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Sem Conhecer o Judaísmo, o Cristianismo Fica Truncado
2003-05-19 14:17:43

O seu primeiro nome - Aaron - é judeu, mas há muito que ele deixou de ser conhecido como tal. Aos 14 anos, Jean-Marie Lustiger deixou de se considerar judeu e o seu caminho espiritual levou-o até ao cristianismo, recebendo o baptismo católico. Nascido a 17 de Setembro de 1926, em Paris, viu a sua mãe ser levada para o campo de concentração de Auschwitz, onde morreu, durante a II Guerra Mundial.

Entrou no seminário ainda em 1944, foi ordenado padre dez anos depois, tornando-se bispo de Orleães em 1979. Dois anos depois foi nomeado para Paris e em 1983 o Papa João Paulo II fê-lo cardeal. Jean-Marie Lustiger esteve em Lisboa para proferir uma conferência organizada pelo Patriarcado no âmbito de um congresso internacional que as duas dioceses estão a promover com Bruxelas e Viena.

PÚBLICO - O clima entre cristãos e judeus está mais desanuviado. O Papa foi a Jerusalém, os bispos da Polónia, Alemanha e França pediram perdão aos judeus. O que falta para uma maior aproximação?
CARDEAL JEAN-MARIE LUSTIGER - Do lado dos cristãos, falta sobretudo ter fé. E compreender melhor o que é o mistério de Cristo. Se compreendermos esse mistério - quer dizer, o mistério do Messias Salvador, no qual nós acreditamos - compreenderemos o que é a eleição do povo judeu. Se não, quer dizer que não compreendemos Cristo.

P. - No seu livro ["A Promessa"], fala da importância de fazer a experiência do Antigo Testamento. É importante os cristãos conhecerem as suas origens judaicas?
R. - Não só é importante, como necessário, porque isso faz parte da fé cristã. Não ver as Escrituras na sua totalidade é ter um cristianismo truncado.

P. - E há muitos cristãos que não conhecem as suas origens?
R. - Não conhecem o Antigo Testamento nem conhecem, tão pouco, o Novo Testamento. Porque se conhecessem o Novo Testamento, o Evangelho, teriam necessidade de procurar conhecer a Bíblia, que é a Palavra de Deus.

Do ponto de vista cristão, o problema da relação com o povo judeu é o teste da verdade do amor a Cristo e da fé. Não é um problema de relação com alguém estrangeiro. Não diria a mesma coisa do budismo ou do xintoísmo, ou desta ou daquela religião pagã. Conhecer o judaísmo, para os cristãos, é conhecer quem é o Cristo.

Cantamos o "Magnificat", o "Cântico de Maria". O que quer dizer: "A minha alma glorifica o Senhor, o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador. Ele recorda-nos o seu amor, a promessa feita a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre"? De quem, de quê fala Maria? Por que é que, no dia de Ramos, a multidão diz "Hossana, filho de David"? O que quer isso dizer? "Hossana" não é uma palavra portuguesa... E quando dizemos "Cristo ressuscitou, aleluia"... porque dizemos isso?

Somos, portanto, obrigados a conhecer Cristo e conhecer a nossa fé. Os cristãos de origem pagã ou de origem judaica são cristãos. Mas ambos estão inter-relacionados com o próprio Evangelho. O problema actual não é o da relação com os judeus, é o problema da fé dos cristãos.

P. - O senhor, à semelhança do Papa, condenou a guerra contra o Iraque. Sente que ficou do lado que perdeu?
R. - Não, porque o Papa não tomou uma posição política, [mas] uma posição moral em matéria política. Ele diz: "A guerra é o último meio que se deve utilizar. Procurai outro meio que não a guerra, porque ireis fazer mais mal que aquele que pretendeis resolver. Sois suficientemente inteligentes, suficientemente poderosos, suficientemente organizados, para encontrar uma outra maneira de resolver o problema. Tentai-o."

Fazer a paz não consiste em parar a guerra. Fazer a paz consiste em fazer com que as pessoas se reconciliem, se estimem. Portanto, não foi uma derrota, foi uma derrota de um campo político em relação a outro. Mas a obrigação, para os homens, de procurar sempre fazer a paz, não cessaremos de a afirmar e reafirmar até ao fim dos tempos. Quando Jesus diz "Amai os inimigos", que quer isso dizer?...

P. - Esta guerra aumentou o risco de uma confrontação entre islão e cristianismo?
R. - Talvez. O problema é muito difícil. Há uma questão geral colocada ao islão, como cultura e civilização, em paridade com civilizações de origem cristã ou mesmo de civilizações asiáticas. Nos países islâmicos, há estruturas de tipo teocrático. O problema dos séculos futuros é: como é que o islão se vai reformar a si mesmo? Não somos nós que temos que o fazer. São os países do islão que devem fazê-lo. Sabemos o que se passa, com tantas dificuldades, na Turquia, no Próximo Oriente - em diferentes países como a Síria, o Líbano, mesmo a Jordânia, e é claro o Iraque, que tinha um regime laico -, no Egipto, em todos os países do Magrebe. Vemos como, depois de um século, se tenta chegar à secularidade política. É preciso, para isso, uma reforma interna. E não são os países do Ocidente que vão tomar o lugar do islão. Mas não é combatendo o islão que os países do Ocidente aí chegarão.

Fonte Público

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