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As raparigas da higiene do Congo
2004-12-27 18:34:49

Há sete anos, Candelas Varela – enfermeira de Vigo – foi para a República Democrática do Congo para se dedicar à instalação duma escola de enfermagem. Actualmente, esta jovem do Opus Dei dirige em Kinshasa o ISSI-Monkole, um dos centros de formação sanitária mais prestigiados do país. As alunas são conhecidas como 'as raparigas da higiene'.

Com a experiência adquirida em vários hospitais espanhóis e um enorme entusiasmo, Candelas Varela, aterrou em Kinshasa um bom dia de Setembro de 1997. “A recordação que tenho é a de ter aberto bem os olhos, querendo ver tudo e a pensar que era como o que se vê na televisão das zonas de guerra em África”.

“Contudo – continua –, não se vê a gente com ar triste; pelo contrário, em todo o trajecto do aeroporto até ao meu bairro, uns vinte cinco minutos de carro, embora fosse muito cedo – pelas 6 da manhã – vi muitos locais com música onde a gente cantava e bailava”. Embora Candelas tenha chegado ao antigo Zaire somente quatro meses depois de Kabila ter assumido o poder após derrotar Mobutu, “a situação política, ainda sem ser muito estável, era tranquila”.

Para se adaptar melhor ao país e ao trabalho que ia desempenhar na escola de enfermagem, esteve um ano a “estagiar” nos cinco hospitais mais importantes da capital do Congo. O que mais a impressionou foi a capacidade de adaptação de todos os profissionais do sector médico.

“É incrível como conseguem trabalhar sem mal terem o mínimo de material, sem água corrente, pode-se dizer que sem coisa alguma. Aprendi muitíssimo durante esse ano e foi-me possível viver muito de cerca os problemas e a situação que tem de enfrentar o enfermeiro no Congo. A quase totalidade das infra-estruturas sanitárias do país encontra-se num estado de ruína e os esforços de manutenção e inclusivamente de construção devem-se sobretudo às ONG e aos organismos de cooperação para o desenvolvimento”.

Depois seguiu-se outro ano a trabalhar em Monkole, um centro de saúde promovido pelo Opus Dei num bairro periférico de Kinshasa. O hospital foi inaugurado em 1991, conta com a capacidade de 40 camas e num futuro projecta construir um complexo de 150 camas. “O objectivo dos seus promotores – acrescenta Candelas – é o de prestar cuidados de qualidade à população. A higiene é um dos aspectos que mais se cuidam; põem-se todos os meios para tratar de trabalhar nas melhores condições possíveis e com o maior profissionalismo”.

Ensino de qualidade

Monkole, vendo a necessidade de enfermeiras que tinha o país, decidiu criar uma escola de enfermagem e pediu ajuda à cooperação francesa. O projecto foi aprovado e o ISSI
(Institut Supérieure en Sciences Infirmières) abriu as suas portas em 1997 com vinte alunas. “Tal como Monkole, o ISSI pretende um ensino de qualidade com um material didáctico de bom nível e com o necessário para formar profissionais de qualidade – comenta a directora. – O objectivo destas instituições não se limita a remediar uma situação de urgência no país, mas a de contribuir para o desenvolvimento sustentável”.

Desde a sua inauguração em 1997 pelo ministro da Educação, o ISSI está no ponto de mira de todo o país. “Agora já somos conhecidos por quase toda a gente – relata Candelas – e tanto o ministro Emile Ngoy Kasongo como a associação de enfermeiros do Congo citam-nos como exemplo em todas as reuniões”.

Conhecimentos técnicos, cuidados humanos

Na Escola de Enfermagem as alunas pagam metade das despesas reais, ou seja, 300 euros por ano. A pesar disso, muitas não podem pagar esse montante e procura-se-lhes uma bolsa de estudos. A maioria das alunas que terminaram o curso trabalham nos hospitais de Kinshasa ou noutras regiões do interior do país. Cada vez são mais solicitadas, sobretudo porque os cuidados que proporcionam são não só tecnicamente bons, mas também cheios de humanidade”.

Durante os períodos de estágio que as alunas realizam nos diferentes hospitais de Kinshasa, são conhecidas como “as raparigas da higiene”. As informações que se recebem sobre elas são muito positivas, sobretudo nos pontos essenciais nos que incidiu a formação: higiene, responsabilidade e relação com o doente.

Para reforçar esses aspectos, desde 1999 começaram a organizar-se no ISSI seminários de uma semana de duração para reciclar o pessoal de saúde. A iniciativa teve um grande acolhimento e a procura é cada vez mais forte graças também ao prestígio que atingiu a Escola.

“Agora temos 54 alunas no primeiro ano. É a primeira vez que atingimos estes números porque as turmas anteriores eram mais pequenas; já começámos a ser conhecidos por colocar em primeira linha a formação humanística das futuras profissionais junto com a formação nos valores humanos”, conclui.

Alunas com dificuldades e interesses

As condições de vida no Congo têm muito pouco a ver com as do Ocidente. Como a maioria da população, as alunas de enfermagem carecem de água corrente em casa, além disso há cortes de corrente eléctrica que podem durar duas ou três semanas.

Alunas como Pamela, que está no 3º ano de enfermagem. É órfã e o ano passado ficou em casa sem estudar porque não tinha dinheiro para pagar a inscrição. Agora começou outra vez os estudos do 3º ano mas a pessoa que lhe tinha prometido que a ia ajudar a pagar a matrícula saiu do país e Pamela encontra-se numa situação muito difícil para continuar a estudar.

Ou como Magalie, que está no 2º ano de enfermagem, e é a mais velha duma família de 8 irmãos. O pai é funcionário público e não lhe pagam há vários meses, “A mãe, a única que tinha um trabalho estável – conta-nos Candelas –, o marido acaba de a pôr fora de casa porque diz que ela foi responsável pela morte do filho mais novo, que faleceu de meningite. Agora Magalie não pode pagar os estudos e falta muito às aulas, não estuda porque não consegue concentrar-se, tem que se ocupar dos irmãos”.

A situação do país reflecte-se como num espelho na vida destas jovens estudantes de enfermagem. O pai de Glória morreu com sida há 6 anos e a mãe é seropositiva. É a quinta duma família de 9 irmãos, onde o mais velho é o único que traz algum dinheiro para casa. “Glória é muito inteligente – diz a directora do centro. – Foi a melhor da sua escola no Diploma de Estado (exame que serve para terminar os estudos secundários) e no primeiro ano em Enfermagem foi a melhor aluna da sua turma. Vive muito longe da Escola, num bairro sem luz. Quando chove o rio que está ao lado da casa sai do leito e tem que sair de canoa. Parece mentira mas é isto o que acontece porque as casas estão construídas sem respeitar as mínimas regras de urbanismo, o que faz que não haja canalizações de água nem sarjetas”.

Maguy, outras aluna, está no 3º Ano. O pai, que era o piloto do presidente, desapareceu o ano passado num acidente de avião, mas ainda não o declararam morto. “Por esta razão a mãe não pode receber a pensão nem pagar os estudos da filha, refere Candelas. Além disso, Maguy sobre duma doença da hemoglobina bastante frequente no país. Tem anemia AS e vários irmãos com a mesma doença (drepanocitose) mas na sua forma grave (anemia SS). Três dos seus irmãos já morreram com esta doença. A última foi uma rapariga de 18 anos que morreu este ano. A mãe teve uma depressão perante tanta desgraça e saiu de casa. É Maguy que se ocupa agora da casa e dos irmãos.

Outro caso semelhante é o de Laure, aluna do primeiro Ano: “É orfã de pai, que era médico e tinha três mulheres (aqui a poligamia é muito vulgar). Ela é a mais velha da família (3 irmãos). A mãe está desempregada na empresa onde trabalhava porque a despediram por falta de trabalho. Vive muito longe da Escola e tem que apanhar 6 autocarros todos os dias. Começou os estudos com um ano de atraso, porque esteve a trabalhar para conseguir dinheiro para a inscrição”.

Por último, Candelas insiste na ideia: “Quando se fala de África sempre se destaca o que não funciona, a miséria e a dor; se refiro as dificuldades das nossas alunas, é precisamente para mostrar o seu afã de superação, para falar do que realmente funciona na ajuda ao desenvolvimento”.

http://www.opusdei.org/art.php?w=28&p=9193


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