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Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo - 1ª parte
2004-08-15 18:29:06

Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo

Introdução

1. Perita em humanidade, a Igreja está sempre interessada por tudo o que diz respeito ao homem e à mulher. Nestes últimos tempos, tem-se reflectido muito sobre a dignidade da mulher, sobre os seus direitos e deveres nos diversos âmbitos da comunidade civil e eclesial. Havendo contribuído para o aprofundamento desta temática fundamental, sobretudo com o ensinamento de João Paulo II,1 a Igreja sente-se hoje interpelada por algumas correntes de pensamento, cujas teses muitas vezes não coincidem com as finalidades genuínas da promoção da mulher.


O presente documento, depois de uma breve apresentação e apreciação crítica de certas concepções antropológicas hodiernas, entende propor algumas reflexões inspiradas pelos dados doutrinais da antropologia bíblica — aliás indispensáveis para a salvaguarda da identidade da pessoa humana — sobre alguns pressupostos em ordem a uma recta compreensão da colaboração activa do homem e da mulher na Igreja e no mundo, a partir dessa sua mesma diferença. Pretendem estas reflexões, ao mesmo tempo, propor-se como ponto de partida para um caminho de aprofundamento no seio da Igreja e para instaurar um diálogo com todos os homens e mulheres de boa vontade, na busca sincera da verdade e no esforço comum de promover relações cada vez mais autênticas.

I O Problema

2. Nestes últimos anos têm-se delineado novas tendências na abordagem do tema da mulher. Uma primeira tendência sublinha fortemente a condição de subordinação da mulher, procurando criar uma atitude de contestação. A mulher, para ser ela mesma, apresenta-se como antagónica do homem. Aos abusos de poder, responde com uma estratégia de busca do poder. Um tal processo leva a uma rivalidade entre os sexos, onde a identidade e o papel de um são assumidos em prejuízo do outro, com a consequência de introduzir na antropologia uma perniciosa confusão, que tem o seu revés mais imediato e nefasto na estrutura da família.
Uma segunda tendência emerge no sulco da primeira. Para evitar qualquer supremacia de um ou de outro sexo, tende-se a eliminar as suas diferenças, considerando-as simples efeitos de um condicionamento histórico-cultural. Neste nivelamento, a diferença corpórea, chamada sexo, é minimizada, ao passo que a dimensão estritamente cultural, chamada género, é sublinhada ao máximo e considerada primária. O obscurecimento da diferença ou dualidade dos sexos é grávido de enormes consequências a diversos níveis. Uma tal antropologia, que entendia favorecer perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico, acabou de facto por inspirar ideologias que promovem, por exemplo, o questionamento da família, por sua índole natural bi-parental, ou seja, composta de pai e de mãe, a equiparação da homossexualidade à heterossexualidade, um novo modelo de sexualidade polimórfica.

3. A raiz imediata da sobredita tendência coloca-se no contexto da questão da mulher, mas a sua motivação mais profunda deve procurar-se na tentativa da pessoa humana de libertar-se dos próprios condicionamentos biológicos.2 De acordo com tal perspectiva antropológica, a natureza humana não teria em si mesma características que se imporiam de forma absoluta: cada pessoa poderia e deveria modelar-se a seu gosto, uma vez que estaria livre de toda a predeterminação ligada à sua constituição essencial.
Muitas são as consequências de uma tal perspectiva. Antes de mais, consolida-se a ideia de que a libertação da mulher comporta uma crítica à Sagrada Escritura, que transmitiria uma concepção patriarcal de Deus, alimentada por uma cultura essencialmente machista. Em segundo lugar, semelhante tendência consideraria sem importância e sem influência o facto de o Filho de Deus ter assumido a natureza humana na sua forma masculina.

4. Perante tais correntes de pensamento, a Igreja, iluminada pela fé em Jesus Cristo, fala ao invés de colaboração activa, precisamente no reconhecimento da própria diferença entre homem e mulher.
Para melhor compreender o fundamento, o sentido e as consequências desta resposta, convém voltar, ainda que brevemente, à Sagrada Escritura, que é rica também de sabedoria humana, e onde esta resposta se manifestou progressivamente, graças à intervenção de Deus em favor da humanidade.3

II Os dados fundamentais da antropologia bíblica

5. Uma primeira série de textos bíblicos a examinar são os primeiros três capítulos do Génesis. Colocam-nos eles «no contexto do “princípio” bíblico, no qual a verdade revelada sobre o homem como “imagem e semelhança de Deus” constitui a base imutável de toda a antropologia cristã».4
No primeiro texto (Gen 1,1-2,4) descreve-se o poder criador da Palavra de Deus que estabelece distinções no caos primigénio. Aparecem a luz e as trevas, o mar e a terra firme, o dia e a noite, as ervas e as árvores, os peixes e as aves, todos «segundo a própria espécie». Nasce um mundo ordenado a partir de diferenças que, por sua vez, são outras tantas promessas de relações. Eis, assim, esboçado o quadro geral em que se coloca a criação da humanidade. «Disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança... Deus criou o ser humano à sua imagem; criou-o à imagem de Deus; criou-o homem e mulher» (Gen 1, 26-27). A humanidade aqui é descrita como articulada, desde a sua primeira origem, na relação do masculino e do feminino. É esta humanidade sexuada que é explicitamente declarada «imagem de Deus».

6. O segundo relato da criação (Gen 2,4-25) confirma inequivocavelmente a importância da diferença sexual. Uma vez plasmado por Deus e colocado no jardim, de que recebe a gestão, aquele que é designado ainda com o termo genérico de Adam sente uma solidão que a presença dos animais não consegue preencher. Precisa de uma ajuda que lhe seja correspondente. O termo indica, aqui, não um papel subalterno, mas uma ajuda vital.5 A finalidade é, efectivamente, a de permitir que a vida de Adam não se afunde num confronto estéril, e por fim mortal, apenas consigo mesmo. É necessário que entre em relação com um outro ser que esteja ao seu nível. Só a mulher, criada da mesma «carne» e envolvida no mesmo mistério, dá um futuro à vida do homem. Isso dá-se a nível ontológico, no sentido que a criação da mulher da parte de Deus caracteriza a humanidade como realidade relacional. Neste encontro brota também a palavra que abre, pela primeira vez, a boca do homem numa expressão de maravilha: «Esta é realmente carne da minha carne e osso dos meus ossos» (Gen 2,23).
«A mulher — escreveu o Santo Padre em referência a este texto do Génesis — é um outro “eu” na comum humanidade. Desde o início, [o homem e a mulher] aparecem como “unidade dos dois”, e isto significa a superação da solidão originária, na qual o homem não encontra “um auxiliar que lhe seja semelhante” (Gen 2,20). Tratar-se-á aqui do “auxiliar” só na acção, no “dominar a terra”? (cfr Gen 1,28). Certamente se trata da companheira da vida, com a qual o homem pode unir-se como se une com a esposa, tornando-se com ela “uma só carne” e abandonando, por isso, o “seu pai e a sua mãe” (cfr Gen 2,24)».6

A diferença vital é orientada à comunhão e é vivida de forma pacífica, expressa no tema da nudez: «Ora ambos andavam nus, o homem e a sua mulher, e não sentiam vergonha» (Gen 2,25). Assim, o corpo humano, marcado pelo selo da masculinidade ou da feminilidade, «comporta “desde o princípio” o atributo “esponsal”, ou seja a capacidade de exprimir o amor: aquele amor precisamente no qual o homem-pessoa se torna dom e — mediante esse dom — realiza o próprio sentido do seu ser e existir».7 Ainda comentando estes versículos do Génesis, o Santo Padre continua: «Nesta sua particularidade, o corpo é a expressão do espírito, e é chamado, no próprio mistério da criação, a existir na comunhão das pessoas, “à imagem de Deus”».8
Na mesma perspectiva esponsal, compreende-se em que sentido o antigo relato do Génesis dê a entender como a mulher, no seu ser mais profundo e originário, exista «para o outro» (cfr 1Cor 11,9): é uma afirmação que, bem longe de evocar alienação, exprime um aspecto fundamental da semelhança com a Santíssima Trindade, cujas Pessoas, com a vinda deCristo, revelam estar em comunhão de amor, umas para as outras. «Na “unidade dos dois”, o homem e a mulher são chamados, desde o início, não só a existir “um ao lado do outro” ou “juntos”, mas também a existir reciprocamente “um para o outro”... O texto de Génesis 2,18-25 indica que o matrimónio é a primeira e, num certo sentido, a fundamental dimensão desta chamada. Não é, porém, a única. Toda a história do homem sobre a terra realiza-se no âmbito desta chamada. Na base do princípio do recíproco ser “para” o outro, na “comunhão” interpessoal, desenvolve-se nesta história a integração na própria humanidade, querida por Deus, daquilo que é “masculino” e daquilo que é “feminino”».9

A visão pacífica com que termina o segundo relato da criação ecoa no «muito bom» que, no primeiro relato, encerrava a criação do primeiro casal humano. É aqui que se encontra o coração do plano originário de Deus e da verdade mais profunda do homem e da mulher, como Deus os quis e criou. Por mais perturbadas e obscurecidas que sejam pelo pecado, tais disposições originárias do Criador jamais poderão ser anuladas.

7. O pecado original altera a maneira como o homem e a mulher acolhem e vivem a Palavra de Deus e a sua relação com o Criador. Logo a seguir à entrega do dom do jardim, Deus dá um mandamento positivo (cfr Gen 2,16), seguido de outro negativo (cfr Gen 2,17), em que implicitamente se afirma a diferença essencial entre Deus e a humanidade. Sob a insinuação da Serpente, essa diferença é contestada pelo homem e pela mulher. Em consequência, é também alterada a maneira de viver a sua diferença sexual. O relato do Génesis estabelece assim uma relação de causa e efeito entre as duas diferenças: quando a humanidade considera Deus como seu inimigo, a própria relação do homem e da mulher é pervertida. Quando esta última relação se deteriora, o acesso ao rosto de Deus corre, por sua vez, o perigo de ficar comprometido.

Nas palavras que Deus dirige à mulher a seguir ao pecado, é expressa de forma lapidar, mas não menos impressionante, o tipo de relações que passarão a instaurar-se entre o homem e a mulher: «Sentir-te-ás atraída para o teu marido e ele te dominará» (Gen 3,16). Será uma relação em que frequentemente se desnaturará o amor na mera busca de si mesmo, numa relação que ignora e mata o amor, substituindo-o com o jogo do domínio de um sexo sobre o outro. A história da humanidade reproduz de facto tais situações, em que se exprime claramente a tríplice concupiscência que São João recorda, ao falar da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida (cfr 1Jo 2,16). Nesta trágica situação, perdem-se a igualdade, o respeito e o amor, que no plano originário de Deus a relação do homem e da mulher exige.

8. Repassar estes textos fundamentais permite reafirmar alguns dados capitais da antropologia bíblica.
Antes de mais, há que sublinhar o carácter pessoal do ser humano. «O homem é uma pessoa, em igual medida o homem e a mulher: os dois, na verdade, foram criados à imagem e semelhança do Deus pessoal».10 A igual dignidade das pessoas realiza-se como complementaridade física, psicológica e ontológica, dando lugar a uma harmoniosa «unidualidade» relacional, que só o pecado e as “estruturas do pecado” inscritas na cultura tornaram potencialmente conflituosa. A antropologia bíblica convida a enfrentar com uma atitude relacional, não concorrencial nem de desforra, os problemas que, a nível público ou privado, envolvem a diferença de sexo.
Há que salientar, por outro lado, a importância e o sentido da diferença dos sexos como realidade profundamente inscrita no homem e na mulher: «a sexualidade caracteriza o homem e a mulher, não apenas no plano físico, mas também no psicológico e espiritual, marcando todas as suas expressões».11 Não se pode reduzi-la a puro e insignificante dado biológico, mas é «uma componente fundamental da personalidade, uma sua maneira de ser, de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, exprimir e viver o amor humano».12 Esta capacidade de amar, reflexo e imagem de Deus Amor, tem uma sua expressão no carácter esponsal do corpo, em que se inscreve a masculinidade e a feminilidade da pessoa.

A dimensão antropológica da sexualidade é inseparável da teológica. A criatura humana, na sua unidade de alma e corpo, é desde o princípio qualificada pela relação com o outro-de-si. É uma relação que se apresenta sempre boa e, ao mesmo tempo, alterada. É boa, de uma bondade originária declarada por Deus desde o primeiro momento da criação; mas é também alterada pela desarmonia entre Deus e a humanidade provocada pelo pecado. Esta alteração não corresponde, porém, nem ao projecto inicial de Deus sobre o homem e sobre a mulher, nem à verdade da relação dos sexos. Daí que, portanto, esta relação boa, mas ferida, precise de ser curada.
Quais podem ser os caminhos dessa cura? Considerar e analisar os problemas inerentes à relação dos sexos, só a partir de uma situação marcada pelo pecado, levaria necessariamente o pensamento a regredir aos erros acima acenados. Há portanto que romper esta lógica de pecado e procurar uma saída que permita extirpá-la do coração do homem pecador. Uma orientação clara nesse sentido encontra-se na promessa divina de um Salvador, em que aparecem empenhadas a «mulher» e a sua «descendência» (cfr Gen 3,15). É uma promessa que, antes de se cumprir, terá uma longa preparação na história.

9. Uma primeira vitória sobre o mal está representada na história de Noé, homem justo, que, guiado por Deus, escapa ao dilúvio com a sua família e com as diversas espécies de animais (cfr Gen 6-9). Mas é sobretudo na escolha divina de Abraão e da sua descendência (cfr Gen 12,1ss) que a esperança de salvação se confirma. Deus começa assim a revelar o seu rosto, para que, através do povo escolhido, a humanidade aprenda a estrada da semelhança divina, ou seja, da santidade e, por conseguinte, da mudança do coração. Entre as muitas maneiras com que Deus se revela ao seu povo (cfr Heb 1,1), segundo uma longa e paciente pedagogia, encontra-se também a referência ao tema comum da aliança do homem e da mulher. É paradoxal, se se considera o drama evocado pelo Génesis e a sua réplica muito concreta no tempo dos profetas, bem como a mistura entre o sagrado e a sexualidade presente nas religiões que circundam Israel. Mesmo assim, tal simbolismo afigura-se indispensável para se compreender o modo com que Deus ama o seu povo: Deus faz-se conhecer como Esposo que ama Israel, sua Esposa.
Se nesta relação Deus é descrito como «Deus ciumento» (cfr Ex 20,5; Naum 1,2) e Israel denunciado como Esposa «adúltera» ou «prostituta» (cfr Os 2,4-15; Ez 16,15-34), é porque a esperança, reforçada pela palavra dos profetas, está precisamente em ver a nova Jerusalém tornar-se a esposa perfeita: «tal como o jovem desposa uma virgem, o teu Construtor te desposará; e como a esposa é a alegria do marido, tu serás a alegria do teu Deus» (Is 62,5). Recriada «na justiça e no direito, na benevolência e no amor» (Os 2,21), aquela que se afastara para procurar a vida e a felicidade entre os falsos deuses há-de voltar, e Àquele que lhe falará ao coração «cantará como nos dias da sua juventude» (Os 2,17); e ouvi-lo-á declarar: «o teu esposo é o teu criador» (Is 54,5). Substancialmente, é o mesmo dado que se afirma, quando, paralelamente ao mistério da obra que Deus realiza através da figura masculina do Servo sofredor, o livro de Isaías evoca a figura feminina de Sião, ornada de uma transcendência e de uma santidade que prefiguram o dom da salvação destinada a Israel.
O Cântico dos Cânticos representa, sem dúvida, um momento privilegiado no uso desta modalidade de revelação. Nas palavras de um amor muito humano que celebra a beleza dos corpos e a felicidade do procurar-se um ao outro, exprime-se também o amor de Deus para com o seu povo. A Igreja, portanto, não se enganou, quando, usando as mesmas expressões, descobriu na audaciosa união do que há de mais humano com o que há de mais divino, o mistério da sua relação com Cristo.

Ao longo de todo o Antigo Testamento, configura-se uma história de salvação que joga simultaneamente com a participação do masculino e do feminino. Os termos esposo e esposa, e também aliança, com que se caracteriza a dinâmica da salvação, embora possuindo uma evidente dimensão metafórica, são muito mais que simples metáforas. Tal vocabulário nupcial atinge a própria natureza da relação que Deus estabelece com o seu povo, mesmo se essa relação é mais vasta do que se possa provar na experiência nupcial humana. Igualmente, as mesmas condições concretas da redenção estão em jogo, na forma como oráculos, do tipo dos de Isaías, associam papéis masculinos e femininos no anúncio e na prefiguração da obra de salvação que Deus está para realizar. Tal salvação orienta o leitor, tanto para a figura masculina do Servo sofredor, como para a figura feminina de Sião. Os oráculos de Isaías, de facto, alternam esta figura com a do Servo de Deus, antes de culminar, no fim do livro, com a visão misteriosa de Jerusalém que dá à luz um povo num só dia (cfr Is 66,7-14), profecia da grande novidade que Deus está para realizar (cfr Is 48,6-8).

10. No Novo Testamento, todas estas prefigurações encontram a sua realização. Por um lado, Maria, como filha eleita de Sião, na sua feminilidade, recapitula e transfigura a condição de Israel/Esposa à espera do dia da sua salvação. Por outro, a masculinidade do Filho permite reconhecer como Jesus assume na sua pessoa tudo o que o simbolismo veterotestamentário aplicou ao amor de Deus para com o seu povo, des- crito como o amor de um esposo para com a sua esposa. As figuras de Jesus e de Maria, sua Mãe, não só asseguram a continuidade do Antigo Testamento com o Novo, mas superam-no, a partir do momento que, com Jesus Cristo, aparece — como diz Santo Ireneu — «a novidade toda».13
Tal aspecto é posto em particular evidência pelo Evangelho de João. Na cena das núpcias de Caná, por exemplo, Jesus é solicitado pela mãe, chamada “mulher”, a dar como sinal o vinho novo das futuras núpcias com a humanidade (cfr Jo 2,1-12). Tais núpcias messiânicas realizar-se-ão sobre a cruz, onde, ainda na presença da mãe, indicada como “mulher”, brotará do coração aberto do Crucificado o sangue/vinho da Nova Aliança (cfr Jo 19,25-27.34).14 Nada surpreende, portanto, se João Baptista, interrogado sobre a sua identidade, se apresenta como «o amigo do esposo», que se alegra ao ouvir a voz do esposo e que deve eclipsar-se à sua chegada: «Quem tem a esposa é o esposo; e o amigo do esposo, que o acompanha e escuta, sente muita alegria ao ouvir a sua voz. Essa é a minha alegria, que agora é completa: Ele deve crescer e eu diminuir» (Jo 3,29-30).15
Na sua actividade apostólica, Paulo desenvolve todo o sentido nupcial da redenção, concebendo a vida cristã como um mistério nupcial. Escreve à Igreja de Corinto, por ele fundada: «Sinto por vós um ciúme semelhante ao ciúme de Deus, porque vos desposei com um só esposo, que é Cristo, a quem devo apresentar-vos como virgem pura» (2Cor 11,2).

Na Carta aos Efésios, a relação esponsal entre Cristo e a Igreja é retomada e amplamente aprofundada. Na Nova Aliança, a Esposa amada é a Igreja, e — como ensina o Santo Padre na Carta às famílias — «esta esposa, de que fala a Carta aos Efésios, faz-se presente em cada baptizado e é como uma pessoa em quem o olhar do seu Esposo se compraz: “Amou a Igreja e por ela Se entregou... para a apresentar a Si mesmo como Igreja gloriosa sem mancha nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5,25-27)».16
Meditando, portanto, sobre a união do homem e da mulher, como é descrita no momento da criação do mundo (cfr Gen 2,24), o Apóstolo exclama: «É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja!» (Ef 5,32). O amor do homem e da mulher, vivido na força da vida baptismal, passa a ser sacramento do amor de Cristo e da Igreja, testemunho dado ao mistério de fidelidade e de unidade, donde nasce a «nova Eva», e de que esta vive na sua peregrinação sobre a terra à espera da plenitude das núpcias eternas.

Fonte Ecclesia

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