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Mensagem de Natal do Pároco de São Gonçalo
2003-12-19 21:08:01

Duas coisas me custam particularmente nestas «mensagens de Natal»: A primeira: escrevê-las em tempo de Advento. A segunda: falar do Natal, sem “invocar o Santo Nome de Deus em vão”.

A notícia, antes do acontecimento

1. Falar de Natal em tempo de Advento é, para mim, como fazer a notícia antes do acontecimento. E o acontecimento, pela sua grandeza de importância, merece-nos espera, demora, preparação, tensão e atenção, desejo e acolhimento, abertura e ruptura, para saber a novidade. Só assim o Natal se tornará algo da graça do divino que desabrocha no humano, e não simplesmente uma coisa que se desembrulha. Mas, para a grande maioria, o Natal chega mais cedo, com algumas ceias em Novembro e “cheias” em Dezembro. E, o pior, é que chegando mais cedo, este Natal comercial, global, ou como que lhe queiram chamar, não fica para mais tarde. Azeda, no dia seguinte, como as batatas. Quando não avaria, depois da meia-noite, como alguns brinquedos. Salvam-se as luzes que só mais tarde se despedem. Nós perdemos assim aquela sabedoria dos tempos, que fazem com que um dia seja diferente dos outros dias. Antecipamos tudo à força. E quando chega a hora, já passou. Com pouco gosto e muito custo.

Na Liturgia da Igreja, usamos outra pedagogia. Vivemos a expectativa do Natal durante quatro domingos, sulcando a esperança, semeada pelos profetas, cultivando a austeridade gozosa do Baptista, aprendendo a candura de José e o acolhimento de Maria. Mas somos, de facto, numa sociedade profundamente paganizada, um pequeno resto, uns “crentes” que ainda se dão à paciência dessa espera. Pobres filhos de Deus que tentam divisar e apanhar com as duas mãos a Estrela do Presépio.

Eis porque uma reflexão prévia do Natal, me obriga a um enorme esforço de profecia. Difícil, sobretudo em tempos, como os nossos, que viram a página de repetente. Porque não se trata aqui de uma ideia que se repete. Trata-se, pois, de um acontecimento que se renova. O Natal do Senhor. E é tão difícil falar antes do tempo! Quem adivinha, hoje, o Natal que amanhã nos vai ser dado viver?!

As palavras em vão ou talvez não

2. A segunda dificuldade é a de falar do Natal, sem “invocar o Santo Nome de Deus em vão”. A troco do Natal vêm as mensagens do costume. Os apelos de sempre. Os lugares comuns: Festa da Família, sobretudo das crianças! (E quase parece pecado gostar delas!) Tempo de Solidariedade, que é agora o nome secular dado à caridade, por medo injustificado das referências cristãs. Esperança de Paz, sobretudo fora de casa, onde obviamente ela nos dá menos trabalho.

São estes os votos habituais que se colam ao Natal e não por acaso. Mas que parecem fazer dele mais uma ideia generosa, do que um acontecimento real. E o acontecimento fica, mais uma vez, por nomear. Por dizer. Por celebrar. Diria mesmo, o acontecimento fica por se dar, - passe a expressão – o acontecimento fica por acontecer. As palavras correm em vão velocidade, via postal ou via net. Em mensagens escritas, copiadas e coladas, num excesso de poupança de significados pessoais. E há palavras raras e sérias de mais para fazerem parte do dicionário do computador ou do telemóvel!

É hoje bastante incómodo falar do Presépio, com a velha manjedoura. Falar de um Deus, sem a nossa lógica fria e racional. Falar de uma Mãe que é Virgem. De uns Anjos que se encontram à noite com os Pastores. De um homem como José, que sacrificou o romance do noivado pela loucura de uma Promessa. Tudo nos soa a um cenário virtual, de mistificação, de que hoje temos algum medo de nos abeirar. Mas são estas coisas, desenhadas numa linguagem que os pequeninos e os simples bem entendem, que dizem da absoluta gratuidade do acontecimento, desse verdadeiro Natal, que não nos foi devido nem merecido, mas dado por Deus, quando e como Ele próprio quis.

Deus tal qual Ele é

3. O Presépio, com o boi e o burro, os Anjos, a Nossa Senhora, o São José e o Menino, os Magos e os camelos, as luzes e a Estrela, são afinal o quadro de um “excêntrico mundo”, que regressa finalmente à paz original, ao equilíbrio ecológico, à pureza das coisas, à ternura dos afectos, à beleza do amor, à dádiva presente da vida eterna. E é o Menino, por ser Deus, o centro de tudo! É Ele, o Menino Jesus, a dizer, por balbucios, que Deus desceu até nós. Que o Verbo se fez Carne. Que o Eterno abraçou o tempo. Que Deus se fez Homem. Que, por isso, há uma redenção, para todos, neste feliz encontro entre Deus e o Homem. Desde aí, está tudo mudado. Dentro de nós e à nossa volta. E nada está perdido. Está tudo salvo, redimido… uma vez que Aquele Jesus não era um menino qualquer, nem um Deus “feito por medida”.

Nós acreditamos assim. Que o Natal é a Festa de Deus que se fez Homem. E que o Homem escusa de ter medo de Deus. Porque Deus veio até nós para nos engrandecer. Para nos salvar. Para fazer aqui e agora o que sempre quis: que fôssemos homens autenticamente, filhos seus, irmãos uns dos outros. Talvez a partir daqui se possa dizer, sem invocar o santo nome de Deus em vão, tudo o mais, de que é comum falar-se antes e no tempo de Natal.

O acontecimento está à porta. E às portas do Natal, resta-me testemunhar que o nascimento deste Menino mudou a rota do meu próprio destino. Ele continua a brincar comigo, para que a minha vida seja mais a sério. Livre e erguida, digna e plena, de olhos abertos para cima. Desafio-vos também a tomardes conta deste Menino. Pois tornar-se Homem significa tornar-se criança. Esse é o itinerário principal para quem desejar chegar ao Presépio e ver a Deus, tal qual Ele é.

Pe. Amaro Gonçalo
Pároco de São Gonçalo e São Veríssimo


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