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Cardeal-Patriarca não vê privilégios para a Igreja Católica na nova Concordata
2004-05-20 22:38:31

ECCLESIA – O que significa para Portugal, como país, e para a Igreja em Portugal, a assinatura de uma nova Concordata?

D. José Policarpo – Essa resposta tem duas alíneas: uma que já tem 40 anos, na última fase, e que é o sentido para Portugal de uma Concordata.
As Concordatas são o estatuto mais solene, o instrumento mais solene que regulamenta as relações da Santa Sé com os Estados. A primeira questão que se coloca é a do interesse de manter em Portugal um regime concordatário: esse interesse explica-se me poucas palavras, porque Igreja Católica é uma realidade universal, não se confina às fronteiras de nenhum país e de nenhuma cultura.
Nós em Portugal temos a alegria e o gosto de pertencermos a uma comunhão universal que está presente em praticamente todo o mundo e cuja entidade unificadora, que verdadeiramente representa essa universalidade, é a Santa Sé, com o Papa à frente. Celebrar e estabelecer as relações de um Estado em concreto com a Igreja Católica em regime concordatário significa reconhecer esse estatuto da Igreja, reconhecer que as grandes linhas de força inspiradoras da Igreja Católica, que está em Portugal como noutros países, são comuns e o seu órgão representativo é a Sé de Pedro, a que vulgarmente chamamos Santa Sé.
Este foi um princípio já aceite muitas vezes ao longo da história: na nossa história recente é mais conhecida a Concordata que ainda está em vigor e que foi assinada em 1940.
A segunda alínea dessa questão é o porquê de uma nova Concordata ou da Concordata – os comentadores vão certamente dividir-se entre estas duas hipóteses, porque tem o seu quê de revisão, mas tem uma fisionomia, pela maneira como aborda as questões, que lhe dá um sabor de novidade; o fundamental da matéria é, contudo, reconduzido da Concordata de 1940, isso é claro.
Passaram-se 60 anos, muita coisa aconteceu: sob o ponto de vista da Igreja aconteceu o Concílio Vaticano II, a reforma do Código de Direito Canónico, desenvolveu-se uma maior abertura ao diálogo inter-religioso, inter-cultural, com a própria laicidade. Estas são características que pautam a vida da Igreja na sua relação com a sociedade e que não eram patentes há 60 anos.
Do ponto de vista político aconteceu uma revolução, com o estabelecimento de um regime democrático e uma Constituição que exige a abertura em termos civilizacionais à liberdade religiosa, à igualdade de todos os cidadãos, a uma afirmação positiva da laicidade e da separação do Estado em matéria religiosa. Tudo isso exigia – e nalguns pontos concretos no imediato - um Concordata que respirasse não apenas o novo rosto da Igreja, mas uma Igreja que dialoga com a sociedade nova que tem características diferentes depois da instauração de um regime democrático.

E – Há alguns pontos que lhe pareçam fundamentais para exemplificar esses novos tempos que estamos a viver?
JP – Esta Concordata valoriza desde o princípio a Cooperação entre a Igreja e o Estado para o bem da sociedade e para a instauração de uma sociedade assente em valores que promovam a justiça, a fraternidade e a paz.
Esse princípio da Cooperação não estava tão claro na Concordata de 1940, mas não podemos esquecer que ela é uma Concordata que põe fim a um conflito grave entre a Igreja e a sociedade e esse ambiente não permite que se valorize tanto o princípio da Cooperação, que é importante de parte a parte.
Da parte da Igreja significa aceitar coordenar a sua acção, sem perder a sua especificidade, com todos os cidadãos de boa vontade, com todos os componentes que entram na construção complexa do tecido das sociedades contemporâneas.
É particularmente interessante por parte do Estado, porque continuando a afirmar-se laico, no regime de separação Igreja-Estado que nunca foi colocado em questão, vê-se uma evolução positiva na concepção da laicidade do Estado.
À partida está implicitamente afirmado que um Estado laico não é o mesmo que laicidade da sociedade, mas neutralidade diante do fenómeno religioso. Há ainda uma evolução positiva, que aliás se vê na literatura dos últimos 20-30 anos, porque se por um lado se afirma a não influência directa do Estado na religião, por outro lado reconhece-se às confissões religiosas – no nosso caso concreto uma confissão maioritária e muito ligada à História de Portugal - um contributo positivo para a sociedade, e o caminho mais sadio é o da cooperação institucional. No nosso país, como em outros países da Europa, paralelamente ao Estado são as estruturas da Igreja as mais presentes, até pela sua força organizativa.
Um segundo ponto que aparece como charneira nesta Concordata é o respeito pela Liberdade Religiosa. A Igreja, na linha do Vaticano II, está nessa atitude de respeitar a dignidade e a justeza das outras confissões religiosas. O Estado tem uma Lei da Liberdade Religiosa, que tem de ser vista em conjunto com a Concordata, e no fundo aplica à Igreja o princípio da Liberdade Religiosa com um instrumento superior da ordem internacional, que é a Concordata.
Em nome dessa Liberdade Religiosa muitas matérias serão decididas: dou como exemplo o direito à assistência religiosa que os cidadãos têm em determinadas circunstâncias – o verdadeiro fundamento do que é determinado nesses capítulos é a Liberdade Religiosa.
Acrescentaria ainda a ideia do respeito mútuo e do serviço à comunidade. O polo de referência é o bem da comunidade nacional, e é nesses termos que o Estado e a Igreja devem situar a actividade da Igreja nos seus direitos e deveres, na maneira como o Estado regulamenta essa acção nas diversas áreas: social, cultural, ensino, património, de personalidade jurídica, na política fiscal que nesta Concordata aparece enquadrada da política de privilégios fiscais das instituições que convergem para o bem da sociedade – desaparecendo benefícios pessoais e são sublinhadas as entidades que pelo serviço que prestam à sociedade merecem uma isenção fiscal para dinamizar esse mesmo serviço.

E – As palavras “privilégios da Igreja” aparecem associadas às Concordatas, em determinados sectores da sociedade portuguesa. Como reage a esta associação?
JP – Quem tem a noção de privilégios, deve ver objectivamente o que está escrito no texto: o privilégio é uma benesse que não é dada a outros e que, de certo modo, não é devida. Isso não se aplica em nenhum caso da Concordata que assinamos agora, não se aplica em nenhum artigo.
O que está previsto em todas as matérias são fórmulas de o Estado, ao promover a sua própria finalidade de bem da sociedade, respeitar o serviço que a Igreja presta a essa mesma sociedade. Se é um privilégio servir a sociedade? Com certeza, esse é o maior privilégio que os cristãos têm, servir os nossos irmãos.
Já tinha alguma dificuldade em admitir privilégios no antigo regime concordatário, embora aí houvesse zonas em que o regime foi tão alargado que raiava a figura da excepção, mas neste caso concreto não existe.
Esta é uma concordata que desafia a Igreja a um serviço mais desprendido e mais radical e que desafia o Estado a reconhecer este serviço proveitoso que a Igreja pode prestar à sociedade.

E – O dia da assinatura oficial foi um dia de festa para Portugal?
JP – É um dia significativo, porque tudo o que seja criar harmonia nas relações entre a Igreja e o Estado – que não definem, mas influenciam necessariamente as relações com a sociedade – são passos em frente na construção de uma sociedade democrática.
O pior que pode acontecer numa sociedade é que as grandes instituições que a marcam estejam em conflito. Espero vivamente que este Tratado agora assinado, e que desejo que seja ratificado pelo nosso Parlamento, contribua para diminuir os conflitos e criar harmonia na colaboração, de modo a que cada um faça o que lhe é próprio.
Este é um dia de festa, porque ajuda a definir uma tranquilidade na ordem, o conceito de paz agostiniano, desafiando toda a sociedade portuguesa a perceber que ganha mais com a harmonia e os consensos do que com os conflitos.

Fonte Ecclesia

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