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Evangelização pode ser elemento decisivo na construção da paz
2005-01-03 11:09:00

Homilia de D. José Policarpo no Dia Mundial da Paz

1. Iniciamos hoje o novo ano de 2005, o quinto do terceiro milénio. Durante ele celebrar-se-á em Lisboa o Congresso Internacional da Nova Evangelização, que procura um novo ardor e caminhos novos para o anúncio de Jesus Cristo e do Seu Evangelho no mundo contemporâneo. É também, por determinação do Santo Padre, o Dia Mundial da Paz. Na sua Mensagem para este dia, o Papa apresenta-nos a paz como obra de amor e de triunfo do bem, partindo da afirmação do Apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos: “Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem” (Rom. 12,21). Estas circunstâncias sugerem que vos fale hoje da necessária relação que há entre o anúncio do Evangelho e a construção da paz.

Ao falar de paz não refiro apenas a ausência de guerra, mas sim o esforço positivo de edificação de uma sociedade digna do homem, segundo o desejo de Deus. Desde que Paulo VI afirmou que “o desenvolvimento é o novo nome da paz”, o conceito de paz na linguagem dos Pontífices inclui a problemática da justiça, da responsabilidade de todos para com todos, num mundo globalizado e interdependente, concebido como única família humana, o destino universal dos bens, incluindo os benefícios da ciência e da técnica, o sublinhar da importância do “bem comum” sobre os interesses particulares e particularistas, na consciência de que o “bem comum” tem, cada vez mais, uma dimensão global e universal. A paz é o anúncio da esperança para quantos lutam por um mundo novo, mais justo e fraterno.

Neste contexto o anúncio do Evangelho tem de ter a força de um testemunho vivido e não apenas a proclamação de uma doutrina acreditada. Todos aqueles e aquelas que impulsionados pelo amor procuram superar os males e os desvios do nosso mundo, merecem verdadeiramente o título de “construtores da paz”. Jesus Cristo e o Seu Evangelho projectam continuamente os cristãos para essa luta sem tréguas para construir um mundo melhor.

2. O cristianismo surge na história como um dinamismo de paz. Glória a Deus nas alturas e paz na terra para os homens, é a expressão exultante da alegria dos pastores de Belém. Cristo tinha sido anunciado como o “Príncipe da Paz” e o “reino messiânico” anunciado pelos Profetas, é de tal modo perfeito e ideal, que pertence já à ordem da perfeição definitiva.

A evangelização pode tornar-se elemento decisivo na construção da paz, antes de mais porque anuncia claramente que a paz é um dom de Deus, como é afirmado no texto do Livro dos Números que acabámos de escutar: “o Senhor volte para ti os Seus olhos e te conceda a paz”. Ao proclamarmos que a paz é um dom de Deus, isso não nos desresponsabiliza na construção da paz. É apenas a certeza de que a paz é querida por Deus, é o Seu objectivo para a humanidade, e que acompanhará com a Sua graça todos os construtores da paz.

Mas é na proclamação da centralidade do amor na concepção cristã da vida e da história, que esta relação entre dom de Deus e esforço humano na construção da paz se torna clara. Quando João Paulo II nos afirma que “a paz é um bem a ser promovido com o bem”, é principalmente ao amor que se refere. Escutemo-lo na sua Mensagem para este dia: “Visto nas suas componentes mais profundas, o mal é, em última análise, um trágico esquivar-se às exigências do amor. O bem moral, pelo contrário, nasce do amor, manifesta-se como amor e é orientado ao amor. Este argumento é particularmente evidente para o cristão, pois sabe que a participação no único Corpo místico de Cristo coloca-o em particular relação não somente com o Senhor, mas também com os irmãos. A lógica do amor cristão, que no Evangelho constitui o coração palpitante do bem moral, conduz, se levada às últimas consequências, até ao amor pelos inimigos: «Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber» (Rom. 12,20)”

3. Relacionar a evangelização com a construção da paz é afirmar que esta é um fruto de civilização, que comunica um ideal e uma ordem de valores que exprimem o que desejamos para cada homem e para a comunidade humana. Uma cultura mecanicista e pragmática, que busca resultados, corrige desvios e equaciona problemas; que não tenha uma visão generosa da liberdade como capacidade de conceber e de se comprometer em ideais positivos, não é uma cultura de paz. O ideal cristão constitui um elemento decisivo de civilização que converge facilmente com todos os valores positivos e generosos contidos noutras religiões e culturas, constituindo aquilo a que o Papa já chamou “a gramática da lei moral universal”. Escutemo-lo ainda na Mensagem deste ano: “Para orientar o seu próprio caminho entre as solicitações opostas do bem e do mal, a família humana tem urgente necessidade de valer-se do património comum de valores morais que o mesmo Deus lhe deu. Por isso, a quantos estão decididos a vencer o mal com o bem, São Paulo convida a cultivar atitudes nobres e desinteressadas de generosidade e de paz (cf. Rom. 12,17-21)”.

A paz supõe uma cultura que se afirma dinamicamente na educação e na formação das consciências. Referindo-se ao erradicar de todas as formas de violência, diz ainda o Papa: “Por isso torna-se indispensável promover uma grande obra educadora das consciências que forme a todos, sobretudo às novas gerações, para o bem, abrindo-lhes o horizonte do humanismo integral e solidário que a Igreja indica e deseja. Sobre estas bases, é possível criar uma ordem social, económica e política que tenham em conta a dignidade, a liberdade e os direitos fundamentais de cada pessoa”.

Evangelizar para a paz é ser coerente com a convicção de que só uma cultura de paz inspirará os caminhos para o progresso da humanidade. É aceitar propor, continuamente, em pleno processo de mutação cultural, a verdade e a beleza das perspectivas cristãs sobre a dignidade do homem e do seu futuro colectivo. É encontrar o alicerce sólido de uma esperança que não sossobra, porque acreditamos que, com a força do Espírito de Deus, a paz triunfará.

4. Evangelizar para a paz é conhecer e incluir claramente no nosso discurso sobre os problemas e caminhos da sociedade a doutrina social da Igreja. Ela está de tal maneira ancorada no Evangelho que os cristãos, na sua participação na construção de uma sociedade melhor, não a podem desconhecer.

Há, é certo, uma gradualidade na sua aplicação concreta; as soluções ideais não se conseguem rapidamente. Mas nunca podemos esquecer ou abandonar, na nossa luta, o ideal das soluções para que Jesus Cristo nos encaminha.

Cito, apenas, uma característica exigente e apaixonante desta visão nobre da construção da cidade dos homens: a interdependência universal de todos os problemas, soluções e objectivos. Nenhum país resolve os seus problemas fechando-se sobre si mesmo. Cito ainda o Santo Padre: “O facto de pertencer à família humana confere a cada pessoa uma espécie de cidadania mundial, tornando-a titular de direitos e de deveres, visto que os homens estão unidos por uma comunhão de origem e de supremo destino. Basta que uma criança seja concebida para que se torne titular de direitos, mereça atenção e cuidados e alguém tenha o dever de lhos providenciar. A condenação do racismo, a tutela das minorias, a assistência aos prófugos e refugiados, a mobilização da solidariedade internacional em favor de todos os necessitados não passam de aplicações coerentes do princípio da cidadania mundial”.

É importante que, em momentos como os que estamos a viver, de análise colectiva dos novos caminhos de futuro, sejam equacionadas com clareza as interdependências dos nossos problemas com os caminhos dos outros povos. Só isso dará verdadeiro horizonte às soluções propostas, mitigará particularismos e utopias, dará solidez e realismo aos objectivos a prosseguir.

5. A construção da paz envia os cristãos para o meio da sociedade, a anunciarem o Evangelho da Paz. E neste Ano da Eucaristia, o seu ponto de partida é a celebração da Ceia do Senhor, como diz o Santo Padre na Carta Apostólica “Fica connosco Senhor”: “Eucaristia não é expressão de comunhão apenas na vida da Igreja; é também projecto de solidariedade em prol da humanidade inteira. A Igreja renova continuamente, na celebração eucarística, a sua consciência de ser «sinal e instrumento» não só da íntima união com Deus mas também da unidade de todo o género humano”.

“Há ainda um ponto para o qual queria chamar a atenção, porque sobre ele se joga, em medida notável, a autenticidade da participação na Eucaristia, celebrada na comunidade: é o impulso que esta aí recebe para um compromisso real na edificação duma sociedade mais equitativa e fraterna. Na Eucaristia, o nosso Deus manifestou a forma extrema do amor, invertendo todos os critérios de domínio que muitas vezes regem as relações humanas e afirmando de modo radical o critério do serviço: «Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos”.

“Por que não fazer então deste Ano da Eucaristia um período em que as comunidades diocesanas e paroquiais se comprometam de modo especial a ir, com operosidade fraterna, ao encontro de alguma das muitas pobrezas do nosso mundo? Penso no drama da fome que atormenta centenas de milhões de seres humanos, penso nas doenças que flagelam os países em vias de desenvolvimento, na solidão dos idosos, nas dificuldades dos desempregados, nas desgraças dos imigrantes. Trata-se de males que afligem, embora em medida diversa, também as regiões mais opulentas. Não podemos iludir-nos: pelo amor mútuo e, em particular, pela solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo”.

Oeiras, 1 de Janeiro de 2005,
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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