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Cardeal para servir, com muita honra
2001-02-21 19:11:18

Entrevista da Agência Ecclesia

Agência Ecclesia - Ser Cardeal, é uma honra ou um serviço?
Cardeal D. José Policarpo – As duas coisas. Normalmente, na Igreja, as honras estão ligadas ao serviço. As honras na Igreja sublinham a importância do serviço: quanto mais significativo e mais envolvente é o cargo de serviço para que as pessoas são nomeadas, mais são sublinhadas simbolicamente com gestos que depois a cultura considerou como honra. Aliás, na Igreja nós nunca andamos à procura de honras, eu pelo menos nunca andei à procura de honras. Aceitamos aquelas de que os cargos para que somos nomeados estão normalmente envolvidas (também não merece a pena estar a tentar mudar a história de repente).

AE – Mas não existe o risco de fazer passar, para a opinião pública pelo menos, apenas a pompa e a circunstância da ocasião?
DJP – Existe (a diferença que há entre ver o fruto só por fora e vê-lo também por dentro). A mediatização que vocês estão a fazer deste acontecimento pode ter este inconveniente na medida em que aquilo que se passa para a visibilidade pública é a cerimónia exterior, mais do que a realidade da vida da Igreja. No entanto, as cerimónias sublinham a vida. Não podemos ter uma visão da vida que anule a festa, a solenidade dos actos. Mas, tal como quando fui ordenado padre ou bispo, no fim de acabar a cerimónia é que começou a vida, a exigência, aquilo que é o sentido do serviço e da missão.

AE – Que serviço e missão são inerentes à nomeação para Cardeal?
DJP – Hoje, o Colégio dos Cardeais está muito ligado ao governo da Igreja Universal.
O Concílio Vaticano II acentuou muito que na missão de todos os bispos estão presentes duas dimensões da Igreja: a local, a que o Concílio chamou Igreja particular (como a de Lisboa, a de Paris...), estabelecida numa determinada zona, com autonomia e rosto eclesial completo. Por outro lado, esta dimensão nunca é desligável da realidade da universalidade da Igreja, a que existe em todo o mundo e é presidida pelo Santo Padre.
A Universalidade da Igreja, que se concretiza fundamentalmente na unidade, tem um serviço muito importante, que é o ministério do Papa, como sucessor de S. Pedro (o Evangelho diz que Nosso Senhor entregou a S. Pedro a missão de confirmar os seus irmãos na fé e na caridade). O ministério de Pedro veio ganhando relevo ao longo dos séculos e hoje tem uma visibilidade e uma acutilância enorme na realização desta unidade da Igreja, na variedade dos problemas, das situações, das tensões.
No exercício deste ministério, o Santo Padre tem vários serviços que o apoiam, seja no ministério como Bispo de Roma, para o qual tem serviços próprios, seja na missão de Pastor Universal: toda a Cúria Romana, o Sínodo dos Bispos e o Colégio dos Cardeais.
Desde muito cedo, este Colégio teve a missão de eleger o futuro Papa e funções de aconselhamento. Hoje, esta ancestralidade do conselho ainda está simbolicamente afirmada: cada um de nós, por exemplo, recebe um título romano...

AE – Já sabe qual será o seu título?
DJP – Ainda não tenho a certeza. A minha dúvida é entre dois: ou aquele que era do Sr. Cardeal Ribeiro, "Santo António in Via Merulana", e que está livre pela sua morte; eu sugeri que "Santo António dos Portugueses" fosse elevado à categoria de título cardinalício. Não me foi dito que não. Só quando lá chegar saberei se a minha sugestão foi aceite ou se me é atribuído o que já me estava destinado

AE – Já se imaginou no próximo conclave, na eleição do próximo sucessor de Pedro?
DJP – É difícil imaginar aquilo em que nunca participei e do qual há poucas notícias. Lá que veremos o que é e a maneira de trabalhar.

AE – O objectivo do Conclave é muito claro...
DJP – O grupo de pessoas que se reúne em Conclave têm uma missão muito importante: eleger aquele que será o Pontífice supremo da Igreja. Certamente fa-lo-ão de uma maneira humana, dialogando, conversando, trocando impressões, votando, rezando em conjunto.

AE – Acha que a participação num Conclave é também uma experiência espiritual?
DJP – Isso é com certeza! Deus nos livre que essa eleição seja feita sem estar assente num critério de fé muito forte, quer para escolher quer para aceitar...!

AE – Tem idealizado um perfil para o novo Sucessor de Pedro?
DJP – Penso que, para responder a esta pergunta, é necessário ver os sinais dos tempos. Depois, ver qual a personalidade que pode encarnar a continuidade numa resposta carismática aos tempos novos.
Gostaria muito que o futuro Papa fosse uma grande testemunha da fé (como este já foi); que fosse, no mundo de hoje, o rosto da misericórdia e da bondade de Deus para com aqueles que sofrem (na pobreza material, na doença, nos dramas das suas consciências, nas tensões entre grupos humanos); terá que ser um homem aberto ao diálogo entre as culturas e as religiões (a paz e a justiça exigem cada vez mais que os diversos grupos humanos com valores, com ideais – como as religiosas – dialoguem); finalmente, que seja capaz de consolidar a evangelização e expansão da Igreja num crescimento interno e na autenticidade evangélica, garantindo uma ousadia de anúncio, dando forma ao ideal da nova evangelização.

AE - O Colégio de Cardeais é um factor de afirmação da centralidade da Igreja, no Vaticano, ou da sua colegialidade?
DJP – As duas coisas. Na Igreja a centralidade é a garantia da unidade e da pluralidade. Não seria possível manter a unidade da Igreja, na sua complexidade no mundo de hoje, sem a centralidade de missão. E centralidade não é centralismo. Esse é um perigo que a centralidade tem que evitar sempre (o de cair num centralismo administrativo burocrático). A centralidade significa a unidade de um ministério que ninguém discute e a existência de um conjunto de órgãos e serviços que se desenvolvem à volta dele e para ele ser eficaz, serviços

AE - Agora como Cardeal, poderão ser-lhe confiados novos serviços, nomeadamente na Cúria Romana?
DJP – É natural. No entanto, é necessário distinguir dois grupos no Colégio Cardinalício: aqueles que estão completamente disponíveis para os trabalhos da Cúria Romana. Não têm diocese, vêm de todo o mundo e vivem em Roma onde as Congregações, os grandes departamentos da Cúria Romana são habitualmente presididos por um Cardeal. Depois há outro grupo de cardeais, que são Bispos em Dioceses de todo o mundo, sem empenhamento directo na Cúria. Os dois Cardeais portugueses exemplificam estes dois grupos: o Sr. D. José Saraiva Martins está em Roma, completamente disponível para o serviço da Cúria Romana, eu estou numa Diocese que me ocupa 99,9% das minhas disponibilidades. Isso não significa todos os outros Cardeais não sejam membros de organismos romanos. Eu aliás já sou: fui membro da Congregação para a Educação, neste momento sou membro do Secretariado para os não-cristãos e a cultura. É natural que o Santo Padre me nomeie ainda para mais uma Congregação ou outra. Isso significa estudo de dossiers e as reuniões plenárias, não mais do que isso.

AE – Gostaria de integrar o trabalho na Cúria Romana, a templo pleno?
DJP – Se isso me for pedido, logo direi se gosto ou não. Eu na Igreja estou sempre a 100% naquilo que me é pedido. Neste momento pediram-me para ser Patriarca de Lisboa, estou a 100%. Não penso noutra coisa. Se amanhã me pedissem uma coisa desse género, independentemente do desgaste pessoal e da mudança pessoal que isso significaria, certamente estaria a 100% nessa missão. Mas nunca pensei nisso, não é propriamente uma coisa que eu gostasse de fazer ou que ansiasse ser. Gosto muito do meu país, não sou um emigrante por natureza. Seria, certamente, com sacrifício pessoal que me seria pedida uma missão permanente fora da minha terra.

AE – No trabalho no Patriarcado, que repercussões trará o facto de ser Cardeal?
DJP – Em princípio nenhumas. Para além deste tempo de festas, depois o meu trabalho principal é como Arcebispo de Lisboa. O ser Cardeal não traz nenhum acréscimo nem de poder nem de dever. Traz o sublinhar de uma dimensão que eu já tenho como Bispo. Quando somos ordenados bispos é-nos dito que a nossa missão tem duas vertentes: a diocese à qual somos destinados e a solicitude de todas as Igrejas. O ser Cardeal acentua esta segunda vertente.

AE – No entanto, o ser Cardeal e a existência de dois cardeais portugueses torna-se relevante, pelo menos para a opinião pública. Isso não afecta o seu trabalho episcopal?
DJP – Logo veremos. Na natureza das coisas não.
Eu penso que estas coisas estão muito ligadas à nossa História. Desde o séc. XVIII, Portugal tem este privilégio de o Patriarca de Lisboa ser sempre Cardeal. Sendo um privilégio, é um atributo de Portugal como Nação cristã, que se empenhou muito na expansão missionária. Por isso, e porque não é a pessoa que está em causa, antes com um dado da nossa Nação, não escondo que é agradável ver pessoas que, mesmo não sendo católicos confessos mas por serem portugueses se sentem honrados com este facto. E eu não esqueço isso.

AE – Por outro lado, é legislado que em Portugal se retire a representação da Igreja no protocolo de Estado...
DJP – Eu não gostaria de me pronunciar sobre essa questão sem ver aquilo que verdadeiramente foi votado no Parlamento.

AE – A representação da Igreja será colocada ao nível de dirigentes sidicais...
DJP – Quando vir a lei em concreto, se for caso para reagir, fa-lo-ei. Só diria agora que não merece a pena dramatizar a questão. E tanto quanto eu percebi há duas questões separadas. Por um lado, a questão de não fazer coincidir grandes actos oficiais de uma Nação (inauguração de uma ponte, um aeroporto, por exemplo) com a cerimónia religiosa de bênção. Até percebo. As duas coisas são viáveis.
Por outro lado, se se confirma que foi tirado protocolarmente o lugar aos representantes das Igrejas e ostentam a equiparar seja ao que for, parece-me de uma grande deselegância. Eu, ou vou como Patriarca de Lisboa ou como cidadão. Equiparar-me a chefe de um sindicato... tenham paciência, nessa nunca entrarei!
Tenho pena se se romper um equilíbrio que estava adquirido, simpaticamente adquirido. Porque a nossa presença nos grandes actos da Nação não é simplesmente uma delicadeza do Estado Democrático, por mais laico que seja, para com a Igreja e para com personalidades que a representam. É também uma manifestação de respeito da nossa parte, do respeito que temos pelas instituições democráticas e pelo Estado. Quebra-se isso. Pessoalmente tenho pena, embora me alivie de uma série de cerimónias oficiais para as quais não estou particularmente dotado.
Mas eu não dramatizo a questão. Uma coisa, no entanto é clara, eu, como Patriarca de Lisboa, só estarei onde o protocolo me considerar. Caso contrário, deixarei de estar.

AE – Este e outros factos revestem o momento presente de alguma originalidade para a própria Igreja. Que desafios enfrenta?
DJP – As relações da Igreja são privilegiadamente com a sociedade, não com o Estado. No entanto, tem um grande respeito institucional com o Estado.
Frente ao Estado, a grande reivindicação da Igreja é o reconhecimento da sua visibilidade institucional (personalidade jurídica) e a liberdade para exercer a sua missão, interpretada na globalidade com que o Concílio Vaticano II a interpreta: é uma missão que abrange todos os sectores da sociedade.
Fala-se muitas vezes em privilégios: é a única coisa que eu gostaria que a Igreja não tivesse. Mas não confundir privilégios com direitos dos cidadãos e entidades que servem a Nação. Renúnciar a privilégios não significa renunciar a qualquer tipo de apoio, por parte do Estado, para as escolas, para as actividades sociais, etc. Temos os mesmos direitos que têm todos os corpos da sociedade civil.

AE – Na pastoral da Igreja, onde gostaria de ver os leigos deste início de milénio comprometidos?
DJP – Em tudo.
Hoje os leigos são cada vez mais chamados a empenharem-se na vida interna da Igreja (em tarefas pastorais, de gestão e mesmo litúrgicas). No entanto, isso não faça esquecer o campo específico dos leigos que é o mundo, que é a sociedade profana. Aí, penso que temos perdido terreno. Temos perdido uma consciência formada nessa linha: o sentido de missão (as pessoas que estão nas estruturas do mundo estão em missão. Pode não ser uma missão de anúncio explícito do Evangelho, mas é de lutar pela justiça, pela fraternidade, de condução da coisa pública, com espírito de justiça, de dignidade da pessoa humana, com inspiração cristã). Esta vertente foi muito forte no tempo de Acção Católica. Hoje, esta vertente não está tão contemplada, o que é qualquer coisa que me preocupa e que eu gostaria que se acentuasse muito.

Fonte Ecclesia

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