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Deus é espectacular
2004-05-06 10:46:17

As mesmas perguntas a dois profissionais da comunicação, que acrescentam ao número da carteira profissional diferentes opções e compromissos pessoais e profissionais:
1 - A mensagem do Evangelho é mediática? Pode “digitalizar-se”?
2 - A Igreja Católica é uma instituição mediática?
3 - Será necessário à Igreja Católica profissionalizar, nas suas instâncias, gabinetes de comunicação e imagem?
4 - A Igreja, enquanto instituição, deverá obedecer ao tempo dos média?
5 - A Igreja precisa de meios de comunicação social próprios?


1 - Há algumas palavras encaixilhadas no nosso quotidiano. Uma delas, há pouco desconhecida, é essa: mediático. Algo que estava no silêncio ou no desconhecimento e, de repente, entra no furacão das notícias vistas e revistas, narradas e comentadas até à exaustão, em casa, nos transportes, no remoinho buliçoso em que nos encontramos.
O Evangelho entra aqui? Claro. O que dizia atrás é bem semelhante à cena do Livro dos Actos na descrição da vinda do Espírito em línguas de fogo… como um vento impetuoso.
Sem abusar das palavras, podemos dizer que Deus “é espectacular” nas suas revelações e Jesus Cristo constituiu uma verdadeira revolução na sua sociedade. O filme “A Paixão” com toda a sua controvérsia, acabou por revelar isso: o choque quebra a indiferença.
O avanço das tecnologias e o carácter empresarial da comunicação social de hoje, veio exacerbar a narrativa do espectáculo do homem e, obviamente, requerer uma visibilização de Deus que nada tem a ver com a perda de interioridade ou com a mercantilização do Evangelho. Mas, tanto na rádio, imprensa, televisão, como na informática, ou na net, a mensagem Evangélica ocupa um lugar de relevo. A Bíblia ainda é o livro mais lido, editado, mais traduzido e penso que mais divulgado em trabalhos digitais. Em Português conheço várias edições de CDROM que são obras extraordinárias.

2 – Por vezes é acusada de ser muito, outras de não ser nada. A Igreja andou séculos no alto das pirâmides sociais e culturais, em muitos lugares veículo, quase único, de cultura, ciência, arte – arquitectónica, escultórica, pictórica, musical – e foi julgada como potente e prepotente da sociedade. Mas “Evangelizou” em todas as direcções, sem perder um barco dos muitos que partiam no encalço dos novos mundos. Os tempos mudaram mas as exigências de Evangelização não. Ainda hoje tem de subir ao alto das torres, ao formigueiro dos jornais, ao esplendor das imagens, à urgência da notícia, para dizer-se sem orgulho e sem medo. Acho que continua mediática no esforço de estar presente em tantas publicações ainda que humildes, em pequenas rádios – sobretudo na África e América latina – em meios sempre novos de comunicação. Acontece que a evolução tecnológica e mediática deu-se a uma velocidade tal a partir dos anos noventa que muitos pastores tiveram dificuldade de reaprender linguagens informáticas e digitais. Mas conheço muitos que arriscaram projectos com receio de perderem oportunidades de colocarem o Evangelho na era digital. Sou testemunha pessoal dessa dificuldade e desse esforço. A meu ver só existe um caminho: entregar essa missão a quem dela sabe, mas nunca fugir com medo do que é novo.
A aposta da Conferência Episcopal Portuguesa no site oficial da Igreja e na Agência Ecclesia, são disso uma prova inequívoca. Mas há muitos caminhos ainda por andar…

3 – Esse é um aspecto e não menor da relação da Igreja com a sociedade, na imagem que dá de si mesma e na circulação de informação que suscita ou recusa. É uma matéria delicada. Por um lado a Igreja não se pode pensar como uma instância política que tem todo o arsenal mediático defensivo para disparar sempre que for atacada. Julgo que nessa matéria ainda há sectores que alimentam alguma estreiteza. Mas é indiscutível que há muito de bom – e de sinal – que fica escondido debaixo do alqueire e que precisaria subir ao candelabro. Há, por vezes, descoordenações e dispersão de energias. É importante investir num grande órgão de tubos que aclame Deus ao som das trombetas. Mas é preciso que Ele se faça ouvir com a “música mecânica” do nosso tempo. Quero com isto dizer que importa investir, apostar, gastar, em elementos humanos e técnicos como projectores da imagem do todo da Igreja de hoje. Não apenas dos pastores ou das autoridades, mas do sinal que constitui o todo da Igreja. Na nossa sociedade ainda existe, por vezes, a ideia de que a Igreja é um quartel onde apenas os generais têm voz activa.

4 – A Igreja deve olhar para a agenda do mundo e fazer a sua própria agenda. É um dinamismo original e não deve confundir modernização com perda da sua identidade. Mas o acontecimento sempre foi um tempo de narrativa e aprendizagem. É com o que acontece que se aprende no nosso tempo acerca de tudo. A Igreja, sem se fechar neste circuito, tem de o compreender e evangelizar através dele, sem a sofreguidão, por vezes mórbida, de alguns media, que mudam de doutrina à velocidade da sucessão dos acontecimentos.
Mas a Igreja é acontecimento, é notícia, está no tempo e não pode deixar de olhar para dentro e para o lado para perceber a velocidade e o ritmo a que caminha. Sem brincar com coisas sérias, diria: olho no Evangelho, olho no Mundo.

5 – Paulo VI foi muito claro nessa matéria: precisa tanto de media próprios como de estar em todos os de que não é proprietária. O tempo tem ensinado que as duas opções têm validade. Penso também que isso depende menos das autoridades eclesiásticas do que do povo. Acho que, ao longo dos anos, tem sido o povo que tem determinado os media de que a Igreja deve, ou não, ser proprietária. De que serve a Igreja ser proprietária de uma revista que ninguém lê, ou de uma rádio que ninguém ouve, ou de uma televisão que não é vista? Ainda por cima, recusadas por serem da Igreja. Acabamos por cair nessa pequena banalidade de dizer que, sem audiência não há media. Pode haver missa com duas ou três pessoas. Não se diz o mesmo de um jornal, uma rádio ou uma televisão.


Cón. António Rego, Director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais



1 - O Evangelho – a Boa Nova da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo – é um acontecimento não só comunicável, como provoca naqueles que o meditam e praticam, uma necessidade imperiosa de o comunicar. E é comunicável em qualquer situação, através de qualquer meio (mesmo que este seja contraditório com o reino anunciado por Jesus), em qualquer tempo e em qualquer lugar. Nessa comunicação, cabe aos cristãos procurarem os meios conformes ao Evangelho e adequados aos interlocutores. Pois o Evangelho não é prisioneiro de nenhuma cultura e aquilo que Jesus nos anuncia e aquilo a que nos convida pode ser entendido e vivido de forma própria a partir de cada cultura.
A mensagem evangélica é, portanto, mediática e digitalizável. Ela é o acontecimento fundador da fé cristã. São homens e mulheres concretos que a tentaram viver ao longo de séculos e que hoje a procuram viver. Qual é a dificuldade de “mediatizar” ou “digitalizar” um acontecimento ou a vida de pessoa com rosto. Não é disso mesmo que vivem os media?

2 - Nem sempre. Em certos momentos assume uma mediatização excessiva. Outras vezes peca por intimismo desajustado, ou por uma linguagem demasiado hermética. Em geral, parece que a Igreja Católica não gere muito bem a sua presença mediática, sendo pouca profunda na análise que faz do fenómeno dos media, da importância destes na vida contemporânea e no papel que ela quer desempenhar neste campo.

3 - A resposta a esta pergunta não é tão fácil como parece. À primeira vista parece simples: claro que a Igreja, como qualquer outra instituição que queira “existir” nas nossas sociedades, tem de estar presente nos media. E não há melhor forma de aí estar presente do que de forma profissional, através de gente competente, capaz, conhecedora da linguagem própria dos media e com conhecimentos no meio.
Contudo, a Igreja é uma instituição especial. Por várias razões, mas pelo menos, por duas que vêm ao caso. Por um lado, é uma instituição sem objectivos de poder e, por outro lado, a comunicação não é nela uma função de imagem, pelo contrário, é o modo que tem de cumprir a sua missão: fomentar a comunhão entre todos os homens. O que a obriga, em muitas circunstâncias, mais a ouvir do que a falar.
Daqui retiro duas consequências:
1) a Igreja Católica deve dotar-se de instâncias profissionais para poder comunicar bem através dos media, desde que esteja disposta a mobilizar-se para escutar com seriedade as questões, perguntas, interrogações e críticas que lhe puderem chegar dos media;
2) Mas tais núcleos profissionais não devem desres-ponsabilizar o resto da comunidade pela procura constante de formas de comunicação “mediáticas”.

4 - Sim. Colocando-se fora desse tempo, corre o risco de viver num outro mundo que não este em que vivemos no planeta Terra.
Isto não significa que toda a vida da Igreja deva ser pautada pelo ritmo dos media. Ao contrário, muitos dos nossos contemporâneos precisam cada vez mais de espaços e tempos fora dessa vertigem. O Evangelho não énos propõe (ao contrário do que muitos cristãos pensam!) uma moral de comportamentos objectivos, mas, muito mais do que isso, sugere-nos uma intimidade pessoal com Deus. É evidente que essa intimidade pessoal e colectiva tem ritmos e contornos que não devem viver ao ritmo dos media, mas sim ao ritmo das pessoas. Contudo, a Igreja na comunicação com os homens e mulheres de hoje não se pode pôr à margem dos tempos e ritmos dos media, sob pena de não existir.

5 - Não creio que seja uma necessidade prioritária. Do meu ponto de vista, a questão é esta:
1) Sobre um mesmo acontecimento, não creio que exista grande diferença entre a notícia a publicar num media católico ou num media laico. Jornalismo é jornalismo, a técnica, a linguagem e os critérios profissionais devem ser comuns.
2) Contudo: a decisão sobre aquilo que se valoriza (os acontecimentos que se escolhem para noticiar, investigar e publicar) na actualidade é bem diferente. Entre um media laico e um media católico a grande diferença deve ser esta: têm opções de agenda diferentes e, portanto, constróem actualidades diferentes;

Ora, como é sabido, muito do que pensamos hoje sobre o mundo, o homem e a sociedade é-nos sugerido pelos media Não pelas opiniões que estes reproduzem, mas sim pelo modo como retratam (noticiam) o mundo, o homem e a sociedade. Concluindo: media católicos só vale a pena se tiverem capacidade para “impor” uma agenda e uma actualidade alternativa à de outros media. Para serem reprodutores desinteressantes de noticiário sobre a vida eclesial, mais vale que sejam folhas paroquiais, isto é, media internos.

Jorge Wemans
Porta-voz da Fundação Calouste Gulbenkian

Fonte Ecclesia

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