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Um místico que acredita no amor
2005-04-21 20:55:41

Joseph Ratzinger foi até terça-feira, essencialmente, um teólogo - e ser Papa é uma coisa completamente diferente. Estudar o seu trabalho, a sua produção teórica, esclarece a organização do seu pensamento e os seus fundamentos ideológicos - mas não dá, por si só, indicações sobre a forma como irá exercer o pontificado.

Os textos de Joseph Ratzinger revelam-nos um teólogo de inspiração augustiniana. Esta manifesta-se na primazia dada ao "amor" como forma de superar os limites (e, desse ponto de vista, os equívocos) de uma visão do mundo estritamente racional. Há uma grande exigência de inteligibilidade e o reconhecimento da importância da memória para o conhecimento. Ratzinger atribui uma grande atenção à história, à subjectividade e à estética artística para o entendimento da realidade humana.

"Como em Santo Agostinho", escreveu Henrique Noronha Galvão, teólogo da Universidade Católica, "no centro deste pensamento situa-se o dom gratuito de Deus (graça), manifestado em Jesus Cristo, e que se contrapõe à pretensão prometeica [técnica, racional] de quem pretenda construir de raiz a sua própria existência, ou as suas próprias opções na Igreja". Há nos textos do agora Papa Bento XVI uma recusa consistente, e reiterada, da tendência que pretende dar à Igreja católica uma dimensão mais humana, centrada na mensagem social de Cristo "No panorama actual da Igreja está demasiado sublinhada a natureza humana de Jesus porque não se aceita a ideia de um Deus a quem há que dirigir-se de joelhos", afirmou .

Há também o filão místico, em que o cardeal alemão encontrou em João Paulo II uma alma gémea e que abriu espaço para o aumento da influência de correntes como a Opus Dei "Aponto para uma Igreja mais interior, mais mística, mais espiritual, mais santa, que ficará sempre entre a sexta-feira santa e a Páscoa." O incremento dado ao culto de Maria também se inscreve nesta linha: "Existe um remédio cuja eficácia foi concretamente provada ao longo dos séculos, um remédio cujo prestígio parece obscurecido aos olhos de certos católicos, mas que permanece, mais do que nunca, actual: Maria."

Eliminar adversários. O percurso de Ratzinger depois de ter assumido a prefeitura da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em 1981, revela também um político frio e implacável para com as teologias com as quais não se identifica. Através de várias intervenções e livros - e também das respostas dadas no livro-entrevista O Sal da Terra - O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milénio (Ed. Multinova) - o então cardeal gostou de exibir a forma como tinha dizimado a Teologia da Libertação, como reduzira as teologias asiáticas à insignificância e como nem sequer levava a sério as teologias africanas.

O debate ideológico, que ele prezava quando acompanhou o Concílio Vaticano II como convidado do então arcebispo de Colónia, acabou por o levar, quando chegou a situação de poder, a eliminar os adversários e a empurrá-los para as margens da Igreja. Refira-se que o próprio Ratzinger não convive bem com essa sua imagem de inquisidor e de castrador das comunidades cristãs e do pensamento teológico "Eu nunca ousaria impor à cristandade as minhas próprias ideias teológicas através de decisões da Congregação", disse em O Sal da Terra. "Esforço-me por me manter dentro dos justos limites e vejo-me mais como moderador numa grande comunidade de trabalho."

Fonte DN

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