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O Natal no Natal
2003-12-02 19:47:21

Muita gente se tem surpreendido e perturbado pela antecedência com que as lojas, armazéns e até as ruas se vestiram este ano com as suas “roupas natalícias”. Logo em finais de Outubro se ouviram votos de “Feliz Natal” gritados de várias montras.

E esses votos chocaram aqueles que se preparavam para celebrar Todos-os-Santos e ainda nem sequer tinham começado a pensar no Advento. O problema merece mais reflexão e menos repúdio do que parece.

É muito importante separar duas coisas bem diferentes. Uma é o nascimento do Menino Jesus, na pobreza e no frio do nosso coração, como antes na gruta de Belém; outra é a festa que fazemos por esta altura do ano a propósito desse acontecimento. As duas coisas estão naturalmente ligadas, mas são muito diferentes. Houve tempos em que ambas andaram a par. Mas elas só estiveram perfeitamente unidas na primeira vez, quando a festa foi feita pela Senhora, S. José, anjos e pastores no Presépio. Desde então têm-se afastado e aproximado ao sabor da História. Da nossa história. O nosso tempo não é nisto nem muito pior nem muito melhor que outros.
Hoje, como seria de esperar, o Menino e o nascimento são os mesmos de sempre, mas os ritmos da festa estão comandados pela lógica comercial. É uma característica típica da actualidade, daquele tempo em que nos foi dado viver. Assim, naturalmente, as festas incluem compras e vendas, promoções e saldos, enfeites e postais, banquetes e presentes. As comemorações natalícias adquirem calendários, cadências e contornos dessa forma que o nosso tempo tem de olhar para a vida.

Daqui nasce o problema que aflige muitos. De facto, vários cristãos têm uma atitude de repúdio e censura em relação ao comércio. Participam dele como todos os outros, mas não deixam de o menosprezar ética e intelectualmente. Assim, um bom número de cristãos sente uma repulsa por aquilo que considera a ocupação comercial do Natal pelos interesses económicos. Esta é a razão de fundo para a surpresa e perturbação perante as montras natalícias de Outubro.

Por muito justo que seja, esse repúdio não é cristão. Será puritano, moralista, democrático, mas não é cristão. O comércio, as lojas, os armazéns e as ruas são apenas o mundo real, o mundo como ele se apresenta aos nossos olhos. Em si não é bom nem mau, mas ganha o seu valor pelas pessoas reais e concretas que nelas vivem e ganham a sua vida. É esse o mundo que o Senhor nos entregou para evangelizar. Temos tendência a denegri-lo porque o comparamos com outras eras, que mitificamos como excelentes. Mas essa comparação é espúria. O tempo que temos é único que realmente existe e o passado também tinha os seus defeitos, bem maiores em certos pontos.
Pode dizer-se que a «culpa» disto é do Menino que nasceu. Ele veio salvar o mundo mas não nos tirou no mundo. É aqui, no meio das imperfeições, dos interesses mesquinhos, das actividades de ganha-pão, que Ele viveu e nos pediu para vivermos. Fê-lo e pediu-nos para o fazermos sempre com os olhos no Céu, no sublime, na salvação. Sempre com amor por esse mundo na sua (e nossa) miséria. Mas obrigou-nos a permanecer no meio dos males do mundo e aí encontrar e levar a salvação. Não nos ensinou a multiplicação dos pães. Só nos ensinou a Paixão.
O facto de as nossas cidades estarem cheias de tantas manifestações natalícias não pode ser, em primeiro lugar, causa de repúdio pelos cristãos. Elas são, naturalmente, motivo de distracção, de desorientação, de pecado para muitos, incluindo para nós. Mas ao mesmo tempo são, para uma grande parte da nossa cidade, a única notícia que vão ter do acontecimento incomparável, radical, maravilhoso do Presépio de Belém. Notícia imprecisa, distorcida, diluída. Mas apesar disso única notícia.

E para nós, são a lembrança do muito que ainda falta para a nossa salvação. Pois se o Menino pôde viver na pobreza e no frio de uma gruta perto de Belém, se o Menino hoje nos pode suportar nos nossos pecados, também nós podemos viver e suportar as lojas e armazéns que nos ferem a sensibilidade. Por amor d’Ele. Pelo amor que é d’Ele.

João César das Neves, Professor Universitário

Fonte Ecclesia

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