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Javier Echavarría, o Bispo do Opus Dei
2003-08-29 23:43:28

Agência Ecclesia - Viveu 25 anos com o Fundador do Opus Dei. Quando o começou a “chamar” Santo?
D. Javier Echevarría - Sempre o considerei um santo. Em 1950 ouvi-lhe uma frase que me ficou gravada muito profundamente. Senti que era a pauta da sua vida; dizia de si mesmo que era um pecador que ama loucamente Jesus Cristo.


E até ao fim dos seus dias repetiu sinceramente esta brevíssima oração, que dirigia ao Mestre: Senhor, que Tu te deixes ver através da minha miséria. Os santos são pessoas que estão sempre convencidos de que valem muito pouco e a única coisa que verdadeiramente lhes interessa é identificar-se com Jesus Cristo e dá-lo a conhecer.

AE - Que virtudes fazem de S. Josemaría um santo para os nossos dias?
DJE - Penso que a actualidade da sua figura é perene, porque tem a novidade do Evangelho. A sua vida e a sua mensagem têm um carácter perene, sem se tornar numa coisa que hoje possa estar de moda, e amanhã não, ou que agora possa atrair mais a atenção, e depois menos. Lutou por assumir profundamente o Evangelho e por ajudar os outros a descobri-lo. A sua mensagem não é ‘modernidade’ mas ‘novidade’, pois o Evangelho atrai sempre e, ao mesmo tempo, manifesta-se como sinal de contradição. Tal como escreveu, estava convencido de que a fé cristã é o que há de mais oposto ao conformismo (Cristo que passa, n. 42). A actualidade de S. Josemaría, como a de todos os santos, radica na sua coerência evangélica: eles não se anunciam a si mesmos, mas a Jesus Cristo, embora tal anúncio e testemunho provoquem, a par da adesão de muitos, a oposição de outros.
Estou convencido de que S. Josemaría foi, e continuará a ser, instrumento do Senhor para abrir os ouvidos de muitos à voz de Deus, que pede que procuremos a identificação com Ele, cada um no seu lugar no mundo. Este grande sacerdote pôs em destaque que o chamamento do Mestre, desde há vinte séculos, não se dirige apenas a uns poucos entendidos ou peritos em coisas religiosas, mas a todos. E para todos os que descobrem esta luz, apresenta-se diariamente como a maior e a mais atraente novidade, que ilumina a existência com uma nova claridade.

AE – A celebração dos 100 anos do nascimento do Fundador e a sua canonização marcam, de alguma forma, uma viragem no relacionamento do Opus Dei com a sociedade e com a Igreja, na medida em que permitiram melhor conhecimento recíproco?
DJE - Julgo que não marcam propriamente uma mudança. Aconteceu, simplesmente, que, pela difusão mundial que o centenário e a canonização tiveram nos meios de comunicação, vários milhões de pessoas conheceram o que antes ignoravam. São contínuos, nos cinco continentes, os pedidos de informação sobre o pensamento e a figura de S. Josemaría.

AE – A constituição do Opus Dei em Prelatura confere-lhe um carácter especial, singular pelo menos. Poderá este facto gerar incompreensões no interior da própria Igreja?
DJE - A figura das prelaturas pessoais, prevista pelo Concílio Vaticano II e contida no Código de Direito Canónico, não dá ao Opus Dei nenhum carácter especial, precisamente porque é um tipo de instituição previsto pelo direito comum da Igreja. Não tem porque gerar incompreensões no interior da Igreja; mais ainda, essa figura, ao expressar bem a natureza e o lugar do Opus Dei na Igreja, facilita e robustece as relações de comunhão eclesial.

AE - A Prelatura tem, à semelhança das dioceses, um serviço de “Pastoral Vocacional”? Em que consiste e que iniciativas desenvolve?
DJE - A Prelatura do Opus Dei não tem um serviço particular de pastoral vocacional; na realidade, toda a sua acção de difusão da vocação à santidade e de formação cristã, conduz a tornar fácil para aqueles que recebem essa formação a descoberta da sua vocação pessoal na Igreja. De facto, como fruto do trabalho apostólico do Opus Dei, além de pessoas que se incorporam à Prelatura e de muitos que descobrem a profundidade da sua vocação baptismal, surgem muitas vocações para os seminários diocesanos e para as congregações religiosas. Isto mesmo tinha previsto S. Josemaría em 1935, registando-o por escrito.

AE - Espiritualidade e solidariedade: são palavras com valores semelhantes? Até que ponto se implicam ou permitem apostas declaradas numa ou noutra?
DJE - Espiritualidade e solidariedade são dois conceitos diferentes. Mas, naturalmente, uma dedicação a iniciativas de solidariedade pode ter a sua origem numa determinada espiritualidade, como pode entroncar numa específica ideologia ou convicção social, política, etc.
Diria que para um cristão a solidariedade é uma consequência necessária da própria fé, dessa fé que, como escreve S. Paulo, actua pela caridade. Por outras palavras, perante as várias necessidades humanas, a fé imprime à natural solidariedade uma peculiar identidade: a que dá o amor, a caridade que é o mandamento novo de Jesus Cristo. Assim, por exemplo, para um cristão não faria sentido a atitude de considerar como sendo iniciativa de solidariedade uma ajuda económica dada com a condição de que se restrinja a natalidade. É muito penoso que se ataque dessa forma a dignidade dos povos. Tal como é doloroso que dê rédea solta ao tráfico de armas com países do terceiro mundo quem afirma condenar o terrorismo.

AE - Olhando o mundo e a sociedade contemporânea, acha que a família está em crise?
DJE - A família entra em crise quando se perde o sentido da fidelidade matrimonial e o verdadeiro amor pelos filhos. Com este termómetro não é difícil tirar conclusões, olhando à nossa volta. Não é a família, enquanto tal, que está em crise, mas a filosofia social e familiar de muitos legisladores e governantes, com os seus pressupostos ideológicos e com as suas graves consequências em amplos sectores das sociedades ocidentais. A recuperação da dignidade da família fundada no matrimónio uno e indissolúvel – nas ideias dominantes, nas leis e na vida real – é condição imprescindível, mesmo que muito difícil, para superar muitas outras crises: desde a delinquência juvenil às drogas, etc., etc.

AE - É possível falar em diferentes conceitos de família?
DJE - Sem dúvida que há diferentes conceitos de família: basta pensar nas diferenças que existem entre a concepção islâmica e a cristã.
Mas, muitas vezes, falar de diferentes conceitos de família costuma ser um expediente para apresentar como legalmente correctos os fracassos e os tropeços da vida familiar ou os desvios de alguns sectores da população. Todas essas pessoas merecem o respeito que a dignidade humana exige e, para os cristãos, merecem também afecto e serviço mas, precisamente por isso, devemos dizer-lhes com sinceridade o que estimamos que é o bem para a sociedade e para essas pessoas, sem nos julgarmos pessoalmente superiores a ninguém.

AE - Como combater problemas crescentes nas sociedades contemporâneas, que afectam também a Igreja, como o da pedofilia?
DJE - Todos os problemas da nossa sociedade afectam a Igreja, porque nós os cristãos sentimos o dever de levar a luz de Cristo onde quer que haja trevas e porque não estamos isentos de pecado. Para combater o mal, o Senhor deu-nos umas armas: a oração e os sacramentos, especialmente o da penitência e o da Eucaristia. Hoje, como ontem e como amanhã, nós os católicos temos de sentir a responsabilidade de difundir a necessidade de recorrer ao sacramento do perdão, que nos obtém a graça de Deus e nos fortalece contra o impulso das paixões. A solução para os assaltos do mal não está nas teorias psicológicas ou nos remédios psiquiátricos; está na ajuda da misericórdia de Deus que se concede especialmente nos sacramentos. A psiquiatria pode, por vezes, ser uma ajuda necessária para o equilíbrio pessoal, mas não é apta para curar o mal moral da alma.

AE - Deus, ou uma referência clara ao cristianismo, deve ter lugar na Constituição Europeia? Que significado têm as tentativas de tal não acontecer?
DJE - As tentativas de excluir uma referência à tradição cristã da Europa dão uma penosa imagem do panorama político europeu. Além de constituir uma evidente incoerência histórica, uma exclusão do nome de Deus e do cristianismo passaria para a posteridade como um ridículo exemplo de laicismo intolerante e de uma ignorância histórica culpável.

AE - É a favor da constituição de uma Europa fortaleza ou, diante da mobilidade humana, encara o fenómeno da imigração como natural e sinal concreto da globalização?
DJE - Os problemas da imigração são complexos e graves. Vendo o que está a acontecer, vem-me por vezes à memória o que dizia S. Agostinho diante da queda de Hipona: não é um mundo velho que acaba; é um novo mundo que começa. Não sei por onde a história nos vai levar, mas o panorama actual pede o esforço de enfrentar os problemas internacionais com uma visão nova. E isto é um sério desafio também para a Igreja. Eu encaro-o com optimismo, e parece-me que serão as minorias cristãs, que não se deixaram capturar pelo hedonismo consumista, e que se sentem apoiadas pelo magistério e pelo exemplo do Santo Padre João Paulo II, quem poderá oferecer soluções conformes à dignidade das pessoas.

AE - Que vias aponta como possibilidades para o diálogo das sociedades ocidentais com o Islão em ordem ao fim de ameaças recíprocas de terrorismo?
DJE - Penso que o caminho passa por dar a conhecer, cada vez com maior vigor, uma visão cristã da vida; isto é: a doutrina de Jesus Cristo. Utopia? Ingenuidade? Para muitos talvez seja, mas eu estou convencido de que Jesus Cristo trouxe ao mundo a Verdade e sempre vale a pena procurar, sem cansaço, que as pessoas conheçam essa Verdade.

AE - Este pontificado já superou todas as expectativas ou, na sua opinião, podem ainda esperar-se surpresas?
DJE - Se olhássemos apenas com um olhar humano, poderíamos pensar que estamos num ponto em que não já se podem esperar surpresas ou novidades. Mas, de facto, esse pensamento seria limitado porque a fé cristã assegura que a missão do Sucessor de Pedro está guiada muito especialmente pelo Espírito Santo e, por isso, possui uma permanente vitalidade, que não tem por que se manifestar em factos chamativos ou extraordinários.

Fonte Ecclesia

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