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Rezar na Prisão ao Ritmo de Taizé
2004-12-31 12:13:29

Grupo de participantes do encontro europeu foi à cadeia de Lisboa contactar e orar com jovens detidos por consumo de droga. Talvez os reclusos "até tenham mais valor que eu, porque Jesus diz que se deve ir à procura da única ovelha que está perdida e deixar as 99 salvas", comentava uma rapariga checa.

O que mais custa a Jorge (os nomes portugueses são fictícios) é não ver as filhas, de dois e três anos. Com elas, está "toda a vida lá fora". Na ala G do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), onde está detido, a manhã de ontem foi diferente: um grupo de 16 jovens que estão em Lisboa para o encontro europeu, promovido pela comunidade de monges de Taizé, esteve na prisão e rezou com os detidos.

Jorge foi condenado a quatro anos de cadeia por consumo e tráfico de droga, mas aguarda resposta a um recurso apresentado. Cumpriu já dois anos e meio, seis meses dos quais na ala G, considerada um modelo entre as prisões portuguesas. Está a "tentar mudar" e tem uma proposta de trabalho para quando sair. "Não me posso queixar."

Está contente com a visita, preparada por um pequeno grupo da paróquia de Campolide, que foi por duas vezes à ala G, falou com os detidos e mostrou um filme sobre Taizé, a comunidade fundada em 1940, em França, e que reúne monges de origem católica e protestante. Não sendo crente, Jorge diz que o que viu no filme mostrou "uma coisa diferente".

Por isso partiu dos detidos a ideia de um grupo vir à cadeia visitá-los e rezar com eles. "Gostei do espírito, das pessoas se juntarem para rezar", diz entretanto Rafael, 21 anos, escolhido para guia. Na pequena oração que finaliza esta experiência, todos se sentam no chão - não se distingue quem está dentro ou veio de fora.

"Rezar assim quebra barreiras. Não interessa o que se fez ou somos, porque somos iguais perante Deus", diz Lenka Hruskova, 27 anos, que veio da República Checa. "Talvez eles até tenham mais valor que eu, porque Jesus diz que se deve ir à procura da única ovelha que está perdida e deixar as 99 salvas."

Conversa na "praia"

Lenka, profissional de "marketing", ficou muito bem impressionada com o que viu. Já visitou várias prisões nos Estados Unidos, onde estudou alguns anos, e diz que nesta ala do EPL todos, guardas e presos, são "mais humanos". Os detidos dizem bem de quem os vigia. "Tirando este, que é um bocado apanhado", atira um recluso, a rir, sobre o guarda que acompanha a visita. "Brincamos, jogamos futebol juntos, matraquilhos..."

Witold Piskorek, 26 anos, de Varsóvia (Polónia), quis escrever matraquilhos em português. Treina crianças em futebol (está à espera de outro emprego, também em marketing) e viu que, aqui, "são todos uma família e isso é bom".

No final, entre um café entornado e dois dedos de conversa na "praia" - nome que os reclusos dão ao pátio onde passam muito do tempo livre exterior - trocam-se votos de felicidades, sorrisos, agradecimentos pela visita.

É o próprio guia quem explica regras e lugares: ali são 42 detidos (as outras alas do estabelecimento prisional têm 250 a 300 cada) por consumo ou tráfico de estupefacientes, que seguem um programa terapêutico, estudam (quatro aulas diárias), cuidam da limpeza, decoração - presépios e ornamentos de Natal acrescentam cor às grades e portas amarelas. Na "praia", tratam de canteiros, dois cães e uma gaiola de pássaros.

Mostram com orgulho a biblioteca (livros escolares, enciclopédias, ficção portuguesa e estrangeira), o ginásio, o estúdio de rádio, as celas de um ou três lugares. Rogério, condenado a três anos e oito meses, não teve dúvidas quando teve oportunidade de passar para a ala G: "Diziam que era um oásis na cadeia. E é", conclui, ao fim de dois meses.

"Não hei-de morrer sem saber a cor da liberdade"

"O projecto [de tratamento] obriga-nos a dar de nós, mas ajuda-nos", diz. Na oficina, um pequeno quadro inclui um poema: "Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade."

Uma pequena sala, com a luz coada por cortinas, transforma-se em local de oração: um ícone, um pano laranja sobre uma mesa, velas acesas. Alguns dos detidos esboçam um canto, vários mexem os lábios quando, no fim, se reza o Pai-Nosso.

Reza-se pelas crianças abandonadas, pelos reclusos do EPL e da ala G, pelas vítimas da tragédia na Ásia. Acaba-se, em italiano, a cantar: "Tu és fonte de vida, tu és fogo, tu és amor."

"Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido?", diz o curto texto bíblico escutado por todos.

Fonte Público

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