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Homilia do Patriarca de Lisboa na Missa de Quarta-feira de Cinzas
2005-02-10 21:43:56

“Evangelização e Conversão”

Homilia de Quarta-Feira de Cinzas
Sé Patriarcal, 9 de Fevereiro de 2005

1. Como tive ocasião de afirmar na Nota Pastoral que dirigi aos cristãos da diocese de Lisboa no início da Quaresma, somos convidados, na Páscoa deste ano, a encontrar a síntese entre o Evangelho, que nos converte à fé e a Eucaristia onde a fé nos leva, em união com Cristo, a uma oblação de toda a vida transformada na Páscoa e abrindo-nos, desde já, sobre a vida definitiva, na plenitude de Deus.


Nessa linha, neste primeiro dia da Quaresma, proponho-me meditar convosco sobre a relação que há entre a evangelização e a conversão.
“Convertei-vos e acreditai no Evangelho” é o desafio que a Igreja lança, a cada um de nós, ao impor-nos as cinzas, sinal que evoca a penitência exigida pelos nossos pecados e a humildade de quem escuta a palavra de esperança, a boa-nova da salvação. Segundo o Evangelista São Marcos, esse é o sentido do início da proclamação do Evangelho do Reino, pelo próprio Jesus desde o início do seu ministério profético: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai na Boa-Nova” (Mc. 1,15). Já no Antigo Testamento toda a pregação profética visava a conversão dos corações ao Deus da Aliança, abrindo-se ao dinamismo da sua misericórdia: “Convertei-vos a Mim de todo o coração… Convertei-vos ao Senhor Nosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e misericordioso” (Joel 2,12-13).
É esta relação existente entre a proclamação da Palavra de Deus e a conversão que torna urgente a evangelização. A verdadeira urgência de Deus, do seu Filho Jesus Cristo e da Igreja seu Povo, é o convite à conversão, porque só ela provocará aquela mudança do coração que abre os homens à vida, semeia neles a esperança, os torna capazes de rezar e de amar. A Igreja não evangeliza apenas como uma qualquer instituição que precisa de divulgar a sua doutrina. Só a salvação é urgente, só essa urgência impele a Igreja para a inquietação do Evangelho.
Se a salvação é a única urgência da Igreja, ela evangeliza porque acredita que o Evangelho abre o coração dos homens à salvação, isto é, ao encontro com Deus em Jesus Cristo. E esta convicção acerca do poder transformador da Palavra, sugere a própria maneira de a anunciar: com fé, com vigor e ardor, com a paixão de quem deseja o bem dos seus irmãos, qualidades que, antes de tocarem o coração dos ouvintes, devem fazer arder de zelo aqueles que a proclamam. É esse ardor, esse zelo devorador que transpira da Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios: ele sabe que através da sua palavra é o próprio Cristo que exorta à conversão, mas ousa falar na primeira pessoa: “Nós vos pedimos em nome de Cristo, reconciliai-vos com Deus (2Cor. 5,21).
A Palavra proclamada convida à conversão, antes de mais, aqueles que a proclamam: os catequistas, os leitores, os cantores, os pregadores. Referindo-se a essa riqueza imensa da Palavra de Deus, que a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II procurou dinamizar, diz o Santo Padre na Carta Apostólica “Mane Nobiscum Domine”: “É o próprio Cristo que fala, quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura”. Ninguém deveria apresentar-se, perante a comunidade, para proclamar a Palavra, sem antes a ter interiorizado e meditado em silêncio. Acrescenta o Santo Padre: “De facto não basta que os textos bíblicos sejam proclamados numa língua compreensível, se tal proclamação não é feita com cuidado, preparação prévia, escuta devota, silêncio meditativo, necessários para que a Palavra de Deus toque a vida e a ilumine” (cf. MND. n. 13).
A Palavra de Deus é um convite à conversão, feita por quem, ao proclamá-la, está disposto a deixar-se converter por ela. Maravilhosa consequência do mistério da Encarnação: toda a Palavra brota do coração de Deus, em Jesus Cristo, mas é tão completamente humana, que exprime a sua força criadora na verdade e autenticidade de quem a pronuncia. Ela é expressão da nossa comunhão com Cristo, porque Ele quis que a sua Palavra fosse a nossa palavra.

2. Na sua Mensagem para esta Quaresma, João Paulo II pôs o acento na conversão à Vida, em feliz convergência com Aquele que será o tema central e unificador do Congresso Internacional da Nova Evangelização: Cristo Vivo, a vida descoberta em Cristo Ressuscitado. O convite à conversão é, por parte de Deus, a manifestação do seu desejo de que descubramos a Vida. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. Situar o apelo à conversão no âmbito da descoberta da vida, faz com que a Palavra de Deus e o convite à salvação desçam ao concreto da vida dos homens. A Palavra de Deus pode iluminar toda a realidade humana: a generosidade com que se gera um filho, a alegria de um sorriso de criança, a sabedoria e a paciência de todo o processo educativo, concebido como descoberta em conjunto da vida. As lutas, os desânimos, os fracassos e as agressões à vida, os sofrimentos injustamente infligidos, a solidão egoisticamente provocada e tolerada. Faz-nos pensar na exigência especial do envelhecimento, no que ele significa de hino à vida vivida, de aprofundamento do verdadeiro mistério da vida, de mensagem da esperança que ele encerra. Toda a verdadeira conversão desafia a uma mais profunda descoberta da vida, da sua beleza e das suas exigências. Toda a evangelização é anúncio da vida, dos caminhos da vida.
Há uma relação de convergência entre todas as expressões da vida e Deus, fonte da Vida. É certo que a contemplação da vida pode levar-nos à descoberta de Deus; só a vida é caminho para a Vida. Mas é igualmente verdade que, ao tocar-se na fé, o mistério de Deus, torna-se forte a intuição de que só n’Ele se toca a Vida e que todas as suas expressões já conhecidas e experimentadas se transformam em desejo de plenitude e em hino de louvor. Isso torna-se radicalmente verdade na ressurreição de Cristo, que nós celebramos e vivemos na Eucaristia. Aí, a vida misteriosa do Ressuscitado descobre-se como promessa de vida em abundância para nós, os crentes. Nunca, como na Eucaristia, se aprende a desejar e a amar a vida, porque Ele, o Vivo, convive connosco. Aí aprendemos que, para viver em plenitude, é preciso vencer a morte, todas as mortes e que só o podemos fazer, unidos à sua Páscoa. Em cada Eucaristia, nós aprendemos a vencer a nossa própria morte.
Nesta Quaresma, em que preparamos intensamente o Congresso Internacional da Nova Evangelização, cada palavra da Igreja tem de ser uma palavra de vida e para a Vida. Nisso nos acompanhará Maria, a Mãe do Verbo da Vida. As palavras com que o Santo Padre termina a sua Mensagem, são ponto de partida de uma autêntica espiritualidade pascal: “Maria, nossa guia no itinerário quaresmal, faça com que todos os crentes, especialmente os anciãos, cheguem a um conhecimento cada vez mais profundo de Cristo morto e ressuscitado, que é a razão derradeira da nossa existência. Que Ela, a fiel serva do seu Filho divino, juntamente com os santos Ana e Joaquim, interceda por nós «agora e na hora da nossa morte»”.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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