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Homilia do Patriarca de Lisboa na Eucaristia do Dia de Páscoa
2005-03-30 22:12:05

“Ressurreição de Cristo, o Kerigma cristão”

1. A Páscoa deste ano é a Páscoa do Congresso Internacional da Nova Evangelização, que se realizará em Lisboa de 6 a 13 de Novembro. Desde sempre optámos por ser fiéis à dimensão querigmática do Congresso e da Missão na Cidade a realizar no seu contexto. E essa opção significa que a mensagem que queremos transmitir à nossa cidade é o “querigma” cristão, tão claramente proclamado pelo Apóstolo Pedro: “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele depois de ter ressuscitado dos mortos” (Actos 10, 40-41).


A ressurreição de Cristo é o centro da nossa fé, e o núcleo principal do anúncio cristão. São Paulo dirá aos Coríntios, entre os quais parecia haver alguns que tinham dificuldade em acreditar na ressurreição, que se Cristo não ressuscitou dos mortos, a nossa fé é vã. O tema central do Congresso será exactamente esse: Cristo está Vivo, e n’Ele podemos alcançar a plenitude da vida. O próprio Jesus declarou: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
Este é um anúncio exigente no quadro cultural em que estamos a viver. Há hoje muitos cristãos, entre os quais alguns jovens, que têm dificuldade em acreditar na ressurreição de Cristo. Jesus Cristo voltou a estar na moda, na literatura, na arte, nos “media”, que procuram apresentá-l’O apenas como um homem, extraordinário porventura, mas sujeito aos limites da raça humana, não se hesitando, por vezes, em falsear a verdade histórica dos Evangelhos, chegando a acusar-se a Igreja de ter inventado a fé na Ressurreição e escondido a verdade histórica acerca de Jesus. Esquecem que a abordagem histórica de Jesus só é possível respeitando a historicidade dos Evangelhos. Mas é preciso reconhecer que essas abordagens livres e romanceadas da figura de Jesus exercem grande fascínio em muita gente, num ambiente geral de relativização da objectividade da verdade. Aos cristãos eu digo, como São Paulo aos Coríntios: relativizar a divindade de Jesus Cristo, reduzindo-O a um fenómeno simplesmente humano e não acreditar na sua ressurreição, é destruir a nossa fé. E é neste contexto que queremos anunciar, com a sinceridade de um testemunho, que Cristo está vivo, porque ressuscitou dos mortos.
Esta dificuldade em aceitar a ressurreição de Cristo insere-se num contexto cultural que dificilmente aceita a dimensão transcendente da vida, reduzida à sua dimensão biológica e psicológica. É que acreditar na ressurreição de Cristo não é, apenas, aceitar uma verdade religiosa isolada, é abrir-se ao mistério da vida, à sua dimensão transcendente e sagrada que é preciso respeitar, como um dom a desenvolver e a aprofundar, como um caminho a percorrer em ordem a uma plenitude, também ela transcendente, porque só pode ser obra de Deus, que nos fará participar na vida plena do ressuscitado.
A nossa cultura contemporânea favorece uma relação complexa, por vezes traumática, com a vida. Ao mesmo tempo que se apregoa e cultiva a dignidade da pessoa humana e se desenvolvem projectos de desenvolvimento e modelos de civilização que procuram garantir a harmonia e a felicidade do homem, mata-se com facilidade por motivos económicos e políticos, defende-se o direito de pôr fim à vida quando ela é exigente e difícil, quer no seu início, quer no seu termo. Os modelos de civilização que estamos a construir estão hoje longe de respeitar o valor sagrado da vida, cultivando a coragem e a generosidade que ela exige. Esta dimensão transcendente e sagrada da vida é, certamente, nos nossos dias, o principal ponto de clivagem entre a Igreja e a sociedade, entre uma visão cristã do mistério e da dignidade da vida e uma visão imanente e naturalista da vida.

2. A ressurreição de Cristo põe em evidência que a vida, toda a vida, continua a ser um dom de Deus. Recebemo-la gratuitamente e somos apenas seus administradores, descobrindo-a em cada dia mais profundamente, aproximando-a da qualidade que tem na sua fonte o Deus vivo. Esse Deus vivo, fonte de toda a vida, pode dá-la, mesmo vencendo a morte; ressuscitou o seu Filho, Jesus Cristo, que se tornou no rosto humano dessa fonte divina da Vida. A compreensão cristã da vida encontra aí o seu eixo central: ser cristão é viver a vida unido a Jesus Cristo e descobrir n’Ele e receber d’Ele a plenitude da vida. Desde que se acredite na ressurreição de Cristo, viver a nossa vida é, necessariamente, viver com Cristo, acreditando que só Ele nos conduzirá à plenitude da vida. É já esse o ensinamento de Paulo aos Colossenses: “A nossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória” (cf. Col 1, 26-27).
O tema do Congresso será, assim, a vida em todas as suas dimensões, ameaças e problemas, mas também em todas as suas expressões e testemunhos de quem acredita e luta pela vida. Esse é, aliás, um testemunho cada vez mais necessário nos nossos dias: o testemunho daqueles que respeitam a vida, que lutam por ela, a querem descobrir e construir de mãos dadas, afirmando a vitória da vida sobre a morte, da generosidade e do amor sobre todas as formas de egoísmo. A vida não é uma teoria, é, por vezes, um compromisso que dói, uma batalha a travar com a nobreza de um ideal.

3. A fé na ressurreição de Cristo não é o resultado de uma conclusão lógica. Ela impõe-se pela força das testemunhas. Os apóstolos consideram que O ressuscitado lhes apareceu porque tinham sido escolhidos como testemunhas e sentem-se enviados a proclamar esse testemunho, a pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus Juiz dos vivos e dos mortos. E ainda hoje um novo anúncio de que Cristo está vivo só pode ser feito por testemunhas, por aqueles a quem a profundidade da sua fé, na oração e na Eucaristia que celebram, tornou sólida a certeza de que Jesus Cristo, seu Senhor, está vivo, porque ressuscitou dos mortos. Situar a evangelização no campo do testemunho é dar prioridade ao diálogo entre as pessoas, em todas as circunstâncias. O anúncio cristão situa-se no âmbito do diálogo, convincente e respeitador. Só no diálogo as pessoas são sensíveis ao testemunho sincero de outras pessoas. E esse testemunho tem de ser credenciado também pela coerência na defesa e na promoção da vida, o que pode revestir a forma da intervenção cultural, social e mesmo política. Dificilmente daremos testemunho da vida, se não formos promotores da vida, sem nunca esquecer que a fonte da vida é Cristo ressuscitado, cuja Páscoa comemoramos sempre que celebramos a Eucaristia. Não esqueçamos que o ano do Congresso é, também, o Ano da Eucaristia.

Sé Patriarcal, 27 de Março de 2005

Fonte Ecclesia

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