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Onde falhou (ou acertou) Mel Gibson?
2004-03-11 21:17:59

“A Paixão de Cristo” segundo Mel Gibson, que hoje se estreou nas salas portuguesas, é um filme que tem mobilizado os Media e a opinião pública em geral, que não se cansa de falar em polémica.

A obra do realizador australiano possui uma grande carga dramática, da qual ressaltam essencialmente as imagens chocantes, de muita violência.
Francisco Perestrelo, crítico cinematográfico e habitual colaborador da Agência ECCLESIA, considera que “este é um filme de grande violência, como de grande violência foi a Paixão de Cristo, absolutamente brutal”.
Este especialista, director do Centro de Documentação do Secretariado do Cinema e do Audiovisual, Lda (Cinedoc), recorda, no programa ECCLESIA, que as obras cinematográficas anteriores têm procurado rodear o problema da violência, “ignorando os aspectos mais duros para que o filme não venha a chocar”.

Como ler é bem diferente de ver, têm entendido os cineastas que não será apropriado fotografar, em toda a sua crueza, a narrativa evangélica, sobre risco do filme produzido deixar de ser acessível à generalidade do público. “A Paixão de Cristo é chocante e Mel Gibson adoptou um processo completamente diferente, que é mostrar a realidade em toda a sua crueza, de uma forma directa, sem esconder nenhum aspecto humano da figura de Cristo”, avança.
Em relação ao propósito de fidelidade à narrativa evangélica, assumida por Gibson na escolha das línguas faladas no filme (latim e aramaico), o Pe. Carreira das Neves, especialista em Sagrada Escritura e professor da UCP, assegura que “estamos na presença da Paixão do Messias segundo Mel Gibson”.
“Há muitos registos a respeito da morte de Jesus, mas a crucifixão é sempre entendida como algo terrível. Flávio Josefo, que relata a guerra contra os Romanos, escreve que houve dias em que os Romanos crucificavam 500 judeus”, recorda.

A abordagem de Gibson aos dados da Paixão tem, para o biblista o mérito de “tratar o tema da crucifixão com toda a sua crueldade, o que corresponde a história”, mas nem tudo está de acordo com os Evangelhos.
“O filme começa de forma trágica, dramática, no Jardim dos Oliveiras, mas os evangelistas não narram que Jesus tenha começado imediatamente a sofrer a sua Paixão”, contesta o Pe. Carreira das Neves.
“As vestes que os Sumos Sacerdotes utilizam ao longo de todo o filme eram limitadas ao culto no templo, não eram utilizadas para julgar pessoas”, acrescenta.
Como todas as Paixões de Jesus, também esta obra depende de uma tradição, que valoriza mais ou menos personagens como Maria. No caso de Gibson, foi o Evangelho de João e a presença de Maria junto a cruz que marcam o filme.

“Mesmo assim, no Evangelho de São João, não há um relato jornalístico, mas teológico, pelo que não podemos roubar essa dimensão a esse sinal”, acrescenta.
Ainda mais fora do vulgar é o tratamento dado a outra figura feminina, a mulher de Pilatos, que nos Evangelhos apenas é vislumbrada em Mateus, e muito de relance.
“À luz da história poderíamos colocar várias interrogações, mas que é um grande filme, é”, assegura Carreira das Neves.

POLÉMICA=SUCESSO
Desde a grande obra de Franco Zeffirelli, os filmes sobre Jesus têm tido como chave para o sucesso o facto de serem polémicos. De acordo com Francisco Perestrelo, “mesmo desde o início do cinema, os filmes sobre Jesus são um sucesso desde que tenham qualidade, mas a polémica atrai uma gama de público que não estaria interessada em ver a obra”.
“Sou da opinião que este filme não apresenta razões para o suscitar da polémica com a comunidade hebraica, porque segue o espírito do Evangelho e não força a condenação do povo judeu”, acrescenta.
Já a mensagem teológica, a retirar de qualquer relato sobre as últimas horas de Jesus, fica colocada em risco.
“Há várias formas de falar sobre a Paixão, sobretudo aos cristãos que vivem o Mistério da Páscoa, e aquela violência de expiação pode levar as pessoas a um aprofundamento no bom sentido, mas também em sentido contrário”, alerta o Pe. Carreira das Neves.

Influência fortemente marcada na obra de Gibson, em relação a esta visão do sacrifício, é o livro “A Dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”, da Santa Ana Catarina Emmerrich (1774-1824).
“Durante muitos anos houve a espiritualidade do sangue, que conhecemos das procissões de Sexta-feira Santa, em que o Senhor crucificado desfila diante de todos. Mas esta necessidade de sangue, de aplacar Deus, não é do Novo Testamento”, revela o biblista.
O drama humano, que muitos acreditam ser Divino, ultrapassa a História, mas é histórico. “Jesus morreu na cruz, Pilatos condenou-o, os Judeus entregaram-no a Pilatos, isso é o que se vai ver”, conclui Carreira das Neves.

Fonte Ecclesia

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