e combatida. Hoje já não temos esta posição, mas as abordagens científicas não estão preocupadas em saber se a Religiosidade Popular é uma coisa boa ou má, tenta antes compreender o fenómeno, numa abordagem objectiva – na medida que este método de aplicação de questionários a uma amostra significativa pode dar.



AE – À vista desarmada percebe-se, por exemplo, que a sensibilidade religiosa dos portugueses é marcadamente mariana. Os dados sociográficos conhecidos confirmam esta intuição?

MA – Sim, os resultados confirmam-no plenamente.



AE – Como é que os questionários podem ajudar a perceber as motivações que levam as pessoas a fazer gestos como peregrinações ou promessas?

MA – Neste caso, dadas as circunstâncias, até acabámos por utilizar um método que enriquecia em extensão as pessoas abrangidas, porque às vezes se perde uma visão de conjunto do país e temos de ter instrumentos deste género.

A este nível, quando procuramos as motivações das pessoas, notamos que este instrumento é, de facto, limitado, e ficamos com vontade de aprofundar estas questões através de entrevistas. Penso que, nesta matéria, isso é indispensável fazer-se um dia.



AE – O fenómeno das peregrinações está a ganhar uma nova importância?

MA – Há um dado curioso de que os estudos dão conta: o revigoramento e renovação desta prática que, durante muitos anos, até parecia estar em declínio.

Hoje vemos sinais de expansão nas peregrinações, um fenómeno que tem de ser tratado com muito cuidado. No fundo, cabe lá muita coisa, porque há muitas maneiras de as pessoas peregrinarem: mistura-se a peregrinação e o turismo, surgiu a categoria intermédia de turismo religioso que está em expansão.

Importa ver os limites destas situações e perceber em que condições é que isto aparece, onde e com quem. O que já temos é um conjunto complexo de comportamentos e de questões, de factores que intervêm num fenómeno muito interessante.

As peregrinações, em parte, cobrem uma área de pessoas que se aproximam dos lugares de peregrinação que vão muito além do que era aquilo pensado: a peregrinação era vista como algo exclusivo dos mais praticantes, mas não é, as fronteiras destes fenómenos são muito mais vastas.



AE – Falta olhar com mais atenção para esse campo?

MA - Só a peregrinação individual, por exemplo, merecia um estudo mais apro-fundado, dado que está pouco explorada: a título pessoal ou num pequeno grupo, são cada vez mais os que se fazem à estrada e desaparecem por dias ou semanas...

Eu penso que há aqui qualquer coisa de radical, é uma espécie de “desporto” mais ou menos religioso. As pessoas resolvem de repente fazer uma coisa extraordinária, que deve provocar um choque de muita adrenalina, e fazem coisas que a um olhar mais racional surpreendem.

Esta figura do peregrino é, aliás, compatível com a reconfiguração do campo religioso e dos comportamentos religiosos que aparecem em vários estudos.

AE – O caso de Fátima é um barómetro da Religiosidade no nosso país?

MA – No caso do Santuário de Fátima é visível a relação entre estas novas formas de que falei e o que são os “núcleos duros” – o que é propriamente o Santuário; os elementos pastorais propriamente ditos, como a Liturgia; o esforço de canalizar e trazer os peregrinos não só aos lugares, mas à mensagem e aos comportamentos dela derivantes.

Para os “gestores” do Santuário de Fátima esta é uma questão importante e eu já conversei com eles sobre isso. Todos têm uma clara noção de que estão permanentemente perante uma grande variedade de procuras e têm de se ir adaptando. Há necessidade de se oferecer um espaço bastante aberto e penso que em Fátima se tem encontrado um certo equilíbrio, de maneira que as pessoas lá encontram o seu espaço, mesmo em situações muito diferentes. Uns entram de uma maneira, outros de maneira diferente, até se vêem algumas pessoas “esquisitas”, mas lá estão e, dentro de certos limites, ninguém as importuna.

Esta é uma forma muito pós-moderna de aproximação ao religioso e este é um fenómeno que vai ter expressões novas. Com certeza que vamos encontrar outro tipo de pessoas a caminhar pelas ruas, a peregrinar.

Fonte Ecclesia

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